A parcela ética e decente da classe médica deve criar
coragem e dizer que a parcela gritalhona – e espertalhona – não a representa
No último dia 12, a Folha de São Paulo publicou pesquisa
Datafolha que deu conta de que, até então, o percentual dos brasileiros que
aprovava a contratação de médicos estrangeiros para suprir a carência desses
profissionais nas regiões empobrecidas tanto das cidades quanto do país,
tornou-se majoritário. De lá para cá, esse apoio deve ter aumentado…
54% dos entrevistados pelo Datafolha disseram, então,
aprovar o programa “Mais Médicos”, do governo federal, que, agora, acaba de
bater o martelo na “importação” de 4 mil médicos cubanos.
Em junho, o índice de aprovação ao programa era de 47%. Por
outro lado, diminuiu o índice de reprovação — de 48% para 40% no mesmo período.
A pesquisa também mostrou que o apoio ao programa federal
aumenta ou diminui de acordo com a classe social do entrevistado. Ou seja: as
pessoas de classe social mais alta reprovam mais o programa, enquanto que as de
classe social mais baixa aprovam mais.
A explicação para o fenômeno é muito simples: os que não têm
problemas para ser atendidos por médicos por terem maiores recursos financeiros
se prendem ao aspecto político da questão e se solidarizam com uma classe
laboral que, em um país como o Brasil, origina-se exclusivamente das classes
sociais mais favorecidas.
As entidades de classe dos médicos, então, declararam uma
guerra ao programa “Mais Médicos” que, aparentemente, seria inexplicável.
O “Mais Médicos” foi elaborado para suprir com médicos estrangeiros
as regiões nas quais os médicos brasileiros não querem trabalhar, ou seja, nas
periferias das grandes cidades ou nas regiões e cidades mais afastadas e
empobrecidas do país. Ora, se trabalhar nas regiões mais carentes não interessa
aos médicos brasileiros, por que, então, eles não querem que os estrangeiros
trabalhem?
Cobrados sobre tal contradição, os médicos tupiniquins
trataram de conseguir uma explicação pretensamente plausível: estão preocupados
com a população, que seria atendida por profissionais “despreparados” como
seriam os tais médicos cubanos, apesar de Cuba ter índices na saúde que deixam
os de um país como o Brasil no chinelo.
Segundo os médicos brasileiros… Ou melhor, segundo a parcela
gritalhona dos médicos brasileiros que declarou guerra o programa “Mais
Médicos”, eles não trabalham nas regiões pobres porque elas não teriam a
estrutura de que necessitariam para desempenhar a contento as suas funções.
A “explicação”, porém, cai por terra quando se verifica que
há um impressionante volume de hospitais bem montados, com equipamentos e tudo
mais de que um médico possa precisar e que só não funcionam direito justamente
por falta de médicos.
Nesse aspecto, matéria recente da Agência Brasil, entre
muitas outras, desmascarou a desculpa das entidades de classe dos médicos e da
parte ruidosa de uma categoria que, mais adiante, veremos que tem razões muito
diferentes das alegadas para não querer trabalhar nas regiões ermas e
empobrecidas das urbes e do país.
A matéria relata que a diretora do Hospital Pedro
Vasconcelos, da cidade Miguel Alves, no Piauí, reclama da ausência de médicos
no município apesar de ele ter um hospital equipado.
Miguel Alves tem cerca de 32 mil habitantes. O hospital
local tem, sim, estrutura mínima e pode, por exemplo, realizar um exame de
raio-X a qualquer hora, pois o equipamento funciona 24 horas por dia. Contudo,
por falta de um ortopedista em 80% dos casos há que encaminhar o paciente para
a capital, Teresina, a 100 quilômetros de distância.
A diretora desse hospital argumenta que especialistas
ajudariam a tratar os casos menos graves e a fazer diagnósticos mais precisos,
mas o centro cirúrgico do hospital está desativado por falta de profissionais.
Nesse mesmo hospital, um outro exemplo: a sala de ultrassom
está perfeitamente operacional, mas fica ociosa a maior parte do tempo.
Funciona apenas uma vez por semana, no único dia em que o médico responsável
pelo exame vai à cidade, quando vai.
Na avaliação da prefeita de Miguel Alves, Salete Rego, “A
dificuldade de fixar médicos, especialistas e generalistas está associada ao
fato de o município ter 68% da população vivendo na zona rural. Quem é urbano,
dificilmente quer viver em um ambiente rural“, disse.
A assessoria do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, garante
que o Ministério da Saúde tem como demonstrar que esse problema se generaliza
pelo país afora: haveria, sim, hospitais, equipamentos e tudo mais para atender
boa parte das populações das regiões mais carentes. Segundo o MS, pode faltar
equipamento em algumas regiões, mas naquelas em que há estrutura não há médicos
que queiram trabalhar nelas.
Com efeito, a falta de estrutura seria muito mais fácil de
resolver do que a falta de médicos. Falta de equipamentos se resolve com
dinheiro – é só comprar. Médicos, não. Mesmo pagando altos salários, os
profissionais não querem se deslocar para regiões sem shoppings centers e ruas
arborizadas, só para ficarmos num exemplo frugal.
E ainda vale lembrar que os médicos – ou uma parcela
expressiva deles –, desmascarados, procuram jogar a culpa pelo problema no
governo federal por ter idealizado o programa que levará profissionais
estrangeiros aonde os brasileiros não querem trabalhar. O fato, porém, é que
saúde não é atribuição só do governo federal.
Mas por que, então, os médicos brasileiros se opõem tão
furiosamente a um programa que suprirá a falta deles em regiões em que não
querem trabalhar? Nesse ponto, matéria recente do SBT dá uma pista. Alguns
médicos chegam a se empregar em hospitais para a população humilde, sim, mas
recebem sem trabalhar. Vão a esses hospitais, batem o ponto e vão embora em
seguida. Confira, abaixo, a impressionante matéria do SBT.
Eis, aí, uma das principais razões pelas quais uma parcela
expressiva da categoria médica não quer “concorrência” estrangeira. Para fazer
um “bico” em alguma região pobre, médicos ganham fortunas e nem têm que
trabalhar de fato, atuando apenas quando não tem jeito. Não querem, pois,
perder essas “tetas”.
Claro que toda a generalização é burra. E não é porque a
maioria apoia alguma coisa que ela está certa. Contudo, quem de fato precisa da
saúde pública sabe que faltam mais médicos no Brasil do que estrutura.
Sobretudo no Norte e no Nordeste, como mostra a matéria da Agência Brasil
comentada acima. É por isso que os
médicos cubanos, entre os de várias outras nacionalidades, deverão atuar,
preferencialmente, nessas regiões.
As desculpas dessa expressiva parcela da classe médica, portanto,
não enganam o povo. Podem enganar pessoas das classes mais abastadas, que são
minoria da minoria e não dependem da saúde pública. Mas a população que
precisa, que é maioria esmagadora, conforme vai tomando conhecimento do “Mais
Médicos” vai apoiando o programa.
Apesar das desculpas esfarrapadas dos médicos e da
facilidade com que podem ser descontruídas, essa expressiva parcela da
categoria parece estar dopada pelas mentiras que propala.
O nível de falta de noção dessa parcela expressiva desses profissionais
é tão grande que não faz muito tempo uma manifestação deles saiu às ruas
gritando que médicos são “ricos e cultos”, como que para “avisar” o governo
para que “não mexa” com eles.
Os médicos gritalhões e espertalhões, portanto, conspurcam a
imagem de toda a categoria, apesar de, obviamente, haver nela gente decente e
responsável.
A classe médica, com o silêncio de sua parcela ética, está
cometendo um verdadeiro suicídio de imagem pública. É visível que entre a
população mais humilde os médicos estão se desmoralizando cada vez mais com
essa cruzada contra um programa que pode salvar incontáveis vidas.
Vale, pois, um alerta à parcela decente e responsável dos
médicos – que se supõe que deve existir. Esses profissionais devem criar
coragem e enfrentar o corporativismo da categoria dizendo publicamente que os
gritalhões não os representam, pois o “Mais Médicos” vai fazendo cada vez mais
sentido para uma maioria crescente dos brasileiros.
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