Por Rodrigo Vianna, no blog Escrevinhador:
A data: 5 de setembro de 2006. Véspera da eleição em que
Lula conseguiria a reeleição, e em que a Globo foi acusada de esconder um
acidente aéreo para apresentar no JN, com grande destaque, fotos do dinheiro
dos “aloprados petistas”. Naquele mês, e sob aquela conjuntura, um auditor
fiscal da Receita Federal, Alberto Sodré Zile, deixava registrado: “nesta data
procedi ao encerramento deste volume I do processo acima identificado, o qual
contem 200 fls, inclusive a presente, todas numeradas e rubricadas”. O processo
seria encaminhado em seguida ao Delegado da Receita no Rio de Janeiro.
O objeto do relatório: a TV Globo.
A acusação: a televisão da família Marinho teria sonegado
183 milhões de reais, numa operação estranhíssima envolvendo empresa de fachada
nas Ilhas Virgens Britânicas.
Há anos, nos bastidores do jornalismo, fala-se dessa
investigação da Receita. E há anos, quem bate às portas do governo federal para
indagar sobre os fatos recebe a resposta: “não vamos comentar, as investigações
são sigilosas.”
Pois bem, o silêncio se quebrou. E não foi a “Veja”, nem a
“Folha”, nem o “Estadão” o responsável por romper o pacto de silêncio. Foi um
blogueiro, Miguel do Rosário, que trabalha sozinho num sitio com o singelo nome
de “Cafezinho”. Miguel publicou cópias dos documentos, que merecem ser lidos
com atenção.
Abaixo, transcrevo dois trechos do voto da Julgadora Maria
de Lourdes Marques Dias, reproduzidos pelo Miguel. A Julgadora recebeu o
relatório do auditor Alberto Zile, e deu seu voto.
Num momento em que se quer “passar a limpo” o país,
perguntamos: não seria o caso de abrir também a caixa-preta desse monopólio da
Comunicação? Claro, a Globo merece se defender, e deve ter bons argumentos para
justificar a estranha operação. Deve ter também muito poder, para ter mantido
tudo isso em sigilo durante quase 8 anos.
Há aspectos ainda nebulosos: uma empresa sob investigação
pode receber recursos federais? A Globo recebe milhões em propaganda oficial
mesmo sob investigação da Receita? Ou não está mais sob investigação? O caso
está parado? Ou foi arquivado? A Globo pagou a multa em sigilo? Por que o
governo Lula não levou a investigação a fundo? Há muitas hipóteses a se testar…
Por hora, vale a simples leitura do papelório, que precisa
ser mais bem decifrado. De saída, cabe atentar para um fato: as Ilhas Virgens
Britânicas, onde a Globo é acusada de ter aberto uma empresa de fachada (ou “em
aparência”, como diz o relatório da Receita) é o mesmo paraíso fiscal
denunciado por Amaury Ribeiro Jr, em “A Privataria Tucana”. (Rodrigo Vianna)
Abaixo, trechos relevantes do voto de Maria de Lourdes
Marques Dias, a Julgadora.
*****
RELATÓRIO
Versa o presente sobre o Auto de Infração de fls 339/343
(que tem como parte integrante o Termo de Verificação e de Constatação Fiscal
de fls 310/338), lavrado pela DEFIC/RJO, com ciência do interessado em
07/11/2006 (fl339), para a exigência de crédito tributário de IRRF, no valor de
R$ 183.147.981,04, com multa de 150% e juros de mora. O crédito tributário
total lançado monta a R$ 615.099.976,16.
O lançamento foi efetuado em virtude de, em procedimento
fiscal, ter sido apurada falta de recolhimento de IRRF, conforme Termo de
Verificação e de Constatação Fiscal, de fls 310/338. No Termo, a fiscalização
aponta que “a TV Globo, incorporada pela sociedade sob investigação, para não
recolher o imposto de renda na fonte devido pelo pagamento (ou crédito, ou
entrega, ou emprego, ou remessa de importância), ao exterior, em razão da
aquisição (ou remuneração) do direito de transmissão, por meio de televisão, de
competições desportivas (art. 709, do RIR/99), adquire, em aparência, uma
pessoa jurídica com sede nas Ilhas Virgens Britânicas; no entanto, menos de um
ano depois, a sociedade é dissolvida e seu patrimônio vertido para que a TV
Globo obtivesse a licença que a permitiria transmitir os jogos da Copa do Mundo
de 2002, que foi o que, em verdade, acontecera (aquisição dos direitos de
transmissão dos jogos da Copa do Mundo de 2002)”. Conclui pela “existência de
simulação, devendo-se, portanto, afastar o ato aparente para que venha à tona o
negócio real e subsumir este à hipótese de incidência”. Acrescenta que o
conjunto de operações realizadas revela sonegação, sendo então aplicada a multa
de 150%.
(…)
“A fiscalização fundamenta a aplicação da multa de 150%. O
conjunto de operações realizadas pelo interessado revela sonegação, conforme
apontado pela fiscalização. Pelo exposto, o crédito tributário do IRRF, no
valor de R$ 183.147.981,04, com multa de 150% e juros de mora, deve ser
integralmente mantido (…)
É o meu voto.
Julgadora Maria de Lourdes Marques Dias. Relatora”
* Grifos do Escrevinhador.
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