Por Emir Sader, no sítio Carta Maior:
Lula é amado ou odiado, suscita esperanças ou temores. Ele
representa o momento mais importante da história recente do Brasil, personifica
o governo de maior apoio popular da história do país. E, por isso mesmo,
provoca sentimentos de ódio e pânico na direita brasileira.
O fenômeno Lula já foi objeto de varias análises –
jornalísticas, sociológicas, políticas. Algumas – principalmente jornalísticas,
com pretensões políticas – remetem à crise de 2005. São apocalípticas, com
frases – feitas para a orelha e a contracapa dos livros – do tipo “Terminou o
governo Lula”. Ficam pros sebos ou pra reciclagem de papel, sem pena nem
glória.
Outras, mais recentes, tiveram que incorporar o sucesso do
governo Lula. Alguns livros, feitos para desqualificar o Lula, modificaram o
título para tentar pegar carona no sucesso do governo, ficando sem público, nem
vendas.
Análises sociológicas mais recentes tentam abarcar o
fenômeno do “lulismo”, com visões descritivas, que apontam para aspectos reais
da realidade, mas sem explicações para sua natureza e, sobretudo, deixando
escapar a dimensão política da liderança do Lula. Animam debates, figuram em
bibliografias, mas não dão conta da globalidade do fenômeno.
Porque, para captar o Lula presidente, é preciso, antes de
tudo, situar o momento histórico em que ele assume e no qual ele monta a
arquitetura que torna possível o seu governo. Tudo parecia apontar para um
fracasso. Propostas históricas do PT propunham transformações estruturais no
país, sem levar em conta as modificações regressivas havidas no mundo nas
décadas anteriores e que se refletiam na América Latina através da proliferação
de governos neoliberais. Que, por sua vez, haviam tido forte impacto nas nossas
sociedades e Estados – inclusive no Brasil.
A criatividade do Lula esteve, antes de tudo, em incorporar
o consenso da estabilidade monetária, sem centrar sua política nesse aspecto.
Lula tirou as consequências do fracasso do governo FHC, deslocando a
centralidade para as políticas sociais. A prioridade do social foi o fio
condutor entre as propostas históricas do PT e o governo Lula.
Lula teve que buscar as condições de imposição dessa
prioridade sem ter maioria parlamentar, em um contexto externo – regional e
mundial – dominado pelo neoliberalismo e em uma sociedade e um Estado
impactados pelos efeitos de uma década neoliberal.
O governo Lula se caracterizou pelos passos na superação do
neoliberalismo, no marco do contexto de hegemonia neoliberal e de predominância
das forças conservadoras no âmbito partidário. A obra política maior do Lula
foi a arquitetura que permitiu um governo que privilegiou as políticas sociais
de caráter redistributivo, as alianças Sul-Sul e de integração regional e o
resgate do papel do Estado como indutor do crescimento econômico e garantia da
universalização dos direitos sociais.
Daí seu caráter ambíguo e contraditório, “conciliador”.
Apoiando-se na correlação de forças que herdou, Lula construiu as condições de
um governo que aponta para a superação do neoliberalismo. De governos que
promoveram processos de exclusão social, de subordinação da soberania nacional,
de subordinação radical do Estado ao mercado, Lula soube construir um governo
que foi capaz de promover a centralidade das políticas de inclusão social, uma
política externa soberana e o resgate do Estado do ponto de vista econômico e
social.
Não por acaso, então, o fator Lula é a variável determinante
da política brasileira e dos destinos futuros do país. De forma natural, Dilma
disse que o Lula nunca saiu. Porque as orientações fundamentais do seu governo
permanecem. E a oposição chega a argumentar contra a proposta de um plebiscito,
pelo medo do espaço midiático que o Lula assumiria.
O discurso do Lula no Foro de São Paulo demonstra como ele
se recicla, incorpora os novos dados da realidade, está antenado com os novos
movimentos da realidade, sem perder de vista a perspectiva política estratégica
que orienta sua ação. Aproximando-se de completar 40 anos de carreira política,
o Lula se afirma como o grande dirigente estratégico, que revela os avanços,
assim como os nós que o projeto iniciado por seu governo ainda não desatou.
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