Foto: Ricardo Stuckert |
Por Jaime Sautchuk, no site Vermelho:
No regime militar, quando o general-presidente Ernesto Geisel anunciou que iria fazer “abertura lenta, gradual e segura”, ele queria dizer que poderia haver democracia, mas não tanto. Era preciso evitar, por exemplo, que lideranças democráticas ressurgissem com força. A lupa estava em Juscelino Kubitschek, que passou a ser ainda mais cercado, até sua morte, em agosto de 1976.
Aliás, veio em bom momento a coluna “Quem Matou JK?”, de Urariano Mota, aqui no Vermelho, sobre o assassinato do ex-presidente Juscelino Kubitschek. É um relevante aspecto da história recente do Brasil, que merece ser lembrado pela sua própria relevância e pela coincidência com o momento atual.
É impressionante como o sentido estratégico do cerco feito a JK se parece com o que se faz agora a Lula. Resguardadas algumas diferenças, porque os militares faziam e aconteciam sem dar muita satisfação a ninguém. Agora não, tem a contribuição de setores logísticos do Judiciário que cumprem bem o papel. Mas o objetivo é o mesmo: se não podem matar, querem aleijar.
A propósito, fui buscar na estante o livro “O Essencial de JK”, de Ronaldo Costa Couto (Editora Planeta, São Paulo, 2013), em que ele detalha o dramático processo. A começar por uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL), algo insignificante em tempos normais, mas que à época jogaria o nome de JK na mídia, ganharia evidência.
Vale lembrar que, além de historiador, Costa Couto foi bem enfronhado no meio político. Foi um dos coordenadores da campanha de JK e muito ligado ao ex-primeiro-ministro Tancredo Neves.
Citando fontes, ele diz que o general Golbery do Couto e Silva, mandachuva do gabinete de Geisel, se ocupou pessoalmente da derrota de JK e colocou outros ministros em campo, inclusive o da Educação e Cultura (MEC), Ney Braga. Com um detalhe: dependia do MEC a liberação de uma baita grana pra construção da sede da ABL e Braga ameaçou não liberá-la.
Em geral, não há disputa nos ingressos na academia, mas pra o azar de JK, naquela ocasião havia dois inscritos e o concorrente era o escritor Bernardo Élis. Mas Braga ligou até a Jorge Amado e outros membros que eram francamente a favor de JK. Em seu livro, Costa
Couto publica trechos do diário que JK fazia, em que o ex-presidente escreveu, no dia 2 de setembro de 1975:
“Josué Montello contou que o Ney Braga telefonou-lhe de Brasília pedindo que se mantenha neutro no pleito da Academia.”
JK e Bernardo souberam do resultado (apertado) por telefonemas. JK estava na casa de sua filha Maria Estela e desligou o fone, pediu a ela que colocasse uma música no toca-discos e a chamou pra dançar.
Contudo, no mesmo dia, ele deixaria registrado em seu diário o seu real sentimento:
“Estou pulverizado por dentro. Pus muita fé na minha eleição. Desejava-a ardentemente, o prestígio que compensasse os imensos dissabores de 1964... Nunca imaginei que uma derrota pudesse me ferir tanto.”
Assassinato
No início da noite do dia 7 de agosto de 1976 (15 dias antes da sua morte), começou a chegar amigos à Fazendinha JK, em Luziânia (GO), onde o ex-presidente se refugiava e não tinha telefone. Mas, pra surpresa e alegria geral ele estava são e salvo, vivinho da silva. É que os visitantes haviam ouvido no rádio que ele havia morrido em acidente de carro ali, no interior de Goiás.
Embora recolhido, JK era a maior ameaça à vista. E tinha gente vazando coisas, cantando a pedra.
Dias depois, 20 de agosto, ele foi de avião de Brasília a São Paulo, onde se hospedou na Casa da Manchete, com o amigo Adolpho Bloch, pra no dia seguinte fazer palestra no Clube Nacional e participar de um jantar com lideranças político-econômicas, entre as quais ex-governadores de vários estados.
Na manhã seguinte, tomou café na Manchete e, de lá, foi com Adhemar de Barros Filho à casa deste, pra rever afilhados em visita rápida, mas acabou seduzido pelo cheiro da macarronada e ficou pro almoço.
Tinha no bolso a passagem de volta a Brasília naquele dia, mas, de modo bastante confidencial, iria mudar os planos, em combinação com dona Sarah e o motorista carioca Geraldo Ribeiro. Iria de carro ao Rio de Janeiro, onde teria compromissos particulares.
Tudo correu bem em solo paulistano e até o km 165 da Via Dutra, na altura de Resende (RJ). Ali, o Chevrolet Opala 1970, cinza-metálico, de Geraldo, com JK no banco de carona, se desgovernou e foi pra pista contrária. Colhido de frente pela carreta Scania-Vabis placa ZR-
0938 (Orleans-SC), virou um amontado de ferros, com os corpos de JK e Geraldo no meio.
O ex-presidente morreu no ato, mas o motorista Geraldo apagou antes de perder o controle do carro. A perícia da Polícia Rodoviária dizia que o Opala teria sido abalroado por trás pelo ônibus prefixo 3148, da Viação Cometa, que ia no mesmo sentido. Porém, seu condutor Josias Nunes de Oliveira sempre negou qualquer batida -- ele diz que viu o acidente à frente e parou pra dar socorro, fato confirmado duas vezes pela Justiça local
- “Se eu fosse fraco, teria feito bobagem. É duro pagar sem dever.”, disse Josias em entrevista publicada por Costa Couto em seu livro.
O fato é que uma informação de que havia uma marca de bala na testa do motorista nunca foi confirmada. De todo jeito, no momento atual, muita gente, inclusive de escala superior do Judiciário, vem de novo cantando a pedra, mas agora sobre o que irá ocorrer com o ex-presidente Lula. Os personagens mudam, mas os interesses são os mesmos do golpe de 1964 e da ditadura militar.
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