Por Luis Nassif, no Jornal GGN:
É curioso o estágio atual da mídia frente a AP 470. Ainda há
espaço para os carniceiros, os estimuladores da manada. Mas, em momentos cada
vez mais frequentes percebe-se um cansaço, uma certa lassidão que sucede os
grandes episódios orgiásticos, seja na guerras sangrentas ou na pornografia.
São sentimentos similares, denotadores da falta de limites.
A manifestação de Ives Gandra da Silva Martins - que, antes
da Folha, já externara o mesmo desconforto na insuspeita revista da Associação
Comercial de São Paulo - é significativa, por partir de uma das fontes
preferenciais do establishment midiático.
O desconforto não é apenas em relação à teoria do domínio do
fato - que poderá reverter contra os advogados em suas causas futuras. É também
em relação à postura de magistrados, à perda de referenciais de cortesia, ao
deslumbramento com os refletores.
A ele se somam manifestações de colunistas mais
independente, pequenas brechas na muralha para abrigar o desconforto de outros
juristas, advogados, análises mostrando a inutilidade do carnaval para as
eleições de 2014.
Os objetivos não alcançados
A ofensiva midiática teve dois objetivos. O primeiro,
desviar o foco da cobertura da CPMI de Carlinhos Cachoeira. O segundo, o de não
apenas condenar, mas liquidar, humilhar, destruir, salgar a terra por onde
passasse José Dirceu, pelo desplante de ter afrontado a mídia em diversas
ocasiões.
Faz parte de uma lógica imperial: quem ousar se interpor no
caminho da mídia precisa ser totalmente destruído como tática de disuasão.
Ninguém ganhou com essa demonstração irresponsável de poder.
Perdeu a mídia, perdeu o país e, principalmente, perdeu o
Supremo.
Em nome da vingança atropelaram-se normas básicas de direito
individual. Caminham para transformar réus em vítimas. Se preso, Dirceu se
tornará herói em vida, ao invés da pessoa que, para garantir a governabilidade
ao partido, singrou por águas turvas.
O que era para ser a punição exemplar de práticas políticas
condenáveis, transformou-se no oportunismo mais rasteiro, revelando a outra
face da mesma moeda de corrupção política: quando agentes se valem
seletivamente dos vícios do sistema para jogadas oportunísticas.
A hipocrisia política brasileira
De fato, não há diferença entre réus e alguns dos
julgadores. Todos fazem parte da mesma tradição de hipocrisia do modelo
político brasileiro.
O jogo sempre é o mesmo. Há um conjunto de vícios no modelo.
Partidos de oposição se fortalecem denunciando os vícios de quem está no poder.
Quando conquistam o poder, repetem os mesmos vícios. Aí a nova oposição passa a
criticar os vícios, utilizando-os de escada para reconquistar o Poder. Mas
ninguém se preocupa em corrigir os vícios, porque todos se beneficiam deles:
quem pratica e quem denuncia.
Ao julgar seletivamente os vícios do PT, Ministros do
Supremo agiram com a mesma hipocrisia dos partidos políticos. Não há diferença.
Pertencem todos ao mesmo lodo institucional, no qual impera a esperteza, jamais
o compromisso de aprimorar as regras do jogo.
A ressaca
Agora, tem-se essa lassidão. Há um incômodo generalizado no
sistema judiciário, pelo fato da face pública do poder ser um Gilmar Mendes, um
Luiz Fux, um Joaquim Barbosa, e nao mais um Moreira Alves ou mesmo um Celso de
Mello. Um incômodo generalizado entre jornalistas independentes - que trabalham
ainda na velha mídia - pelo fato de, na fase mais dura do macartismo, nao terem
podido externar sua indignação com o antijornalismo praticado.
À medida em que cessa o álibi da guerra total, vai caindo a
ficha geral sobre o estrago que esses tempos de devassidão jurídica provocaram
na imagem do Judiciário e na esperança daqueles que ainda acreditavam que o
escândalo é a espoleta para as mudanças. No país da jabuticaba, não é: é apenas
o holofote para levantar o ego togado de Ministros de pouca grandeza.
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