Diante do PiG (*), o Governo não soube se comunicar – do
mesmo autor
Amigo navegante enviou trechos da entrevista que o Nunca
Dantes concedeu a Mino Carta e a Luiz Gonzaga Belluzzo, nesta edição da revista
(que já nos ofereceu a reflexão do Mauricio Dias: “foi Barroso quem desmontou o
Barbosa“):
Carta Capital n˚ 802
Lula em Campanha
Entrevista de Lula a Luiz Gonzaga Belluzzo e Mino Carta
Antes de mais nada, impressiona a paixão. Aos 68 anos, Luiz
Inácio Lula da Silva não perdeu o vigor com que arengava à multidão reunida no
gramado da Vila Euclides no fim dos anos 70. E nos momentos em que sustenta
algo capaz de empolgá-lo, ocorrência frequente, aperta com força metalúrgica o
pulso do entrevistador mais próximo, como se pretendesse transmitir-lhe
fisicamente sua emoção. Assim se deu nesta longa entrevista que o ex-presidente
Lula deu a CartaCapital. No caso de Mino, esta foi mais uma das inúmeras, a começar
pela primeira, em janeiro de 1978.
CC: O senhor enxerga alguma relação entra a Copa do Mundo e
a eleição? Se enxerga, por que e de que maneira?
Lula: Eu acho difícil imaginar que a Copa do Mundo possa ter
qualquer efeito sobre a preferência por este ou aquele candidato. Por outro
lado, se o Brasil perder, acho que teremos um desastre similar àquele de 1950.
Temo uma frustração tremenda, e a gente não sabe com que resultado psicológico
para o povo. Em 50 jogaram o fracasso nas costas do goleiro Barbosa.
CC: Em primeiro lugar o Barbosa.
Lula: O Barbosa carregou por 50 anos a responsabilidade, e
morreu muito pobre, com a fama de ter sido quem derrotou o Brasil. É uma
vergonha jogar a culpa num jogador. Se o Brasil ganha, a campanha passa a
debater o futuro do País e o futebol vai ficar para especialistas como eu.
CC: E as chamadas manifestações?
Lula: Ainda há pouco tempo a gente não esperava que pudessem
acontecer manifestações. E elas aconteceram sem qualquer radicalização inicial,
porque as pessoas reivindicavam saúde padrão Fifa, educação padrão Fifa;
poderiam ter reivindicado saúde padrão Interlagos, quando há corrida, ou padrão
de tênis, Wimbledon, na hora do tênis. Eu acho que isso é até saudável, o povo
elevou seu padrão reivindicatório. E é plenamente aceitável dentro do processo
de consolidação democrático que vive o Brasil. Eu acho que, ao realizar a Copa,
o governo assumiu o compromisso de garantir o bem-estar e a segurança dos
brasileiros e dos torcedores estrangeiros. Quem quiser fazer passeata que faça,
quem quiser levantar faixa, que levante, mas é importante saber que, assim como
alguém tem o direito de protestar, o cidadão que comprou o ingresso e quer ir
ver a Copa tenha a garantia de assistir aos jogos em perfeita paz.
CC: O povo brasileiro amadureceu e nós entendemos que o
resultado da Copa será bem menos importante do que foi em 1950. Mesmo que a
seleção perca, não haverá tragédia. Deste ponto de vista. Efeitos sobre as
eleições podem ocorrer em função das chamadas manifestações.
Lula: Eu tenho certeza de que a presidenta Dilma e os
governos estaduais estão tomando toda a responsabilidade para garantir a ordem.
Com isso podemos ficar tranquilos, é questão de honra para o governo
brasileiro. O que está em jogo é também a imagem do Brasil no exterior. De
qualquer maneira, acho que não vai ter violência, e, se houver será tão
marginal a ponto de ser punida pela própria sociedade. Agora se um sindicato
quer fazer uma faixa “abaixo não sei o quê, 10% de aumento”, é seu direito. Eu
me lembro que disse ao ministro José Eduardo Cardozo, quando começou a se
aventar a possibilidade de uma lei contra os mascarados: “Olha, gente, nem
brincar com lei contra mascarados porque a primeira coisa que iremos prejudicar
vai ser o Carnaval, não os mascarados”. A Constituição e o Código Penal definem
claramente o que é ordem e o que é desordem e, portanto, o governo tem
mecanismos para evitar qualquer abuso. Recomenda-se senso comum. Nesses dias
tentaram até confundir uma frase minha sobre uma linha de metrô até os
estádios. Em 1950, no Maracanã cabiam 200 mil pessoas, mais de duas vezes as
assistências atuais. É verdade, havia menos carros nas ruas, infinitamente
menos carros, mas também não havia metrô.
CC: De todo modo, vale a pena realizar uma Copa?
Lula: Discordo daqueles que defendem a Copa no Brasil
dizendo que vão entrar 30 bilhões, ou que geraremos novos empregos. O problema
não é econômico. A Copa do Mundo vai nos permitir, no maior evento de futebol
do mundo, mostrar a cara do Brasil do jeito que ele é. O encontro de
civilizações, o resultado dessa miscigenação extraordinária entre europeus,
negros e índios que criou o povo brasileiro. Qual é o maior patrimônio que
temos para mostrar? A nossa gente.
CC: Em que medida essas manifestações nascem do fato de que
houve uma ascensão econômica? Aqueles que melhoraram de vida reivindicam mais
saúde, mais educação.
Lula: Eu acho que não há apenas uma explicação para o que
está acontecendo. Precisamos aprender a falar com o povo, para que entenda o
momento histórico. O jovem hoje com 18 anos tinha 6 anos quando ganhei a
primeira eleição, 14 anos quando deixei de ser presidente da República. Se ele
tentar se informar pela televisão, ele é analfabeto político. Se tentar se
informar pela imprensa escrita, com raríssimas exceções, ele também será um
analfabeto político. A tentativa midiática é mostrar tudo pelo negativo. Agora,
se nós tivermos a capacidade de dizer que certamente o pai dele viveu num mundo
pior do que o dele, e se começarmos a mostrar como a mudança se deu, tenho
certeza de que ele vai compreender que ainda falta muito, mas que em 12 anos,
passos adiante foram dados.
CC: O governo não soube se comunicar?
Lula: Eu acho. Eu de vez em quando gosto de falar de
problema histórico, para a gente entender o que de fato aconteceu neste país.
Já disse e repito: Cristóvão Colombo chegou em Santo Domingo, em 1492, e em
1507 ali surgia a primeira faculdade. No Peru, em 1550, na Bolívia, em 1624. O
Brasil ganhou a primeira faculdade com dom João VI, mas a primeira universidade
somente em 1930. Então você compreende o nosso atraso. Qual é o nosso orgulho?
Primeiro, em 100 anos, o Brasil conseguiu chegar a 3 milhões de estudantes em
universidades. Nós, em 12 anos, vamos chegar a 7,5 milhões de estudantes, ou
seja, em 12 anos, nós colocamos mais jovens na universidade do que foi
conseguido em um século. Escolas técnicas. De 1909 até 2002, foram inauguradas
140. Em 12 anos, nós inauguramos 365. Ou seja, duas vezes e meia o número
alcançado em um século. E daí você consegue imaginar o que significa o Reuni ao
elevar o número de alunos por sala de aula, de 12 para 18. Ou o que significa o
Ciências Sem fronteiras, o Fies: 18 universidades federais novas. Pergunta o
que o Fernando Henrique Cardoso fez? Se você pensar em 146 campi novos, chegará
à conclusão de que foi preciso um sem diploma na Presidência da República para
colocar a educação como prioridade neste País. Nós triplicamos o Orçamento da
União para a educação. É pouco? É tão pouco que a presidenta Dilma já aprovou a
lei permitindo 75% dos royalties para a educação. É tão pouco que a Dilma criou
o Ciência Sem Fronteiras para levar 65 mil jovens a estudar no exterior. É tão
pouco que ela criou o Pronatec, que já tem 6 milhões de jovens se preparando
para exercer uma profissão. Isso tudo estimula essa juventude a querer mais.
Tem de querer mais. Quanto mais ela reivindicar, mais a gente se sente na
obrigação de fazer. Quem comia acém passou a comer contrafilé e agora quer
filé. E é bom que seja assim, é bom que as pessoas não se nivelem por baixo. Eu
sempre fui contra a teoria de que é melhor pingar do que secar. Quanto mais o
povo for exigente e reivindicar, forçará o governo a fazer mais. O que é ruim?
A hipocrisia. Nós temos um setor médio da sociedade, que ficou esmagado entre
as conquistas sociais da parte mais pobre da população e os ricos, que ganharam
dinheiro também. A classe média, em vários setores, proporcionalmente ganhou
menos. Toda vez que um pobre ascende um degrau, quem está dez degraus acima
acha que perdeu algumas coisas. A Marilena Chauí tem uma tese que eu acho
correta: um setor da classe média brasileira que às vezes também é
progressista, do ponto de vista social, mas não aprendeu a socializar os
espaços públicos e então fica incomodado.
CC: Nós entendemos que o problema é representado pela elite
brasileira. Quem se empenha contra a igualdade?
Lula: Eu sou o mais crítico do comportamento da elite
brasileira ao longo da história. Este país foi o último a acabar com a
escravidão, foi o último a ser independente. Só foi ter voto da mulher na
Constituição de 34. Tudo por aqui resulta de um acordo, inclusive um acordo
contra a ascensão social. Na Guerra dos Guararapes, quando pretos e índios
quiseram participa, a elite disse “não, não vai entrar, porque depois que
terminar essa guerra vão querer se voltar contra nós”. Esta é a história
política do Brasil. Ocorre, porém, que a ascensão dos pobres levou empresas
brasileiras a ganhar como nunca. Não sou eu quem lembra – em 1912, Ford dizia:
“Quero pagar um bom salário para meus trabalhadores para que eles possam
consumir”. Por exemplo, pobre em shopping dá lucro. Muitas vezes os donos não
aceitam num primeiro momento, mas depois percebem que é bom. Tínhamos 36
milhões de brasileiros viajando de avião, agora temos 112 milhões.
CC: Notáveis avanços são inegáveis. Mas como vai ser daqui
para a frente?
Lula: Eu fazia debates mundo afora, com o Mantega, o
Meirelles, às vezes a Dilma. E eu dizia: esses ministros meus, eles falam de
macroeconomia, mas o que eles não dizem é que essa macroeconomia só deu certo
por causa da minha microeconomia. O que foi a microeconomia? Foi o aumento de
salário, foi a compra de alimentos, a agricultura familiar, foi o
financiamento, foi o crédito consignado, foi o Bolsa Família. Foi essa
microeconomia que deu sustentabilidade à macroeconomia. Na Constituição de 46,
quando o trabalho era o assunto, concluía-se: “Não pode dar 30 dias de férias
para o trabalhador, porque o ócio o prejudica”. Chamavam férias de ócio. Agora,
as pessoas dizem que o Bolsa Família cria um exército de vagabundos. E o
futuro? Numa escada de dez degraus, os pobres só subiram dois, um e meio, ainda
falta muito para subir. Por isso eu tenho orgulho da presidenta Dilma, ela sabe
que muita gente vai se bater contra ela a sustentar que, para controlar a
inflação e fazer o País crescer, é preciso ter um pouco de desemprego, arrocho
no salário mínimo, ou seja, que é preciso fazer o que sempre foi feito neste
País e que não deu certo. Então, o que o governo tem de garantir é o aumento da
poupança interna, mais investimento do Estado, mais junção entre empresa
privada e pública, mais capital externo para investir no setor produtivo. Para
tanto, é indispensável dar continuidade à ascensão dos mais pobres. Porque é
isso que também vai garantir a ascensão do Brasil no mundo desenvolvido, com
alto padrão de qualidade de vida, renda per capita de 20 mil, 30 mil dólares, e
até mais. O Brasil não pode parar agora. Está tudo mais difícil, mas temos
agora o que a gente não tinha há cinco anos, vamos contar com o pré-sal daqui a
pouco.
CC: Temos um agronegócio muito exuberante, muito produtivo e
competitivo: é possível mobilizar essa capacidade para estimular a indústria de
equipamentos agrícolas?
Lula: Nós já temos uma indústria de equipamentos agrícolas
muito boa. Quando na Presidência, cansei de discutir com empresários que feiras
de agronegócio nós precisamos é fazer na Argentina, no México, Nigéria, Angola,
Índia. Temos de mostrar nossa capacidade nos outros mercados. Esta é uma área
na qual o Brasil está pronto, não só porque tem conhecimento tecnológico, mas
também porque tem capacidade de área agricultável, terra, sol e água. Sem a
vergonha de dizer que exportamos commodities. Hoje, a commodity tem preço. O
que nós precisamos é produzir não só o alimento, mas a indústria de alimentos,
não só a soja, mas o óleo de soja.
CC: Permita-nos insistir: como vencer as resistências da
elite, atiçada pela mídia?
Lula: No movimento sindical, em 1969, comecei a negociar com
a Fiesp, certamente a elite era muito mais retrógrada do que hoje. Eu lembro
quando nós constituímos a primeira grande comissão de fábrica na Volkswagen nos
anos 80, nós fomos pedir a Antônio Ermírio de Moraes a criação de uma comissão
de fábricas na sua indústria química de São Miguel Paulista, e significava
trabalhador querendo mandar na empresa dele. Hoje tem uma classe empresarial,
mais jovem, que já compreende a importância da negociação coletiva. Mesmo
assim, permanecem setores retrógrados. Ainda temos coronel que mata gente por
este Brasil afora por briga de terra. Nesses dias a Nissan americana não queria
deixar seu pessoal sindicalizar-se por lá mesmo e eu tive de mandar uma carta
para o presidente da empresa. Mas voltemos à mídia.
CC: A mídia nutre essa elite.
Lula: Eu certamente não sou especialista nesta questão da
mídia e nunca tive muita simpatia dos seus donos. Toda vez que tentei conversar
com eles, cuidei de explicar que ao governo não interessa uma mídia
chapa-branca, como foram no governo Fernando Henrique Cardoso. Eu não quero
isso, não quero que tratem o PT como trataram a turma do Collor nos dois primeiros
anos do seu mandato. Agora, também é inaceitável a falta de respeito com Dilma.
Se querem falar mal, façam-no no editorial do jornal. Na hora da cobertura do
fato, publiquem o fato como ele é. Nunca liguei para o dono de mídia pedindo
para fazer essa ou aquela matéria, mas o respeito há de ter, tanto mais por
parte da comunicação, que é concessão do Estado. Respeito à instituição, e acho
que eles saíram de um momento em que lambiam as botas da ditadura e evoluíram
para o pensamento único a favor de FHC, e contra o meu governo e contra o da
Dilma, e contra a presidenta com agressividade ainda maior.
(*) Em nenhuma democracia séria do mundo, jornais
conservadores, de baixa qualidade técnica e até sensacionalistas, e uma única
rede de televisão têm a importância que têm no Brasil. Eles se transformaram
num partido político – o PiG, Partido da Imprensa Golpista.
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