História viva: tempo da ditadura
Memorando de 1974 descreve "decisão de Geisel de continuar com
execuções sumárias". General relata que cerca de 104 pessoas foram
"executadas sumariamente" em um ano
Rodolfo Borges/El País
"Assunto: 'Decisão do presidente brasileiro, Ernesto Geisel, de continuar com as execuções sumárias de subversivos perigosos, sob certas condições", diz um memorando de 11 de abril de 1974 enviado pelo diretor da CIA, a agência de inteligência norte-americana, para o então secretário de Estado Henry Kissinger. O documento, revelado pelo Bureau of Public Affairs do Departam ento de Estado dos Estados Unidos, expõe que a cúpula do Governo militar brasileiro (1964-1985) sabia sobre as ações de exceção tomadas contra adversários do regime.
"Este é o documento secreto mais
perturbador que já li em vinte anos de pesquisa", descreveu o pesquisador
Matias Spektor, coordenador do Centro de Relações Internacionais da Fundação
Getúlio Vargas. Spektor chamou atenção nesta quinta-feira para
relatos disponibilizados pelo Governo norte-americano. O relatório começa
descrevendo encontro de 30 de março de 1974 entre o então presidente Ernesto
Geisel, o general Milton Tavares de Souza e o general Confúcio Danton de Paula
Avelino, "respectivamente o ex-chefe e o novo chefe do Centro de
Inteligência do Exército (CIE)", na descrição do próprio relatório.
"Também estava presente o general João Baptista Figueiredo, chefe do
Serviço Nacional de Informações (SNI)" e futuro presidente do país.
Segundo Spektor, o relato foi tornado público em 2015 e faz parte da política
regular de abertura de fonte primária do Departamento de Estado. O relatório
registra que o general Milton foi quem mais falou na mencionada reunião.
"Descreveu o trabalho do CIE contra a subversão interna durante a
administração do ex-presidente Emílio Garrastazu Médici. Ele enfatizou que
o Brasil não pode ignorar a ameaça subversiva e terrorista, e afirmou que
métodos extralegais deveriam continuar a ser empregados contra subversivos
perigosos", diz o documento antes de chegar em seu trecho mais dramático:
"Nesse sentido, o g eneral Milton relatou que cerca de 104 pessoas, nessa
categoria, haviam sido executadas sumariamente pelo CIE durante o último ano,
ou pouco mais de um ano. Figueiredo apoiou essa política e defendeu sua
continuidade".
Ainda segundo o relatório, que pode
ser acessado pelo site do Departamento de Estado, "o presidente
[Geisel], que comentou a seriedade e aspectos potencialmente prejudiciais dessa
política, disse que queria refletir sobre o assunto durante o fim de semana,
antes de tomar qualquer decisão sobre a sua continuidade". No dia 1º de
abril, Geisel "informou ao general Figueiredo que a política deveria
continuar, mas que extremo cuidado deveria ser tomado para assegurar que apenas
subversivos perigosos fossem executados".
"O presidente e o general
Figueiredo concordaram que, quando o CIE detivesse uma pessoa que poderia ser
enquadrado nessa categoria, o chefe do CIE deveria consultar o general
Figueiredo, cuja aprovação deveria ser dada antes que a pessoa fosse
executada", segue o relatório, cuja última mensagem disponível diz que
"o presidente e o general Figueiredo também concordaram que o CIE deve
dedicar-se quase exclusivamente a combater a subversão interna, e que a atuação
do CIE, em geral, deve ser coordenada pela general Figueiredo". Apesar de
o sigilo do documento ter caído, dois parágrafos que somam no total 19 linhas
foram mantidos em segredo.
Para Spektor, que topou com o
registro enquanto pesquisava outros assuntos, o memorando é "prova do
envolvimento do regime militar na política de execuções sumárias de inimigos do
regime". Ela se soma a evidências já existentes, como a gravação revelada
pelo jornalista Elio Gaspari em que Geisel dá luz verde para a repressão à
guerrilha no Araguaia e o depoimento em que um general francês descreveu a uma
historiadora a ocasião em que Figueiredo o levou para acompanhar uma sessão de
tortura. Segundo o pesquisador, "o relato mostra a importância de as
autoridades brasileiras também abrirem os seus arquivos".
As
dores do parto da História https://bit.ly/3Ye45TD
Postado por Luciano Siqueira às 17:20 Nenhum
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