Editorial do jornal Brasil de Fato:
O revolucionário cubano Fidel Castro, numa célebre
entrevista a Frei Betto, alerta para dois elementos que a esquerda
latino-americana não deve secundarizar: a religiosidade e o nacionalismo. São
dois elementos centrais para a disputa de hegemonia nas formações sociais do
nosso continente.
De fato, a Igreja Católica tem um capítulo importante nos
processos de transformação na América Latina. Sua contribuição se deu
centralmente a partir do Concílio Vaticano II (1962-1965) quando a Igreja abre
suas portas, por tabela, para a atuação do que viria a se chamar Teologia da
Libertação. As conferências de Medellín, em 1968 – da qual emana a proposta de
uma “Igreja dos pobres” – e de Puebla, em 1979 – quando a “opção preferencial
pelos pobres” é mantida e aprofundada – são marcos importantes da unidade da
Igreja com os setores populares. Personagens como Camilo Torres, dom Hélder
Câmara, dom Oscar Romero são expressões dessa aliança.
Além disso, este setor da Igreja cumpriu um papel importante
no processo revolucionário na Nicarágua, na luta contra a ditadura militar
brasileira, na criação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e no processo
de construção do movimento camponês no Brasil.
No entanto, é importante ressaltar a ofensiva conservadora
impulsionada pelo papa João Paulo II nos processos de dissolução das
experiências de construção do socialismo no Leste europeu, na tentativa de
desestabilização da Nicarágua e no enquadramento da Teologia da Libertação aos
dogmas oficiais da Igreja Romana.
A eleição do papa Francisco ocorre num contexto de crise da
Igreja. Os escândalos de pedofilia e lavagem de dinheiro contribuem para a
perda de credibilidade da Igreja enquanto instituição. A escolha de um papa
latino tem como objetivo conter esta perda de credibilidade. Vale lembrar que a
América Latina é o principal reduto de católicos no mundo.
As movimentações do papa Francisco têm deslocado o centro do
discurso papal da Igreja enquanto instituição para a população pobre, a
periferia. Apesar disso, é muito cedo para afirmarmos que a Igreja cumprirá um
papel missionário e pastoral característico aos das décadas de 1960 a 1980.
Durante a Jornada Mundial da Juventude, a mídia
conservadora, particularmente a Rede Globo, buscou construir uma imagem popular
do papa, mas ofuscando as manifestações em defesa do caráter laico do Estado e
contra o governo repressor de Sérgio Cabral.
Vale destacar a falta de transparência com os gastos
financeiros de milhões de reais provenientes dos cofres públicos que foram
destinados para a visita do papa. Além disso, a cidade do Rio de Janeiro foi
praticamente sitiada pelo Exército, pela Força Nacional de segurança e pela
polícia do impopular governador Sérgio Cabral. Ao mesmo tempo, o papa Francisco
não desautorizou as manifestações da juventude.
Num momento em que a América Latina vive um processo de
mudanças importantes com a eleição de governos populares e progressistas, o
discurso da Igreja se voltar para os pobres seria um importante acúmulo de
forças.
Cabe à esquerda comprometida com a transformação estrutural
da sociedade disputar o discurso e a prática da Igreja. Oxigenar o papel
missionário dos setores da Teologia da Libertação, fortalecendo as pastorais
sociais é um importante desafio.
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