A última semana (de 24 a 28 de março) terminou com um
factoide político: uma pesquisa Ibope que mostrou queda da aprovação do governo
Dilma Rousseff teria “animado” o mercado financeiro, que fechou essa semana com
a Bolsa de Valores subindo e com as ações da Petrobrás se valorizando.
Vendo esse noticiário na grande mídia experimentei o que
alguns diriam ter sido um déjà vu – termo em francês que simboliza sensação de
já ter vivido uma situação que está sendo experimentada, mas sem lembrança
consciente da experiência.
Contudo, o termo não cabe porque, à exceção de jovens que
passaram a se preocupar com política há apenas uma década, já vivemos essa
experiência de a opinião política “do mercado” ser usada para infundir medo na
população, de modo a induzi-la a votar como esse “mercado” quer.
Há 12 anos, mais precisamente em 22 de junho de 2002, Lula
precisou divulgar uma “Carta aos Brasileiros” para acalmar “o mercado”, pois a
desconfiança dessa entidade então onipotente e onipresente exacerbou um ataque especulativo
contra o Brasil que começara muito antes, ainda durante a campanha eleitoral de
1998, quando o mesmo “mercado” sabia que Fernando Henrique Cardoso quebrara o
Brasil e, mesmo assim, trabalhou por sua reeleição.
O “mercado” nem sempre tem os mesmos interesses que o seu,
leitor. Aliás, diria que raramente os tem. Perigoso mesmo, àquela época, era
reeleger o causador dos problemas que o país enfrentava, mas “o mercado”
preferia eleger o próprio capeta a ver Lula eleito.
Quem quiser ler a “Carta aos Brasileiros, aquele documento
histórico ao qual alguns creditam, erroneamente, o feito de ter permitido que
Lula chegasse ao poder, eis, abaixo, o link de matéria da Folha de São Paulo de
24 de junho de 2002, que o reproduz:
Carta aos Brasileiros.
Foi um erro do PT acreditar que a “Carta aos Brasileiros”
foi decisiva para Lula chegar ao poder. Aliás, foi um erro do próprio Lula. Em
2002, aquela Carta só serviu para a mídia dizer que Lula estava traindo seus
princípios ou que não dava para confiar em sua promessa de não quebrar
contratos, dar calote na dívida externa etc.
Do ponto de vista da economia, apesar de a mídia creditar
todos os problemas em 2002 a paranoia com a eleição de Lula, essa paranoia, que
de fato existiu, apenas agravou uma situação que começou quando o Brasil
quebrou oficialmente em 1999 – extraoficialmente já estava quebrado desde 1997.
Seja como for, em 2002 o medo do “comedor de criancinhas”
Luiz Inácio Lula da Silva elevou o preço do dólar, que já vinha subindo com
força desde 1999, a cerca de 4 reais; aumentou a fuga de capitais; fez a Bolsa se desvalorizar
ainda mais; bloqueou praticamente todas as linhas de crédito internacionais
para o Brasil
Durante a campanha eleitoral para presidente há 12 anos,
quando surgia possibilidade de Lula não se eleger o mercado reagia, o dólar
caia, a Bolsa subia etc. E o inverso ocorria conforme ele subia nas pesquisas.
Faltou, porém, combinar com o povo. Costumo dizer que 2002
foi o ano da libertação do povo brasileiro. Pela primeira vez no
pós-redemocratização esse mesmo povo deu uma banana para a mídia e para “o
mercado” e elegeu Lula com 61,27% dos votos válidos – uma votação acachapante.
Não eleição seguinte, o terrorismo econômico quanto à
vitória do PT na eleição presidencial já não foi tão fácil. Após quatro anos, a
vida do brasileiro vinha melhorando a olhos vistos – a pobreza caia, o desemprego
despencava, os salários subiam, as ações das empresas brasileiras se
valorizavam, os ricos ficavam mais ricos e, milagre dos milagres, os pobres
estavam melhorando de vida.
A questão ética, portanto, foi a grande arma da direita e
dos mercados para derrotar o PT em 2006. O escândalo do mensalão, desde meados
do ano anterior, tornara-se a maior campanha midiática de desmoralização
política da história deste país e a direita midiática já dava a eleição de
Geraldo Alckmin como favas contadas.
Não funcionou muito bem. Lula derrotou Alckmin com
praticamente a mesma votação de 2002. Venceu com 60,83% dos votos válidos.
Mais quatro anos se passaram e nem a questão
econômico-financeira nem a questão “ética” puderam ser usadas. A economia
“bombava” após a mídia fazer terrorismo econômico entre o fim de 2008 e o
começo de 2009, dizendo que o país iria quebrar. Além disso, estava claro que a
população não acreditava mais que o PT inventara a corrupção no Brasil.
Em 2010, o anti Lula/Dilma da vez foi, de novo, José Serra.
Sem terrorismo econômico e sem hipocrisia sobre “ética”, restou atacarem Dilma
com moralismo religioso. As táticas serristas transformaram Dilma em “assassina
de criancinhas” – por supostamente ser favorável ao aborto – e, até, nos porões
da política, em homossexual que teria “uma amante”.
O resultado dessa terceira tentativa de vencer uma eleição
açulando o medo ou o preconceito contra o PT, todos conhecem.
Em 2014, o que veremos será uma reedição de tudo isso junto.
Agora, porém, em vez de um anti Lula disfarçado de anti Dilma, teremos dois:
Aécio Neves e Eduardo Campos. Contarão com terrorismo econômico, com moralismo
anticorrupção, com fanatismo religioso e ainda deve surgir mais alguma coisa…
Dizem que a pesquisa Ibope que mostrou queda da aprovação de
Dilma é fajuta por ter sido feita antes da pesquisa do mesmo instituto que
mostrou que a presidente tem uma enorme vantagem sobre seus adversários em
termos de intenção de votos.
Particularmente, não descartaria jamais essa possibilidade.
Sou um dos que mais puseram em dúvida os institutos de pesquisa que temos no
Brasil, em eleições anteriores. Contudo, não duvido de que alguma queda de
aprovação possa ter ocorrido. O terrorismo econômico parece ter contaminado
alguns setores e a pregação contra a Copa do Mundo tem lá sua eficiência.
Contudo, essas estratégias que possam ter de fato provocado
alguma redução da aprovação de Dilma só funcionam sem contraponto. Por
enquanto, ela não fala, não rebate, e seu governo, para variar, não reage com
uma campanha para, por exemplo, explicar os benefícios da Copa e a verdadeira
situação econômica do país no contexto da maior crise econômica internacional
dos últimos 80 anos.
Mas isso vai terminar. Logo, logo Dilma terá que falar e o
PT terá espaço na televisão para refrescar algumas memórias. Os jovens de até
vinte e poucos anos não têm memória do que era o Brasil até 2002, sob o PSDB. E
muitos não sabem que o PSDB e o PSB estão agindo de comum acordo contra Dilma,
com o apoio da mídia e do mercado financeiro.
Uma reação consistente de Dilma ao responder à altura a
versão midiática terá o condão de colocar os brasileiros diante de uma situação
bem concreta: refletir sobre sua real situação hoje e não sobre os acenos de
desastres futuros que tantas vezes foram anunciados ao longo dos últimos dez
anos e que jamais se concretizaram.
Já foi sobejamente demonstrado que “o mercado” e o moralismo
ético ou religioso não são grandes eleitores. O brasileiro, a partir de 2002,
passou a votar menos com os ouvidos e mais com o cérebro, mensurando a quantas
anda sua vida. Se usar de novo esse critério, não vai ter para ninguém. Dilma
será reeleita.
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