Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Num momento em que o publicitário aposentado Enio Mainardi
pede “contrarrevolução já” e apela para golpe militar para impedir que uma
aliança formada pelo presidente venezuelano Nicolas Maduro, Lula, Dilma e Fidel
Castro transforme nosso Continente numa “ex-Democracia, comandada por líderes
comunistas”, convém definir o que pode haver de realidade além do folclore
anacrônico e ridículo.
Em 25 minutos imperdíveis, o jornalista Igor Fuser foi a
GloboNews para dar uma aula impecável sobre a realidade venezuelana desde a
chegada de Hugo Chávez ao poder, uma década e meia atrás. Quem não assistiu não
pode perder a oportunidade.
Há mais de uma década que a oposição brasileira procura
semelhanças entre o governo Lula-Dilma e Hugo Chávez. Esses paralelos fazem parte
daquelas fantasias comuns no período da Guerra Fria que continuam reproduzidas
pela turma que não aproveitou a globalização para ler jornais melhores.
Chávez chegou ao poder como um político de formação
revolucionária, com um compromisso favorável a mudanças radicais que nunca
fizeram parte do horizonte de Lula.
A partir de uma perspectiva diferente, Chávez também teve
uma atuação diferente, de quem fazia apostas na mobilização popular para
enfrentar e derrotar a elite de seu país – em vez de procurar o consenso e a
negociação, que sempre foram instrumentos prediletos de Lula. No plano
internacional, o presidente brasileiro teve uma convivência com o presidente
George W Bush que seria considerada inaceitável por Chávez.
O que há de mais parecido nos dois países não são os
governos, mas a postura de suas oposições diante do processo de mudança social
em curso na Venezuela e no Brasil.
Derrotada nas urnas há 15 anos, sem intervalos, a oposição
venezuelana fez diversas tentativas de impedir a consolidação de Hugo Chávez no
poder. Deu um golpe de Estado de 72 horas, no início de 2002. Apesar do apoio
incondicional da Embaixada americana, que usou sua influencia para pedir o
reconhecimento imediato do novo governo, o repúdio internacional – inclusive do
governo Fernando Henrique Cardoso – levou à restauração democrática e permitiu
o retorno de Chávez ao poder.
No final daquele mesmo ano, a oposição ensaiou um segundo
golpe. Paralisou as refinarias de petróleo – responsáveis por 90% das divisas
necessárias a compra de bens de primeira necessidade, inclusive alimentos e
roupas – numa tentativa de sufocar a economia e forçar a queda do governo. Já
eleito novo presidente, Lula teve um papel essencial no desarme da crise.
Anunciou que no primeiro dia da posse a Petrobrás iria enviar um navio de
petróleo em direção a Caracas. Lula também articulou, com presidentes de países
vizinhos, o apoio a convocação de um referendo revocatório, pelo qual Chávez
consultaria a população sobre sua permanência na presidência. Inicialmente
desconfiado, Chávez acabou concordando com a iniciativa. Venceu o referendo sem
dificuldade, ampliando sua base política de apoio.
No episódio seguinte, a oposição apostou na criação de uma
nova crise a partir de uma decisão suicida. Convencidos de que não teriam
chances de obter uma parcela importante das cadeiras na Assembleia Nacional,
seus lideres boicotaram as eleições parlamentares. A ideia era retirar a
legitimidade de toda decisão que saísse do Legislativo para forçar uma nova
paralisia do governo e facilitar novas iniciativas de isolamento internacional.
Mais uma vez, deu errado. Mesmo sem oposição parlamentar, o governo Chávez foi
capaz de agir dentro de um quadro coerente com a relação de forças do país.
Manteve a iniciativa política, aprovou medidas de acordo com seu programa mas
dificilmente será acusado – a sério – de aproveitar-se da retirada de seus
adversários para cometer aventuras políticas. Na prática, era acusado de
monopolizar o poder por uma oposição que fora reduzida, por decisão de sua
única responsabilidade, a um papel de comentar os atos do governo.
O que se vê, na atitude da oposição venezuelana é uma visão
clara e radical da situação política. Não é capaz de aceitar, democraticamente,
um prolongado quadro institucional desfavorável, marcado por sucessivas
derrotas eleitorais que, de uma forma ou de outra, têm resultado em medidas que
a maioria da população aprova. Seu horizonte é o da ruptura e do golpe de
Estado, convencida de que, se fizer sua parte, isto é, demonstrar competência
para produzir a queda de Nicolas Maduro, não lhe faltará o necessário apoio dos
Estados Unidos para consolidar a nova ordem.
Em 2002, com George W Bush na Casa Branca, a política de
combate ao chamado “Eixo do Mal” assegurou um papel ativo de emissários
norte-americanos a Caracas, a tal ponto que muitas posições na embaixada
americana passaram ao controle de veteranos de operações anti-comunistas na
América Central, os contras que atuaram na Nicarágua e El Salvador. Com Barack
Obama, a Casa Branca manteve-se numa posição menos ativa, ainda que, nos
últimos dias, com a evolução da crise em Caracas, tenha feito exigências fora
do tom diplomático aceitável. A presença de aliados de Maduro nos principais
países vizinhos, a começar pelo governo brasileiro, de longe o Estado mais
influente da região, é um elemento poderoso de dissuasão contra um envolvimento
maior dos EUA. A reação firme contra o golpe que derrubou o presidente Lugo, no
Paraguay, tem algo a ver com isso.
Os médicos cubanos se tornaram uma obsessão da oposição
brasileira depois de terem ocupado o mesmo lugar na estratégia da oposição
venezuelana. Cheguei a visitar centros de saúde da periferia de Caracas e
também entrevistei o responsável pela Organização Pan Americana de Saúde, que
possui estatísticas capazes de mostrar o progresso ocorrido nas regiões mais
pobres do país.
Embora a oposição faça questão de desqualificar médicos
cubanos, é difícil negar oferecem aos venezuelanos um cuidado e um tratamento a
que eles jamais tiveram acesso. Ganham muito menos do que os rendimentos
auferidos pelos médicos do país. Mas é justamente por isso que são capazes de
prestar serviços que jamais puderam ser oferecidos aos venezuelanos pobres.
Alguma semelhança com o Mais Médicos?
Com uma dependência histórica das exportações de petróleo,
um mercado interno relativamente pequeno, a Venezuela pagou um preço mais alto
do que o Brasil pela crise internacional iniciada em 2008. O crescimento
econômico caiu, a inflação subiu, o desemprego aumentou. Mas mesmo assim,
Chávez conseguiu se eleger – já doente terminal – e seu sucessor nomeado,
Nicolas Maduro, foi escolhido como novo presidente, numa prova de que a
população resiste na defesa de suas conquistas.
No Brasil, que vive uma situação objetiva mais confortável,
a oposição precisa do pessimismo psicológico como uma política permanente.
Compreende-se. Com índices excelentes de emprego e de contínua distribuição de
renda, é complicado travar uma discussão eleitoral aberta, a partir de argumentos
racionais e propostas objetivas. É necessário alimentar o tumulto, criar a
desesperança, forjar o medo.
Publicitários sabem fazer isso.
Em 1962, Juarez Bahia perdeu o emprego de redator chefe do
Correio da Manhã, então o mais influente jornal brasileiro, quando se recusou a
engajar a publicação numa campanha para obrigar o governo João Goulart a
(advinhou!) romper relações com Cuba.
As mais aplicadas partidários da ruptura, nos meios de
comunicação, eram as filiais das grandes agencias de publicidade
norte-americanas.
Dois anos depois da saída de Juarez Bahia, o Correio fez o
editorial “Basta!”, quando deixou o campo da democracia, onde havia firmado uma
invejável tradição, para apoiar o golpe militar que derrubou Goulart.
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