Por Marcelo Hailer, na revista Fórum:
Nesta semana, o jogador da seleção da Croácia Josip Simunic
foi banido pela Fifa e está fora da Copa do Mundo de 2014. O zagueiro, após a
vitória sobre a Irlanda (em novembro), pegou o microfone e entoou cânticos
nazistas com o apoio da torcida. A Fifa considerou inadequada a postura do
atleta.
Porém, o caso do desportista não é um fato isolado,
principalmente diante dos últimos ocorridos na Europa. No começo deste ano,
Paris foi palco de uma manifestação contrária ao casamento igualitário, que
reuniu cerca de 1,5 milhão de pessoas, porém, o presidente Hollande peitou os
grupos conservadores e fez campanha pessoal pela aprovação do projeto, fato que
ocorreu em maio.
Na Grécia, foram eleitos seis parlamentares do partido
Aurora Dourada, assumidamente neonazista. Recentemente, o líder do partido,
Nikos Mihaloliakos, foi preso acusado de fazer parte de um grupo clandestino
neonazista envolvido em assassinatos e lavagem de dinheiro. Outros três
parlamentares do Aurora Dourada foram presos sob a mesma acusação.
Mas não é apenas na Europa que os ideais eugenistas (base da
ideologia nazista) ressurgem, nos EUA e Brasil também. Lá como cá, esses grupos
estão organizados nos partidos políticos, nas assembleias e nos meios de
comunicação. Os discursos são os mesmos: anti-políticas raciais, contrários a
qualquer avanço na legislação no que diz respeito às LGBT e aborto e,
principalmente, sobre políticas de drogas.
No Brasil, por exemplo, mais de uma vez, o deputado federal
Marco Feliciano (PSC-SP) declarou que a África é um “continente amaldiçoado” e
que o líder Nelson Mandela implantou a “cultura de morte na África do Sul”. E
os companheiros de bancada do pastor propagam a ideia de que homossexuais são
doentes passíveis de cura. São pensamentos que lembram os eugenistas no século
XIX. Com os ativistas do Tea Party norte-americano (ala radical do Partido
Republicano) se dá o mesmo.
Com este cenário que se espalha por vários países, será
possível afirmar que o Ocidente vive uma nova onda eugenista/neonazista? Para a
socióloga e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP), Carla Cristina Garcia, não há dúvidas de que vivemos uma nova onda
das teses que fundaram o nazismo. Garcia, que também coordena o núcleo de
pesquisa sobre feminismo e sexualidades – Inanna – diz que é correto falar em
nova onda, pois, as ideias que têm permeado o ideário conservador do Ocidente,
nunca deixaram de existir, mas, neste momento, ganham nova força com a ascensão
dos movimentos mais progressistas.
Nesta semana, um jogador da Croácia foi expulso da seleção
por ter cantado cânticos nazistas ao fim de uma partida em novembro com o apoio
da torcida; neste ano, membros do partido grego neonazista Aurora Dourada foram
presos depois que investigação descobriu que eles faziam parte de uma quadrilha
nazista; no Brasil setores sociais e políticos têm propagado o discurso de ódio
contra LGBT, mulheres, aborto, droga… Pode-se dizer que o Ocidente vive uma
nova onda eugenista?
Sem dúvida alguma vivemos uma nova onda do pensamento eugenista
e é bom frisar o termo onda, pois a ideia, ou melhor, o ideal eugênico nunca
desapareceu da sociedade ocidental.
Talvez seja importante lembrar que todas as teorias racistas
modernas são fruto do pensamento eugenista, mais precisamente norte-americano,
que desenvolveu um tipo específico de eugenia, conhecida como “eugenia
negativa”: eliminação das futuras gerações de “geneticamente incapazes” –
enfermos, racialmente indesejados e economicamente empobrecidos –, por meio de
proibição marital, esterilização compulsória, eutanásia passiva e, em última
análise, extermínio. O aumento no número de imigrantes no final do século XIX
levou o grupo dominante no país, os protestantes cujos ancestrais eram oriundos
do norte da Europa, a buscar motivos para exclusão. Encontraram terreno fértil
na pseudociência da eugenia.
Os eugenistas usaram os últimos conhecimentos científicos
para “provar” que a hereditariedade tinha papel-chave em gerar patologias
sociais e doenças. Os imigrantes tornaram-se alvos fáceis de defensores dessa
nova “ciência”, que empregaram os achados do movimento eugênico para construir
a imagem dos imigrantes como pessoas deformadas, doentes e depravadas,
encontrando eco em seus contemporâneos nas ciências sociais e na biologia,
entre os quais a eugenia propagou-se como algo considerado perfeitamente
lógico.
Esse retorno do discurso eugenista em vários países pode ser
uma volta do discurso (se é que um dia ele já se foi) do Ocidente enquanto
sujeito branco e familista?
Eu não chamaria de retorno do discurso eugenista, pois
acredito que este nunca foi deixado de lado, todas as manifestações xenofóbicas
por todo o mundo ocidental, o ódio ao estrangeiro propagado em muitos países
europeus, além de exibir toda a questão do pensamento colonial, também
demonstra claramente que xenofobia e eugenismo são frutos do mesmo tipo de
pensamento eurocêntrico, branco e patriarcal.
Acompanhamos nos últimos meses o acirramento entre a bancada
fundamentalista e os setores progressistas pró-LGBT, que terminou ontem com a
vitória dos religiosos ao enterrarem o PLC 122 sob argumentos bíblicos. Por que
é tão difícil se fazer aplicar o Estado Laico?
O problema aqui é muito mais complexo do que parece.
Primeiro: há dois direitos individuais em conflito: o que assegura a liberdade
religiosa e o que assegura a liberdade de consciência. As pessoas têm o direito
de serem religiosas ou ateias, sem darem qualquer explicação. Acreditam ou
deixam de acreditar como bem quiserem, e qualquer constrangimento a esses
direitos é inconstitucional.
Segundo, o Estado é laico. Ser laico não significa ser ateu.
Ser laico significa não tomar partido. Não cabe ao Estado defender essa ou
aquela denominação ou agremiação religiosa, e tampouco cabe ao Estado pregar o
ateísmo. Cabe ao Estado defender o direito das pessoas, individualmente,
escolherem (ou não terem de escolher) se e no que acreditarem. Se alguém
resolver acreditar no Coelhinho da Páscoa, cabe ao Estado laico defender tal
direito.
Sobre aqueles que estão exercendo um cargo público são
agentes do Estado. Logo, ele ou ela o representa perante a sociedade e, por
isso, sua liberdade religiosa deve ser ainda mais resguardada enquanto estiver
no exercício de sua função. Não há dúvida que ela pode rezar em casa ou no
templo, independente de qual seja sua profissão. Mas, em sua vida política, ela
é o Estado. E o Estado é laico. Como representante do Estado, ela não deve
preferir (ou proferir) uma religião.
Além dos LGBTs, temos acompanhado o fortalecimento dos
discursos contra indígenas, negros, usuários de drogas, mulheres e outros
difamados. Na sua opinião, estes sujeitos, historicamente subalternizados,
deixarão um dia a condição de sujeitos silenciados e difamados?
Há uma nova movimentação no mundo todo contra os abusos do
capitalismo e do pensamento colonial. Acredito que a luta por direitos ainda
está longe de acabar. Estas novas configurações dos movimentos sociais podem
levar a um recrudescimento das forças conservadoras ou podem levar a outro tipo
de organização social mais efetiva.
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