Blog da Cidadania por Eduardo Guimarães
Em maio deste ano, o Brasil recebeu um alerta da Organização
Mundial de Saúde (OMS): o país tem apenas 17,6 médicos para cada 10 mil pessoas
– ou 1,76 médico para cada mil habitantes – e esse número, segundo a
organização, é metade do encontrado em países europeus. No Maranhão, por
exemplo, teríamos índice comparável aos de Iraque ou Índia.
O número da OMS parece superestimado quando se sabe que o
número de médicos em atividade no Brasil chegou a 388.015 em outubro de 2012,
segundo registros do Conselho Federal de Medicina (CFM). Contudo, grande parte
dos médicos com registro que permite atuarem na profissão, não a exercem.
As estimativas não-oficiais do número de médicos no país
giram em torno de 300 mil profissionais atuando regularmente. Pelo critério da
OMS, pois, teríamos um número ainda pior: 14,9 médicos por cada 10 mil
brasileiros, ou 1,49 por grupos de mil.
Nos países europeus, por exemplo, o número de médicos beira
a três por grupos de mil habitantes.
Em julho último, matéria da revista IstoÉ antecipou a
chegada de programa governamental que já vinha em gestação quando a OMS alertou
para a situação de extrema carência de médicos no país, sobretudo nas regiões
ermas ou nas periferias dos grandes centros urbanos, problema que ameaçava
deprimir ainda mais a situação do Desenvolvimento Humano no país.
O programa Mais Médicos traria milhares de profissionais de
saúde para cá de forma a mitigar efetivamente um dos maiores problemas que o
Brasil tem na área de saúde: o estudo de medicina é caro, acessível somente
para pessoas das classes sociais mais altas, que chegam a ter que se dedicar
somente ao estudo durante ao menos 8 anos, sem poder trabalhar.
Programas governamentais como o de cotas nas universidades
deverá aumentar, nos próximos anos, a diversificação de classe social e até de
etnia entre a classe médica, além de aumentar o número de médicos formados.
Contudo, a ampla resistência a uma política que visa popularizar mais uma
profissão que se faz imprescindível em qualquer grotão do país vem atrasando a
formação de um perfil de médicos que se disponham a ir trabalhar onde os de
classe social mais alta não querem.
Surpreendentemente, os médicos que não se dispõem a ir
trabalhar nas regiões desassistidas por esse tipo de profissional – e que são
os mais organizados em corporações de classe – passaram a combater furiosamente
o novo programa governamental que responderia aos alertas internacionais para a
carência de médicos no país.
O nível de irritação da classe médica com o programa do
governo federal foi aumentando a níveis antes insuspeitos. Em 31 de julho,
quase um mês após a matéria da revista IstoÉ sobre o programa Mais Médicos, o
colunista do jornal O Globo Ilimar Franco noticiou no portal daquele veículo
uma manifestação impressionante de médicos de Brasília:
“Um grupo de médicos protestava ontem na frente do
Ministério da Saúde contra o programa Mais Médicos, que abre postos de trabalho
para médicos estrangeiros. O grito de guerra: “Somos ricos, somos cultos. Fora
os imbecis corruptos“.
A atitude dos médicos, como era previsível ao usarem o
“argumento” de que são “ricos e cultos” fez com que a maioria da população
ficasse a favor do que começaram a pregar que fosse repudiado.
No Ceará, o presidente do Sindicato dos Médicos daquele
Estado convocou um protesto contra médicos cubanos então reunidos em um evento
do Ministério da Saúde. À saída, os médicos organizados passaram a vaiar seus
colegas cubanos chamando-os de “escravos” por parte dos salários deles no
Brasil ficar retida pelo governo de seu país.
Confira, aqui, a entrevista que o presidente do Sindicato
dos Médicos do Ceará, José Maria Pontes, deu ao Blog à época dos fatos.
Mais adiante, como parte do enredo, uma jornalista divulgou
na internet a surpreendente “opinião” de que as médicas cubanas negras que
estavam chegando ao país se pareceriam com “empregadas domésticas”. Essa
afirmação foi vista como racista e quase gerou denúncia do Ministério Público.
Por essas e por outras, a guerra que esse setor organizado e
estridente da classe médica vem travando para desacreditar o programa Mais
Médicos vem sendo perdida para o governo. De acordo com pesquisa Datafolha
divulgada em 12 de agosto, 54% dos entrevistados se disseram favoráveis ao Mais
Médicos. A mesma pesquisa, realizada em junho, registrou índice de aprovação de
47%. Ao mesmo tempo, a rejeição ao programa diminuiu de 48% em junho para 40%
em agosto.
E esse apoio continua crescendo. Em setembro, o Instituto
Paraná de Pesquisas entrevistou 2,5 mil pessoas em todo país e aquele apoio de
agosto ao programa Mais Médicos agora chegava aos 70,38%, corroborando dados de
pesquisa Ibope feita pouco antes para a Confederação Nacional dos Transportes,
que apontou que 74% dos brasileiros apoiavam a vinda de médicos estrangeiros
para o país.
O fracasso (até aqui) dos médicos em influir na sociedade
para obrigar o governo federal a interromper o programa Mais Médicos só fez
estimular as entidades representantes da categoria a intensificar suas ações
políticas. Os médicos que não conseguiram chantagear o governo agora querem
derrotá-lo na eleição presidencial do ano que vem.
Segundo matéria do jornal O Globo, entidades de classe como
a Associação Médica Brasileira vêm estimulando médicos a se filiarem a partidos
políticos de oposição ao governo federal e a induzirem pacientes humildes a
votarem contra Dilma Rousseff na eleição presidencial do ano que vem.
Sob estímulo das entidades de classe, estão ocorrendo
filiações em massa de médicos a partidos de oposição, principalmente ao PSDB e
ao DEM.
Segundo a AMB, pelo menos 300 médicos já se filiaram ao PSDB
do Ceará, a convite do ex-senador tucano Tasso lereissati (CE). No Mato Grosso
do Sul e em Goiás, o DEM já articula um número grande de filiações até
novembro. O deputado Luiz Henrique Mandetta (MS) trabalha junto ao líder do
partido na Câmara, Ronaldo Caiado (GO), para fazer um ato político e filiar, em
um dia, cerca de mil profissionais.
Com base no número de quase 400 mil médicos com registro no
país, o presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), Florentino Cardoso,
afirmou ao jornal carioca que a maior parte dos médicos em atividade no país
vai influenciar o eleitorado. A classe médica teria capacidade de movimentar 40
milhões de votos em 2014 (400 mil médicos influenciariam 100 pessoas cada um).
A conta, porém, é absolutamente inverossímil. Em primeiro
lugar, os médicos dizem, claramente, que têm capacidade de influenciar pessoas
pobres que, durante os processos eleitorais, viriam consultá-los sobre para
quem devem dar seus votos. Pessoas humildes, porém, são justamente as pessoas
que sofrem com a ausência de… Médicos (!!?).
Como os médicos vão dar conselhos em lugares aos quais
sequer querem ir?
Os médicos que aceitarem fazer essa pregação abjeta e, em
boa medida, imoral – médicos dizem que querem se aproveitar da baixa
escolaridade de pessoas humildes para fazê-las votar de forma que beneficia só
a eles mesmos – estão superfaturando a própria influência política, como
mostram as pesquisas.
A ameaça que alguns médicos – seguramente não todos e,
talvez, não tantos – estão fazendo à presidente da República pode produzir
efeito oposto, pois com o programa Mais Médicos tendo se tornado tão popular os
partidos que estão filiando em massa médicos contrários a esse programa
certamente colarão em si mesmos a pecha de serem contra o desejo da maioria
votante.
O que fica da nova ofensiva de parte da classe médica é uma
certa perplexidade com profissionais que deveriam ser humanistas por definição,
mas que, com a postura que estão adotando de forma crescente, vêm
desmoralizando a sua profissão, fazendo com que seja vista como exercida por
pessoas insensíveis, arrogantes e gananciosas.
Os médicos dificilmente influirão na decisão eleitoral da
sociedade, ao menos como pretendem. O mais provável é que aqueles que pretendem
influenciar se sintam chocados ao receberem pregação contra um programa social
que quem precisa de médico sabe que é bom para si. Assim, os alvos eleitorais
dos médicos votarão de forma oposta à que recomendarem.
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