Por Pedrinho Guareschi, no Observatório da Imprensa:
Os que se interessam por uma comunicação democrática, ética
e decente não podem ficar calados diante das arbitrariedades e prepotências de
ao menos um (o maior) conglomerado da mídia com respeito a sua feroz campanha
política, principalmente com referência aos presidenciáveis.
A campanha já está em pleno andamento. Só os ingênuos não se
deram conta. A TV Globo já se antecipou, inteligentemente, em promover um
debate antes do horário político. A importância das “entrevistas” é que no
horário eleitoral quem coordena o programa são os partidos. Na propaganda da
Globo, os senhores da Globo. Eles selecionam o tema a ser discutido, colocam a
matéria conforme seus interesses – principalmente as “perguntas” – e delimitam
o tempo que cada um pode falar. Além disso, os programas de TV aberta, como o
Jornal Nacional, têm uma audiência certa, tradicional, costumeira, quase que
uma audiência cativa. Ao passo que ao programa eleitoral assiste quem quer e, devido
à propaganda negativa feita pela própria mídia, muitos telespectadores se
abstêm.
Não vamos comentar aqui as notícias veiculadas pela “grande
mídia” em seus noticiários cotidianos. Sobre isso é ilustrativo conferir o
trabalho do “Manchetômetro”, organizado pelos estudiosos da UFRJ.
Os pressupostos da entrevista
Na análise da mídia, o primeiro cuidado consiste em
identificar os pressupostos subjacentes aos programas. E o principal deles é o
poder autoatribuído dos entrevistadores não apenas sobre os candidatos, mas
sobre qualquer cidadão brasileiro. Eles são a “consciência ética” do Brasil.
Eles conhecem tudo, sabem das coisas. William Bonner (certamente orientado por
alguém) e sua ajudante de ordens, humilde e submissa, é o inquisidor-mor do
espetáculo. O pressuposto é que eles conhecem tudo sobre o tema e mais: têm o
direito de se colocar como juízes dos supostos candidatos.
Lembro-me de uma afirmação inteligente e arguta do sociólogo
Herbert de Souza, o nosso querido Betinho. Ele dizia que só acreditava em
democracia no Brasil quando o presidente da Rede Globo fosse escolhido por
eleição direta. E estava coberto de razão, pois o que nossos grandes
conglomerados televisivos possuem é um poder autoatribuído. Pela Constituição,
eles não são “donos” dos meios eletrônicos, mas possuem uma concessão
temporária (TVs 15 anos e emissoras de rádio 10) para cumprir uma tarefa
específica. E essa tarefa está clara no artigo 211 da Constituição, onde estão
os princípios que devem orientar a comunicação eletrônica. E o primeiro, é que
deve ser educativa. E educar não é dar respostas, dizer como as coisas são e
devem ser, mas fazer a pergunta, estabelecer o diálogo, fazer o povo pensar.
Poderíamos perguntar: que poder é esse? Enquanto, sabemos, todo o poder vem do
povo. Então, quem conferiu esse poder aos interrogadores da Globo?
Confiram agora o estilo dos inquisidores. Eles se comportam
como se fossem donos do meio, senhores da situação. As “perguntas” são
declarações peremptórias de como as coisas aconteceram, concluindo com um ponto
final: assim foi o fato. E então a pergunta: diante disso (que nós dissemos
como foi, ou é, e que é indiscutível), o que você tem a dizer?
As armadilhas preparadas
É ilustrativo fazer uma análise crítica de algumas
estratégias empregadas pelos locutores para conseguir seus intentos não
revelados. Duas mais interessantes:
1. Bonner traz à baila o “mensalão” dizendo que o partido de
Dilma Rousseff tinha pessoas “comprovadamente corruptas”, condenadas pela “mais
alta corte do Judiciário”. Afirma que o partido tratou esses condenados como
guerreiros, vítimas da injustiça. E pergunta se isso não é ser condescendente
com a corrupção.
A armadilha estava pronta: se dissesse “sim”, ela estaria
condenando seus companheiros. Se dissesse “não”, estaria se colocando contra o
Supremo. Imaginem as manchetes do dia seguinte, capitaneadas pela Globo.
Surpreendentemente, a candidata vai direto ao ponto, desarmando a arapuca. Dá
até a impressão de que a presidenta está fugindo do tema. Mas não. Ela quer
desmascarar a arapuca. Bonner insiste e Dilma não se submete, apesar das mais
de 10 interrupções de Bonner. Então entra a parceira: “Presidente, corrupção
não é o único problema, há também o da saúde...”, ao menos para dizer que há
corrupção.
2. Outra arapuca foi a tentativa de colocar Dilma contra os
partidos. Bonner cita todos os ministérios em que ministros de partidos que
fazem parte do governo deixaram o cargo, para dizer que Dilma se cercou de
pessoas corruptas. Quando mudava um ministro, colocava outro do mesmo partido,
“trocava seis por meia dúzia”. A intenção era de indispor a presidenta com os
partidos. O pressuposto, tácito, era de que Dilma e corrupção andam juntas.
O clima criado e alimentado pela Globo não é de quem quer
mesmo um debate sério, honesto, respeitoso. Tudo bem que se questionem os
candidatos de maneira incisiva e crítica. Mas não são necessárias agressões e
dedos em riste. Os apresentadores se mostram como arautos da ética e da
honestidade, com uma postura de arrogância e prepotência inquisitoriais,
salvadores da humanidade.
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