O Papa Bento XVI abandona o barco em meio a sérios problemas
financeiros. A investigação por lavagem de dinheiro do Banco do Vaticano, as
indenizações pelos escândalos sexuais e o número decrescente de fieis e doações
são alguns dos problemas que o próximo pontífice herdará. Ninguém sabe
exatamente quanto gasta a Igreja Católica em nível mundial, mas segundo uma
investigação da revista inglesa The Economist, publicada no ano passado com
base em dados de 2010, a cifra rondaria os 170 bilhões de dólares.
Em um livro sobre as finanças secretas da Igreja Católica, o
jornalista Jason Berry, que investigou o tema nos últimos 25 anos, afirma que a
estrutura financeira da igreja é “caótica” e “opaca”. Em entrevista à Carta
Maior, Berry falou das dificuldades econômicas do Vaticano que, para ele,
remetem à guerra fria e à massiva injeção de dinheiro da CIA no Vaticano para
neutralizar a ameaça do Partido Comunista Italiano, então o mais poderoso da
Europa ocidental.
Como é a estrutura financeira da Igreja Católica em nível
mundial?
A Igreja Católica é muito hierárquica, monárquica eu diria,
com o Papa como líder e dioceses dirigidas por arcebispos e bispos em todo o
globo. Mas, em virtude de seu próprio tamanho, é internamente caótica e
ingovernável. Cada bispo trabalha em sua diocese como se estivesse comandando
um principado.
O que sabemos de concreto sobre a riqueza do Vaticano?
Há uma absoluta opacidade nas contas. Quando o vaticano
declara suas rendas e gastos anuais não inclui o Instituto para as Obras de Religião,
o IOR, mais popularmente conhecido como o Banco do Vaticano, cujos fundos são
estimados em cerca de 2 bilhões de dólares. O IOR tem sido administrado em um
clima de absoluta falta de transparência, o que o converteu em um veículo
perfeito para o trânsito de todo tipo de fundos. Mas agora, com a investigação
do Banco Central da Itália sobre lavagem de dinheiro, isso está mudando.
Segundo algumas informações, o Vaticano tem interesses em
uma empresa de espaguete, no setor financeiro, aviação, propriedades e uma
companhia cinematográfica. Diz-se, inclusive, que controla entre 7 e 10% da
economia italiana. Mas, dada a opacidade de suas contas, até onde é possível
confirmar essas informações?
Há informação disponível a instituições que nos permite saber
onde está o dinheiro do Vaticano. Na Itália, o Vaticano investiu muito no Banco
de Roma, que foi fundamental na reconstrução da Itália depois do “Risorgimento”
no século XIX. Também tem negócios na área dos transportes públicos. A isso
deve-se somar propriedades na própria Itália, na Europa e nos Estados Unidos. O
Vaticano chegou a ser um dos proprietários do edifício Watergate, do famoso
escândalo que provocou a renúncia de Richard Nixon. O grande tema hoje em dia é
averiguar até onde prestou serviços a clientes que o utilizam como um banco
“off shore”.
Que impacto econômico os escândalos sexuais tiveram nas
finanças da igreja?
Nos Estados Unidos esse impacto foi muito forte. As dioceses
e ordens religiosas pagaram mais de dois bilhões de dólares. Em muitas cidades
tiveram que fechar igrejas. Los Angeles, Chicago e Boston, três das mais
importantes arquidioceses, tiveram um rombo médio de 90 milhões de dólares em
seus fundos de pensão.
Em seu livro “Vows of Silence” você fala do fundador dos
Legionários de Cristo, o mexicano Marcial Maciel que chegou a controlar um
império de 650 milhões de dólares e contou com a proteção do Papa João Paulo
II, apesar das denúncias de abusos sexuais. Maciel teve fortes vínculos com o
governo de Pinochet no Chile e com os governos da América Central. Há alguma
figura equivalente na igreja de hoje?
Maciel foi o mais bem sucedido coletor que a igreja teve.
Começou no final dos anos 40 buscando apoio de milionários católicos no México,
Venezuela e Espanha durante a perseguição dos padres no México e pouco depois
da guerra civil espanhola. Com este dinheiro, Maciel formou sua própria base de
poder em Roma e se converteu no porta-voz do setor mais conservador e militante
da igreja. Assim como fez com Franco, se vinculou muito com Pinochet no Chile.
Nos Estados Unidos o próprio diretor da CIA durante os anos Reagan, William
Casey, fez uma doação de centenas de milhares de dólares aos legionários.
Maciel comportava-se como um político que viajava pelo mundo arrecadando fundos
para fazer avançar a causa do catolicismo conservador e a agenda política
conservadora. Mas a verdade era que toda sua ideologia encobria um delinquente
sexual com poderosos contatos.
Apesar de ter sido acusado de abusar de seminaristas, o
Vaticano não o investigou até 2004, a pedido do cardeal Ratzinger, quando João
Paulo II estava morrendo. Graças a isso sabemos que teve filhos com duas
mulheres no México e que manteve ambos os lares com dinheiro da Legião de
Cristo. O escândalo é que o Vaticano demorou tanto para investigá-lo e deixou
que ele se transformasse em um Frankenstein. Não há hoje uma figura equivalente
no que diz respeito à arrecadação de fundos.
Há uma longa história de escândalos nas finanças do
Vaticano. Nos anos 80 houve o escândalo do Banco Ambrosiano e seu presidente,
Roberto Calvi, que apareceu enforcado debaixo da ponte de Blackfriars em
Londres. Calvi tinha fortes vínculos com o então presidente do Banco do
Vaticano, o arcebispo estadunidense Paul Marcinkus. Há uma continuidade entre
esses escândalos e os atuais problemas do banco?
Creio que na realidade é preciso retroagir à Segunda Guerra
Mundial quando a CIA começou a transferir grandes somas para o Banco do
Vaticano. Em 1948, foi a primeira eleição na qual o Partido Comunista italiano,
convertido no mais importante da Europa, buscava o poder. Neste momento houve
uma grande campanha nos Estados Unidos, patrocinada pelo governo, da qual participou
Frank Sinatra, para financiar a democracia cristã. Este foi o começo da
história do dinheiro que círculos dos serviços de inteligência estadunidenses
para o Vaticano. Uma geração depois, com Roberto Calvi e Marcinkus, o banco
havia se convertido em uma via muito lucrativa para a passagem de dinheiro. No
final dos anos 80, o banco teve que pagar uma multa de 250 milhões de dólares.
Já ali o banco funcionava como uma “off shore” para seus clientes
privilegiados. Mas ainda falta muito por documentar sobre essa história.
* Tradução de Marco Aurélio Weissheimer
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