Terá Dilma clarividência e competência para explicar à
sociedade o que ela precisa entender para o país seguir avançando?
O Conversa Afiada reproduz artigo do Edu, do Blog da
Cidadania:
Um discurso para o PT em 2014
Finalmente chegamos à encruzilhada que se podia vislumbrar
lá atrás, quando o Partido dos Trabalhadores chegava ao poder e, a partir de
concessões que passara a fazer aos “mercados” e à direita, despertava nos
setores partidários mais ideológicos o temor de que a legenda terminaria por
trair os ideais que lhe ensejaram a criação.
Apesar da construção de um certo senso comum nesse sentido,
discordo de que tal tenha ocorrido. As concessões foram necessárias. O Brasil
que Lula passou a governar a partir de 2003 era prisioneiro de uma fragilidade
externa que tornaria um rotundo fracasso um governo hostil aos tais “mercados”.
Naquele 2003, o PT não poderia declarar moratória da dívida
externa, atacar os lucros de um setor bancário em frangalhos, impor aumentos
salariais que um empresariado descrente, assustado e descapitalizado não
poderia suportar.
A Globalização tornara-se uma realidade. O capitalismo
“derrotara” o socialismo e, agora, era preciso sobreviver na nova realidade que
se impunha ao mundo ou deflagrar um processo de derrubada do novo governo
trabalhista, provavelmente com o concurso dos militares, que olhavam com lupa a
nova experiência político-administrativa que se inaugurava.
O capitalismo social de Lula foi um estrondoso sucesso.
Usando as ferramentas de um modelo que dominara o mundo, respeitando as regras
do jogo, logrou romper amarras que nada tinham que ver com o capitalismo, como
uma espécie de obrigatoriedade de manter relações comerciais preferenciais com
os Estados Unidos.
Ora, nunca existiu, no manual capitalista, a obrigatoriedade
de uma economia priorizar relações comerciais com a potência hegemônica. Lula,
pois, fez um governo capitalista, mas independente da Europa e dos Estados
Unidos.
Por tal ousadia, Lula pagou – e ainda paga – um preço alto.
No entanto, hoje, enquanto o mundo rico se debate em agonia, com os povos
desses países perdendo qualidade de vida, mergulhando no desemprego e na
convulsão social, países latino-americanos como o Brasil, que abandonaram o
barco primeiro-mundista, distanciam-se do caos.
“Mascate” do capitalismo verde-amarelo, o ex-presidente
operou esse milagre peregrinando pelo mundo nas asas de uma premissa envolta em
inquestionável sentido: os dólares asiáticos, africanos, do Oriente Médio ou de
qualquer parte eram e continuam sendo tão verdes quanto os dos americanos e
europeus.
Nesse interim, a governança do país enveredava pelo
capitalismo ao fortalecer o sistema bancário, garantindo o direito de
propriedade, sendo ponderada em demandas salariais respeitadoras das
possibilidades das empresas – que mal se recuperavam da hecatombe tucana que
vigeu entre 1997 e 2002.
Ao mesmo tempo, Lula erigiria um sistema de proteção social
verdadeiro, em lugar do arremedo de políticas sociais da era tucana que se
baseava em ideias corretas, mas nas quais o governo não investia de verdade.
Com programas sociais verdadeiros e política econômica
capitalista, mas não entreguista, o país floresceu. Tornou-se uma economia
dinâmica, respeitada, com uma confiança internacional que se traduz pelo grau
de investimento que lhe foi concedido pelas agências de classificação de risco,
que cresceu o dobro do que crescera na era tucana e com metade da inflação
média daquele período, sem falar nos avanços sociais mensuráveis e
representativos, em proporção adequada ao tamanho da iniquidade social vigente.
Hoje, o Brasil é uma economia sólida, diversificada, que
caminha para o meio trilhão de dólares de reservas cambiais, com inflação sob
controle – apesar dos picos –, com uma revolução social em curso e com pobreza
e desigualdade caindo a olhos vistos ano após ano.
O Brasil de 2013, pois, tanto no aspecto econômico quanto no
social pouco lembra o de dez anos antes. Não padece mais das mesmas
fragilidades econômicas e, ao invés de concentrar renda, distribui. Para
avançar mais a partir de agora, no entanto, terá que contrariar cada vez mais
os caprichos do mercado e das elites.
Contudo, sempre há que deixar claro que não se prega, aqui,
uma revolução socialista com violação ao direito de propriedade ou a quaisquer
outros valores “sagrados” do capitalismo; o que se prega é que os mecanismos de
concentração de renda sejam paralisados e desmontados.
A primeira década de governança progressista fez o que tinha
que fazer e na velocidade que tinha que fazer, mas, a partir de agora, o ritmo
se torna lento demais. Mudanças estruturais que foram postergadas em nome da
fragilidade econômica e das desconfianças iniciais dos Donos do Poder, agora
têm que entrar na agenda pública.
O formato do sistema político, as relações entre os poderes,
a democratização da comunicação de massas – bem como seu enquadramento ao interesse
público –, a regulação da distribuição agrária no país e tantas outras questões
precisam ser alvo de reestruturação. Tudo isso não pode continuar igual a
quando o Brasil era um país em eterna crise e sem perspectivas.
Essa obra – até aqui vitoriosa – de soerguimento nacional
partiu de poucas cabeças. Lula e José Dirceu foram os grandes arquitetos da
recuperação econômica e social do país.
O primeiro, no entanto, não pôde dar prosseguimento à
própria obra pelo fim de seu mandato. O segundo, talvez mais vital do que o
primeiro para o projeto de país que fora pensado, foi literalmente destruído
pela direita não pelos seus defeitos, mas por seus méritos.
Dilma Rousseff chega ao poder e se descobre que não poderia
ser mais distante da realidade a ideia de que seria “um poste”. Cheia de ideias
próprias, imprime ao seu governo um ritmo algo diferente do de Lula nos seus
anos finais – do ponto de vista político, ela age, após dez anos de PT no
poder, como se tivesse chegado hoje.
Politicamente inexperiente, apesar do massacre do mensalão
entre 2005 e 2010, acha que pode se entender com os Donos do Poder
aproximando-se de seus impérios de comunicação, de forma a que aceitem o
processo de distribuição de renda que incrementaria.
Vale a pena discorrer um pouco sobre esse processo
O de Dilma está sendo mais rápido do que o de Lula, até
pelas condições que o ex-presidente deixou para que tal ocorresse. A redução
nos lucros dos bancos e no preço da energia elétrica é redistribuição de renda
na veia. Grupos econômicos os mais privilegiados perderam fortunas, as quais
foram divididas entre dezenas e dezenas de milhões de brasileiros.
Que não se enganem os que torcem contra: esse processo se
refletirá em estatísticas quando estas apurarem a distribuição de renda
ocorrida nos últimos anos.
Todavia, políticas públicas que estão gerando tal
distribuição podem ser revertidas por governos sucedâneos. Ou seja: o processo
redistributivo não está se fazendo acompanhar de mudanças estruturais que
tornarão mais difícil, quando a direita retomar o poder – e seria absurdo
ignorar que isso ocorrerá um dia –, desfazer o que foi feito, reconcentrando a
renda de forma lenta, gradual e contínua sob silêncio cúmplice da imprensa
afinada consigo ideologicamente.
Vale uma reflexão: como se poderia denunciar, em um futuro
em que a direita esteja no poder, que medidas para promover concentração de
renda estejam sendo adotadas? Se concessões públicas de rádio e televisão
voltarem a defender o governo como faziam no tempo de FHC, estará implantada
uma ditadura no Brasil.
Seja como for, todos os fatores supra elencados constroem o
cenário com que o país vai chegando ao processo eleitoral de 2014.
Políticas sociais de caráter emergencial são bem vindas, mas
o que mudará de fato a face deste país? A condução da economia já provou ser
eficiente no que interessa à sociedade, promover bem-estar com criação de
empregos e aumento da renda. O que haverá que discutir no ano que vem,
portanto, será redistribuição dessa renda.
A sociedade precisa entender que tudo que permanece ruim
após a década de ouro que o Brasil vem experimentando a partir de 2003 se deve
à insuperável concentração de renda brasileira, e que, sem atacar com mais
ímpeto essa chaga, não será possível avançar de forma irreversível.
Terá Dilma clarividência e competência para explicar à
sociedade que há hoje no Brasil uma guerra entre uma minoria que não quer
perder privilégios e uma imensa maioria que quer apenas ter um mínimo de
equilíbrio de oportunidades, de forma que se crie uma taxa minimamente aceitável
de mobilidade social?
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