Por Kiko Nogueira, no blog Diário do Centro do Mundo:
O fim do ano é o momento em que nos lembramos do messias JC,
mas é impossível deixar de lado os malas sem alça que possuem o complexo de
messias. O ano de 2014 foi pródigo em megalomaníacos com fórmulas infalíveis
para a salvação do Brasil e, em última análise, do universo.
Alguns tentaram nos livrar de uma ditadura comunista, outros
ameaçaram seus discípulos se não seguissem seu voto - em comum, todos incapazes
de admitir qualquer erro e eternamente tentando encaixar os fatos em sua visão
de mundo. O tipo de gente que estraga qualquer festa de réveillon.
Lobão
O velho cantor já vinha há alguns anos num ritmo pesado e
intenso de paranoia, trocando Herbert Viana pelo PT em sua doideira. Na
sequencia da eleição de Dilma, adotou uma longa barba de profeta, copiada do
bispo Edir Macedo, e resolveu incorporar o papel de líder revolucionário. Ficou
chateado quando tomou um cano de Aécio numa manifestação com 15 pessoas, rompeu
com outros colegas de extrema direita, foi até o Congresso com aloprados. Junto
com seu guru Olavo de Carvalho e o brucutu Marcello Reis, do grupo Revoltados
Online, alertou os brasileiros sobre o socialismo. Sua grande vitória política
foi tomar um café com Marco Feliciano.
Gilmar Mendes
O ministro do STF é o Palpiteiro Oficial da República.
Denunciou o perigo do Supremo se converter “numa corte bolivariana”, disse que
Lula não passaria no teste do bafômetro, suspeitou de lavagem de dinheiro nas
doações para pagar as multas de petistas condenados no mensalão, culpou Dilma
pelas suspeitas de fraude nas eleições etc etc. Com exceção, talvez, do
futebol, não houve assunto em que Gilmar não tenha emprestado um átimo de sua
sabedoria. “Os fatos são chocantes. Há uma cleptocracia instalada”, diz ele.
Dependendo do ângulo, Gilmar dá saudade de Joaquim Barbosa.
Joaquim Barbosa
JB saiu da história para cair na vida, mas não deixa o posto
de Batman nem sob decreto. Ninguém mais se importa com o menino pobre que mudou
o Brasil, mas no Twitter ele continua trovejando. Entre uma saída e outra para
ir ao teatro com a atriz Antônia Fontenelle — ninguém é de ferro — , JB dita os
rumos da nação, eventualmente em inglês e francês. “The ousting of a congressman by his peers for
his involvement in this disgusting scheme. A new check for the Brazilian
political system?”, mandou. “Min Público é órgão de contenção do poder
político. Existe para controlar-lhe os desvios, investigá-lo, não p
assessorá-lo. Du jamais vu!”. “Du jamais vu” é sua releitura pedante do bordão
lulista “nunca antes” etc. Dependendo do ângulo, Barbosa dá saudade de Gilmar
Mendes.
Silas Malafaia
O pastor mais sem noção da América Latina gritou suas
excentricidades ao longo do ano, guiando seu povo contra o PT. Mostrou-se um pé
frio. Primeiro apoiou Marina Silva, evangélica como ele. Quando Marina beijou a
lona, inclusive por causa de seu apoio, pulou para o barco de Aécio. Quando se
trata de Malafaia, tudo assume ares de histeria e convocação divina. Conclamou
seus fieis para “tuitaços” que micaram, ameaçou com o fogo do inferno os que
votassem em Dilma, mentiu, ofendeu - e perdeu. Malafaia deu voz à estupidez da
extrema direita religiosa.
Marina Silva
Ela surgiu do útero da floresta com a promessa da nova
política, batendo na polarização PT-PSDB, se vendendo como uma opção nem de
esquerda e nem de direita. Sua candidatura tomou um direto no queixo com quatro
tuítes de Malafaia, para sucumbir de vez diante de suas próprias contradições.
O fanatismo religioso fez com que utilizasse o velho messias (no caso, Jesus
Cristo) para justificar seus problemas, como o da falta de clareza. Segundo
ela, Jesus “tergiversava”. Devemos a Marina a popularização do termo
“desconstrução”, usado por ela para explicar a tática de seus adversários e
hoje aplicado até mesmo em receitas de risoto de frango.
Felipão
O ex-técnico da seleção jamais assumiu qualquer erro na
condução da seleção brasileira. Jogadores choravam antes de bater o escanteio,
mas o time não tinha problema de desequilíbrio emocional. Neymar se machuca, os
atletas têm um chilique, mas e daí? Até acontecer o inolvidável 7 a 1 diante da
Alemanha e, na partida seguinte da Copa, os 3 a 0 para a Holanda. Na coletiva,
a casa já em escombros, Felipão deu declarações como “desde 2002 não chegávamos
às semifinais”, “disputei três Copas do Mundo e fiquei entre os quatro em
todas”, “não jogamos mal” e “tivemos momentos muito bons”. Felipão foi visto no
Grêmio.
O juiz da Lei Seca
Uma agente da Lei Seca dirimiu uma dúvida ancestral: se
juízes achavam, mesmo, que eram Deus. Ela cumpriu sua função ao tentar multar o
juiz João Carlos de Souza Correa, que dirigia um Land Rover preto sem placa e
estava sem a carteira de habilitação no momento da abordagem. (Depois se
descobriu que Correa, titular da 1ª Vara de Búzios, é protagonista de uma
coleção de imbróglios jurídicos). Mas o doutor Correa não precisa cumprir a lei
porque, afinal, está acima de você. “Imagina eu, que faço Justiça, sendo
injustiçado. Ela disse: ‘Ele é juiz, não é Deus’. Foi desacato”, afirmou.
Fernão Lara Mesquita e os editoriais do Estadão
Ninguém lê, mas os editoriais do Estadão e os artigos de um
dos herdeiros são como uma máquina do tempo em direção ao nada. A missão de
resguardar os valores liberais se transforma numa necessidade doentia de
orientar seus pobres leitores no sentido de se precaverem diante de qualquer
coisa que cheire a bolivarianismo, seja lá o que isso quer dizer. Isso inclui
dar conselhos para os EUA sobre como conduzir a reaproximação com Cuba. Fernão
Lara Mesquita - fotografado num protesto com um cartaz com os dizeres “Foda-se
a Venezuela” - mantém a tradição batendo no inimigo morto da família: Getúlio
Vargas. No dia 25 último, escreveu que Getúlio “veio para combater a corrupção,
impôs o fascismo como instrumento do desenvolvimento e encarregou o Estado, com
o Trabalho e o Capital a reboque, de promovê-lo”.
Edir Macedo
O dono da Universal inaugurou o Templo de Salomão no Brás,
em São Paulo, uma atualização brega do santuário arrasado pelos romanos na
Antiguidade. Com uma barba de profeta, copiada de Lobão, e um novo cerimonial
inspirado em ritos do judaísmo, com direito a quipá e solidéu, Edir levou
Dilma, Alckmin e outros políticos à abertura de sua obra máxima, numa prova de
seu poder e prestígio terrenos. Edir vive garantindo a volta de Jesus, mas
Jesus provavelmente olha para ele e pensa que é melhor ficar de boa onde está.
Arnaldo Jabor
Jabor começou a pirar no ano passado, ao mudar de opinião
sobre as manifestações em 48 horas. Perdeu o posto de comentarista no Jornal da
Globo, mas continua dando conselhos e advertências importantes no rádio e em
jornais. O tom apocalíptico cresceu e hoje tem-se a nítida impressão de que o
cineasta está trancado numa quitinete no Leblon, com as persianas
permanentemente fechadas e um chimpanzé de estimação chamado Igor para
servi-lo. Suas memórias andam cada vez mais estranhas. “Um dia, um companheiro
(que morreu há pouco) me disse: ‘Não tema a morte. Marx disse que somos seres
sociais. O indivíduo é uma ilusão. Para o comunista a morte não existe’. E eu
sonhei com a vida eterna”. A reeleição de Dilma aconteceu apesar de seus
alertas. “Tudo vai explodir em 2015, o ano da verdade feia de ver”, disse. “Essas
são algumas das doenças mentais que estão levando o Brasil para um pântano
institucional. Temos que nos salvar desse determinismo suicida”. Deus é pai.
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