Marcio Pochmann fala sobre política e, sobre economia,
desmonta várias deturpações dos fatos pela mídia.
Por Eduardo Guimarães
Na última quarta-feira, o IBGE divulgou os resultados da sua
Pesquisa Mensal do Emprego (PME) e, apesar de trazer boas novidades, foi
apresentada pela mídia, a partir dali, como sendo ruim por o desemprego de
junho deste ano ter sido 0,2 ponto percentual maior do que no mesmo mês do ano
passado.
Neste momento político em que os bons níveis de emprego e
renda constituem o que impede Dilma Rousseff de perder ainda mais popularidade,
essa distorção dos fatos não pode passar batida e, nesse aspecto, o governo viu
a distorção sendo feita e, como de costume, não contestou.
No sentido de fazer a sua parte no contraponto à
desinformação, o Blog foi ouvir um dos economistas mais importantes do Brasil,
o ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) doutor
Marcio Pochmann.
Antes da entrevista, porém, alguns dados sobre o
entrevistado.
Formou-se em Economia pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS) em 1984. Entre 1985 e 1988 concluiu a sua pós-graduação
em Ciências Políticas e foi supervisor do Escritório Regional do Departamento
Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no Distrito
Federal, além de docente na Universidade Católica de Brasília.
Em 1989, mudou-se para o Estado de São Paulo, onde iniciou
seu doutorado – concluído em 1993 – em Ciência Econômica na Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), tornando-se pesquisador do Centro de Estudos
Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), do qual seria diretor-executivo
anos mais tarde, assim como membro do corpo docente da Unicamp.
Foi, ainda, pesquisador visitante em universidades da
França, da Itália e da Inglaterra. Fez pós-doutorado nos temas de relações de
trabalho e políticas para juventude e atuou como consultor no Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), bem como na
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e no Dieese, entre
outras instituições nacionais.
No plano internacional, foi consultor em diferentes
organismos multilaterais das Nações Unidas, como a Organização Internacional do
Trabalho (OIT), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
De 2001 a 2004, em São Paulo, Pochmann dirigiu a Secretaria
Municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade do governo da prefeita
Marta Suplicy. A partir de 2007, passou a exercer a presidência do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em Brasília, cujo comando deixou no ano
passado para disputar a eleição para prefeito de Campinas, na qual foi
derrotado.
Na entrevista a seguir, Pochmann fala sobre economia e
política e deixa ver expressiva confiança no país.
*
Blog da Cidadania – Doutor Marcio Pochmann, na quarta-feira
foram divulgados os dados da Pesquisa Mensal do Emprego (PME), do IBGE,
referentes a junho último e, em relação a junho de 2012, o desemprego subiu de
5,8% para 6%, correto?
Márcio Pochmann – O IBGE realiza essa pesquisa em seis
regiões metropolitanas, que representam um terço do Brasil, sobre o mercado de
Trabalho. Mas, ainda assim, resume-se a regiões metropolitanas.
A informação relativa ao desemprego, em termos nacionais, é
oferecida pelo IBGE apenas uma vez ao ano, na Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD), que é realizada no mês de setembro e divulgada sempre com um
ano de defasagem.
Essa informação da PME de junho revela uma oscilação no
mercado de trabalho que é sazonal, tendo em vista que no primeiro semestre de
cada ano o desemprego é, em geral, superior ao do segundo semestre, quando a
atividade econômica é mais acelerada.
Quem estuda o mercado de trabalho sabe, portanto, que esse
resultado a que você se refere é sazonal e não apresenta nenhuma novidade.
Blog da Cidadania – No contexto em que o nível de
crescimento do PIB ou a inflação vêm sendo tratados pelo noticiário econômico
como sinais de que a economia está afundando, a impressão que se tem é a de
que, agora, o desemprego pode se juntar a esses outros “cavalos-de-batalha”.
Ontem (25.7), editorial da Folha de São Paulo intitulado
“Mudança de sinal” diz que essa “alta” constitui “Mais um sinal de esgotamento
da política econômica do governo Dilma”. O senhor acha que é cabível uma
conclusão como essa por conta de uma alta de 0,2% no desemprego de junho deste
ano em relação a junho do ano passado?
Marcio Pochmann – A prática de terrorismo midiático não é
uma novidade no Brasil. Se nós voltássemos no tempo e tivéssemos a oportunidade
de analisar as manchetes de jornal de 1953, 1954 ou de 1963, 1964,
possivelmente encontraríamos similitudes em relação às notícias econômicas de
hoje.
Não há, a meu modo de ver, nada que possa apontar para um
sinal – seja da inflação, seja do desemprego – comparável à crítica situação
que vive os Estados Unidos, que vive a Europa, os quais têm, inclusive, adotado
políticas econômicas que o Brasil adotou nos anos 1990 com resultados
extremamente desfavoráveis ao conjunto da população.
Essa prática de terrorismo vem sendo usada, recorrentemente,
desde a virada do ano passado para este ano. O “descontrole inflacionário” no
Brasil foi apresentado como uma verdade absoluta.
De fato tivemos uma oscilação que acelerou a inflação por
causa da safra agrícola e, como se vê, esse fenômeno vai sendo dissipado. Neste
momento, há queda da taxa de inflação e, possivelmente, o Brasil vai fechar
este ano – como aconteceu nos últimos dez anos – com ela dentro da meta
estabelecida pelo Banco Central.
Se tomássemos como referência o que ocorreu nos anos de
2000, 2001, 2002, perceberíamos que, naqueles três anos, em nenhum deles a
inflação ficou dentro da meta do Banco Central e não houve, no meu modo de ver,
nenhuma manifestação midiática comparável ao que estamos vendo hoje.
Então há, de certa maneira, um terrorismo. Como hoje a
inflação não se apresenta em uma trajetória de aceleração e, sim, de queda,
então a nova temática passa a ser o desemprego.
O Brasil não vai crescer tanto quanto deveria, mas vai
crescer mais do que no ano passado e, portanto, é muito difícil entender que
nós tenhamos neste ano de 2013 um desempenho pior do que em 2012, pois se a
economia vai crescer mais, ampliam-se os postos de trabalho.
Blog da Cidadania – E o nível de emprego crescerá em cima de
um patamar alto. A economia brasileira gira hoje em torno de cinco trilhões de
reais. Não é isso, doutor Marcio?
Marcio Pochmann – É isso mesmo. A economia brasileira
encontra-se hoje entre as sete maiores economias do mundo. E o ritmo de
expansão que o Brasil está conseguindo ter está ocorrendo em meio a um cenário
internacional muito desfavorável.
Perceba que a China, que crescia 10, 11 por cento ao ano,
está crescendo 6, 7 por cento ao ano. A Índia, a Rússia, os chamados
“países-baleia”, também diminuíram o ritmo de crescimento.
Não é, portanto, um problema de ordem nacional, interna, mas
uma decorrência da realidade internacional em que os países ricos estão
acirrando a competição internacional e tornando difícil o manejo da atividade
econômica.
Há algumas semanas houve a necessidade de se fazer um
alinhamento na política monetária justamente porque o Banco Central dos Estados
Unidos, sem consultar ninguém, decidiu encerrar a sua política monetária
frouxa, o que indica uma subida de juros e, contiguamente, uma fuga de dólares
de todas as partes do mundo rumo àquele país.
Dessa forma, o Brasil, como todos os países mais importantes
do mundo, tiveram que fazer um realinhamento em suas políticas monetárias.
Então, o contexto internacional termina impondo decisões de política econômica
que não são aquelas mais favoráveis à expansão econômica.
Todavia, não há dúvida de que o Brasil tem um quadro muito
diferente do que hoje nós estamos observando em países ricos que estão
convivendo com aumento da pobreza, aumento do desemprego, aumento da
desigualdade.
O Brasil está crescendo o que é possível crescer, mas com
redução do desemprego, da pobreza e da desigualdade.
Blog da Cidadania – E aí, nesse momento, a gente lê um
editorial no maior jornal do país em que a primeira frase é a seguinte: “São
consistentes os sinais de deterioração da economia brasileira”. O editorial se
intitula “Mudança de sinal” e foi publicado na Folha de São Paulo de 25 de
julho de 2013.
Doutor Marcio: são consistentes os sinais de deterioração da
econômica brasileira?
Marcio Pochmann – Interpretações sempre dependem de quem as
define. Eu, particularmente, não vejo sinais nessa direção. Infelizmente vamos
ter um ano de crescimento menor do que imaginávamos, mas nada que signifique
mudança da trajetória dos últimos dez anos, que tem sido uma trajetória de
crescimento e distribuição de renda.
Não vai haver nada de trágico – a menos que surja uma
hecatombe, e estamos longe disso no mundo. Deveremos concluir este ano com o
controle da inflação, com crescimento econômico melhor do que no ano passado e
com indicadores sociais seguindo a trajetória comprovada dos últimos dez anos.
Blog da Cidadania – O senhor acredita que essa previsão de
um segundo semestre melhor do que o primeiro possa sofrer influência de fatores
políticos como a promoção de protestos violentos nas ruas, como os que vimos em
junho, ou o senhor acha que a economia brasileira não corre o risco de ser afetada
por essa questão?
Marcio Pochmann – Não percebo que a economia possa dar curso
a um problema político de maior dimensão. Agora, o contrário, que a política –
ou a radicalização das manifestações – pode ter um impacto na economia como um
todo, evidentemente que isso é possível. Mas exigiria um grau de movimentação
que não me parece observável.
O que nós tivemos em junho foi um fenômeno importante que
revela um processo decorrente das próprias transformações que nós observamos
nos últimos dez anos. As pessoas foram à rua não para defender a volta de um
modelo econômico ultrapassado; as pessoas foram à rua para reafirmar mais
direitos. Não estão satisfeitas com o que estão obtendo e querem avançar mais.
Portanto, vejo nessas manifestações um combustível para o
Brasil fazer mudanças mais significativas. Não me parece que possamos chegar a
uma conturbação econômica derivada das manifestações políticas.
Blog da Cidadania – Fala-se também, doutor Marcio, em
problema cambial. A conta corrente externa brasileira estaria correndo risco de
retornar ao desequilíbrio de outrora – leia-se durante o governo Fernando
Henrique Cardoso. Então, minha pergunta é se essa questão cambial pode gerar
algum problema maior ou se também nessa questão há exagero.
Marcio Pochmann – Entendo que a política macroeconômica
precisa, sim, de ajustes e eles estão sendo feitos nos últimos dois anos. Essa
questão das contas externas, a questão dos importados, os gastos de brasileiros
com turismo no exterior, tudo isso coloca uma situação que precisamos olhar com
muito cuidado.
Mas é bom lembrar, também, que o Brasil tem – e não tinha no
passado – um colchão de proteção que são as reservas externas, o melhor remédio
para essa situação desconfortável das contas externas.
Com essa desvalorização que tem sido observada da nossa
moeda, o Brasil pode ter melhores condições competitivas nas exportações. É
claro que isso não é uma resposta imediata, mas espera-se, também, que a
economia mundial reaja e, assim, melhore as condições do comércio
internacional. Por fim, o país está
fazendo um investimento em infraestrutura que em algum momento irá abrir um
ciclo de expansão na economia de longa duração.
Evidentemente, haverá que fazer ajustes pontuais…
Blog da Cidadania – Que ajustes, doutor Marcio?
Marcio Pochmann – Entendo que, assim como a China foi capaz
de construir uma rede produtiva com os países do seu entorno, precisaríamos
avançar nesse sentido. A economia sul-americana tem no Brasil a sua principal
fonte de dinamismo. Haveria que explorar melhor essa situação.
Além disso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social precisaria funcionar como uma espécie de Eximbank brasileiro [Nota do
Editor: estrutura dedicada exclusivamente a financiar exportações e a produção
destinada ao mercado exterior] e o Fundo Soberano [Nota do Editor: fundo
formado com recursos das reservas brasileiras para ser usado em investimentos]
deveria ser usado de uma forma mais agressiva, permitindo ao Brasil ter maior
presença em compra de empresas estrangeiras que estão com o valor de suas ações
muito baixo, assim como têm feito a China, a Índia, a Suécia. Há oportunidades
lá fora que o Brasil poderia aproveitar melhor tendo tantas reservas.
Blog da Cidadania – Mudando um pouco de assunto. Por que o
senhor acha que a grande imprensa brasileira está tão pessimista e difunde
tanto esse seu pessimismo. Ela está equivocada ou sabe que exagera, mas tem
algum outro objetivo?
Marcio Pochmann – Entendo que há um aspecto estrutural em
relação ao comportamento da mídia em geral. Isso porque nos últimos dez anos
nós tivemos uma ascensão econômica com o surgimento de novos consumidores, mas
isso praticamente em nada impactou em consumo de mídia.
Os jornais, ou perderam ou não aumentaram o número de
assinantes. Nós não tivemos, portanto, um aumento significativo desses meios de
comunicação em relação à sua penetração. Isso gerou uma decisão desses meios de
comunicação de fazer uma espécie de “jornalismo militante”.
Lembra-me o tipo de jornalismo que se fazia na antiga
esquerda, da União Soviética. Você tinha o Pravda, onde sempre tinha que haver
alguma matéria contra o capitalismo porque estava-se escrevendo para
militantes. E a impressão que eu tenho é que a imprensa optou por assegurar ou
fidelizar os seus militantes leitores e escreve aquilo que eles querem ler.
Só não sei até que ponto essa opção é exitosa, pois, se de
fato a população tivesse sua opinião formada pela mídia tradicional, não teria
havido vitória do presidente Lula e da presidenta Dilma.
O que a imprensa brasileira diz do Brasil, aliás, é muito
diferente do que diz a imprensa estrangeira. Então, esse paradoxo está
associado a interesses econômicos de nossa imprensa que estão sendo afetados
pelo conjunto da política econômica do governo.
Os principais financiadores privados da mídia privada são os
bancos, o sistema financeiro, enfim, o rentismo. E certamente o rentismo não
está nada feliz com o Brasil de hoje, em que se praticam taxas de juro, em termos
reais, muito rebaixadas.
O setor financeiro deixou de auferir, ano passado, alguma
coisa em torno de 100 milhões de reais somente com a queda da taxa de juros.
Então, obviamente que a imprensa reage a políticas que prejudicam aqueles que a
financiam…
Blog da Cidadania – Mas doutor Marcio, estamos falando em
perda de poder da mídia enquanto o alvo dessa campanha dela de convencimento da
população contra a política econômica e quem a impõe, que é a presidente Dilma,
perdeu popularidade em uma proporção cataclísmica.
Não lhe parece que estamos em um momento novo? Até há poucos
meses, a mídia martelava, martelava o governo e sua política econômica e
chegava a pesquisa seguinte e o Lula estava cada vez mais forte, a Dilma estava
cada vez mais forte. De repente, tudo isso mudou.
A pesquisa CNI-Ibope, recém divulgada, mostra nova queda da
popularidade da presidente Dilma. Em entrevista que fiz na semana passada com o
diretor do instituto Vox Populi, doutor Marcos Coimbra, ele disse que vê uma
certa ressonância que começa a surgir dos ataques da mídia ao governo entre a
sociedade.
Marcio Pochmann – Não estou querendo menosprezar o resultado
das pesquisas, mas, no meu modo de ver, a perda de popularidade não é exclusiva
do governo federal. Houve queda generalizada. Há um descrédito à política
brasileira. Há efeitos no Poder Executivo, no Poder Legislativo, no Poder
Judiciário e nas esferas federal, estadual e municipal…
Blog da Cidadania – Um momentinho, doutor Marcio. Uma
informação para ajudar a sua análise. A presidente Dilma foi quem mais caiu. E
houve até ganhos entre seus adversários. Políticos como Marina Silva ganharam
muito na disputa da Presidência, no último período. Aécio Neves, como
candidato, não perdeu nada. Dilma perdeu muito como candidata.
Marcio Pochmann – O problema é que Dilma exerce o governo.
Então, é verdade que o governo perdeu apoio, mas também é verdade que outros
níveis de governo também perderam apoio. Então isso também abre oportunidade
para o PT, que não é governo em muitos Estados, disputar eleição neles em
melhores condições.
Em São Paulo, por exemplo, Alckmin perdeu muito apoio. Então
há um descrédito generalizado. E também é bom lembrar que as eleições em 2002,
2006 e 2010 foram sempre muito difíceis para o PT, que sempre venceu só no
segundo turno. Não houve nenhuma eleição fácil para Lula ou para Dilma.
Blog da Cidadania – O senhor está otimista. É bom ver
otimismo, mas só lembrando que Alckmin perdeu 16 pontos – ele que mandou a
Polícia cometer aquela violência toda contra manifestantes – e Dilma perdeu
quase 30 pontos.
Mas é bom ver otimismo em alguém com o seu nível de
conhecimento da economia do país – e eu sempre digo que foi uma tragédia o
senhor não ter vencido a eleição em Campinas, ano passado, porque seria um luxo
para a cidade tê-lo como prefeito.
Quero agradecer muito, portanto, doutor Marcio, a atenção
que o senhor me deu e, contando com a sua anuência, pretendo procurá-lo outras
vezes para obter novas excelentes análises como essa que o senhor deu aos
leitores do Blog da Cidadania.
Marcio Pochmann – Eu é que agradeço a oportunidade. E o
parabenizo pelo seu trabalho, um trabalho corajoso, um trabalho de buscar a
verdade, que é o que nos liberta.
0 comentários :
Postar um comentário