Num esforço para exagerar a
dimensão do julgamento do Supremo, já tem gente feliz porque agora foram
condenados “poderosos…”
Devagar. Você pode até estar
feliz porque José Dirceu, José Genoíno e outros podem ir para a cadeia e
cumprir longas penas.
Eu acho lamentável porque não vi
provas suficientes.
Você pode achar que elas existiam
e que tudo foi expressão da Justiça.
“Poderosos?” Vai até o Butantã
ver a casa do Genoíno…
Poderosos sem aspas, no Brasil,
não vão a julgamento, não sentam no Supremo e não explicam o que fazem. As
maiores fortunas que atravessaram o mensalão ficaram de fora, né meus amigos.
Até gente que estava em grandes corrupções ativas, com nome e sobrenome, cheque
assinado, dinheiro grosso, contrato (corrupção às vezes deixa recibo) e nada.
Esses escaparam, como tinham
escapado sempre, numa boa, outras vezes.
É da tradição. Quando por azar os
poderosos estão no meio de um inquérito e não dá para tirá-los de lá, as provas
são anuladas e todo mundo fica feliz.
É só lembrar quantas
investigações foram anuladas, na maior facilidade, quando atingiam os poderosos
de verdade… Ficam até em segredo de justiça, porque poderoso de verdade se
protege até da maledicência… E se os poderosos insistem e tem poder mesmo, o
investigador vira investigado…
Poderoso não é preso, coisa que
já aconteceu com Genoíno e Dirceu.
Já viu poderoso ser torturado?
Genoíno já foi.
Já viu poderoso ficar preso um
ano inteiro sem julgamento sem julgamento?
Isso aconteceu com Dirceu em
1968.
Já viu poderoso viver anos na
clandestinidade, sem ver pai nem mãe, perder amigos e nunca mais receber
notícias deles, mortos covardemente, nem onde foram enterrados? Também
aconteceu com os dois.
Já viu poderoso entregar
passaporte?
Já viu foto dele com retrato em
cartaz de procurados, aqueles que a ditadura colocava nos aeroportos. Será que
você lembrou disso depois que mandaram incluir o nome dos réus na lista de
procurados?
Poderoso? Se Dirceu fosse sem
aspas, o Jefferson não teria dito o que disse. Teria se calado, de uma forma ou
de outra. Teriam acertado a vida dele e tudo se resolveria sem escândalo.
Não vamos exagerar na sociologia
embelezadora.
Kenneth Maxwell, historiador
respeitado do Brasil colonial, compara o julgamento do mensalão ao Tribunal que
julgou a inconfidência mineira. Não, a questão não é perguntar sobre
Tiradentes. Mas sobre Maria I, a louca e poderosa.
Tanto lá como cá, diz Maxwell,
tivemos condenações sem provas objetivas. Primeiro, a Coroa mandou todo mundo a
julgamento. Depois, com uma ordem secreta, determinou que todos tivessem a vida
poupada – menos Tiradentes.
Poderoso é quem faz isso.
Escolhe quem vai para a forca.
“Poderoso” pode ir para a forca,
quando entra em conflito com sem aspas.
Genoíno, Dirceu e os outros eram
pessoas importantes – e até muito importantes – num governo que foi capaz de
abrir uma pequena brecha num sistema de poder estabelecido no país há séculos.
O poder que eles representam é o
do voto. Tem duração limitada, quatro anos, é frágil, mas é o único poder para
quem não tem poder de verdade e depende de uma vontade, apenas uma: a decisão
soberana do povo.
Por isso queriam um julgamento na
véspera da eleição, empurrando tudo para a última semana, torcendo abertamente
para influenciar o eleitor, fazendo piadas sobre o PT, comparando com PCC e
Comando Vermelho…
Por isso fala-se em “compra de
apoio”, “compra de consciências”, “compra de eleitor…” Como se fosse assim, ir
a feira e barganhar laranja por banana.
Trocando votos por sapatos,
dentadura…
Tudo bem imaginar que é assim mas
é bom provar.
Me diga o nome de um deputado que
vendeu o voto. Um nome.
Também diga quando ele vendeu e
para que.
Diga quem “jamais” teria votado
no projeto x (ou y, ou z) sem receber dinheiro e aí conte quando o parlamentar
x, y ou z colocou o dinheiro no bolso.
Estamos falando, meus amigos, de
direito penal, aquele que coloca a pessoa na cadeia. E aí é a acusação que tem
toda obrigação de provar seu ponto.
Como explica Claudio José
Pereira, professor doutor na PUC de São Paulo, em direito penal você não pode
transferir a responsabilidade para o acusado e obrigá-lo a provar sua
inocência. Isso porque ele é inocente até prova em contrário.
O Poder é capaz de malabarismos e
disfarces, mas cabe aos homens de boa fé não confundir rosto com máscara, nem
plutocratas com deserdados…
Poder é o que dá medo, pressiona,
é absoluto.
Passa por cima de suas próprias
teorias, como o domínio do fato, cujo uso é questionado até por um de seus
criadores, o que já está ficando chato
Nem Dirceu nem Genoíno falam ou
falaram pelo Estado brasileiro, o equivalente da Coroa portuguesa. Podem até
nomear juízes, como se viu, mas não comandam as decisões da Justiça, sequer os
votos daqueles que nomearam.
Imagine se, no julgamento de um
poderoso, o ministério público aparecesse com uma teoria nova de direito, que
ninguém conhece, pouca gente estudou de verdade – e resolvesse com ela pedir
cadeia geral e irrestrita…
Imagine se depois o relator
resolvesse dividir o julgamento de modo a provar cada parte e assim evitar o
debate sobre o todo, que é a ideia de mensalão, a teoria do mensalão, a
existência do mensalão, que desse jeito “só poderia existir”, “está na cara”,
“é tão óbvio”, e assim todos são condenados, sem que o papel de muitos não seja
demonstrado, nem de forma robusta nem de forma fraca…
Imagine um revisor sendo
interrompido, humilhado, acusado e insinuado…
Isso não se faz com poderosos.
Também não vamos pensar que no
mensalão PSDB-MG haverá uma volta do Cipó de Aroeira, como dizia aquela música
de Geraldo Vandré.
Engano.
Não se trata de uma guerra de
propaganda. Do Chico Anísio dizendo: “sou…mas quem não é?”
Bobagem pensar em justiça compensatória.
Não há José Dirceu, nem José
Genoíno nem tantos outros que eles simbolizam no mensalão PSDB-MG. Se houvesse,
não seria o caso. Porque seria torcer pela repetição do erro.
Essa dificuldade mostra como é
grave o que se faz em Brasília.
Mas não custa observar, com todo
respeito que todo cidadão merece: cadê os adversários da ditadura, os
guerrilheiros, os corajosos, aqueles que têm história para a gente contar para
filhos e netos? Aqueles que, mesmo sem serem anjos de presépio nem freiras de convento,
agora serão sacrificados, vergonhosamente porque sim, a Maria I, invisível,
onipresente, assim deseja.
Sem ilusões.
Não, meus amigos. O que está
acontecendo em Brasília é um julgamento único, incomparável. Os mensalões são
iguais.
Mas a política é diferente. É só
perguntar o que acontecia com os brasileiros pobres nos outros governos. O que
houve com o desemprego, com a distribuição de renda.
E é por isso que um deles vai ser
julgado bem longe da vista de todos…
E o outro estará para sempre em
nossos olhos, mesmo quando eles se fecharem.
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