Deixo a Coreia do Norte depois da grande festa nacional que comemorou os 60 anos da vitória na Guerra da Coreia, após o que foi fundada a República Democrática Popular da Coreia. Daqui mesmo, deste avião da Air Koryo, que acaba de decolar, escrevo essas linhas.
Por Haroldo Lima*
Um desfile e exibição do Exército marca o 60º aniversário desde a vitória da Guerra da Coreia, em 1953.
Um desfile e exibição do Exército marca o 60º aniversário desde a vitória da Guerra da Coreia, em 1953.

Acostumado a transitar por metrópoles capitalistas, brasileiras e de outras nacionalidades, registro, de saída, talvez a impressão que mais me marcou: em Pyongyang, que é a capital do país, com seus 3,3 milhões de habitantes; nas cidades interioranas por onde passei; e na área agrícola que conheci, desse país de 22 milhões de habitantes, não vi uma só favela, um só casebre, um só mendigo, ninguém em frangalhos perambulando pelas ruas e nelas morando.
Nas margens das estradas por onde passei, observando o longo desdobrar do arrozal e da milharada com suas folhas delgadas dançando à brisa da manhã, dei-me conta de outro ser extinto, a cerca, essa figura inexorável em rincões ocidentais, sentinela avançada e impiedosa da divisão, da separação e do impedimento.
O clima era de festa, pois foi para uma festa que fui, representando o Partido Comunista do Brasil, convidado pelo Partido do Trabalho da Coréia. Era o 60º aniversário da vitória dos coreanos do norte na Guerra da Coreia, que se deu em 27 de julho de 1963. O fato, que impacta até hoje a mente dos coreanos e infla, a um nível bastante elevado, o orgulho nacional, teve, na verdade, significado universal: foi a primeira vez que o mais poderoso Exército do mundo – o dos Estados Unidos – sofreu uma derrota militar fragorosa, em campo de batalha. Outra derrota tão humilhante ele só iria sofrer dez anos depois, na mesma Ásia, no Vietnã.

Vitórias tão espetaculares assim instituem quadro político novo, suscitam projetos originais, consolidam destacamentos partidários avançados e revelam heróis. Em 1973, o quadro político novo que surgiu foi representado pelo aparecimento do Vietnã unificado, lançando seu projeto de mais um tigre asiático, dessa vez, socialista, temperando, mais ainda, o Partido Comunista do Vietnã, revelando líderes do porte dos comunistas Ho Cho Minh e do general Giap.
Em 1963, a novidade foi a fundação da República Democrática Popular da Coreia, com seu projeto socialista de desenvolvimento, sua força dirigente testada, o Partido do Trabalho da Coreia, e um líder que se notabilizou como extraordinário general e condutor de massas, o comunista Kim Il-Sung.
Mas, os norte-americanos derrotados formularam também um projeto político próprio, o projeto dos derrotados: manter o vencedor sob pressão, retirar-lhe as condições de crescimento, minar sua resistência pela ameaça constante, calúnias e provocações e, com o apoio da parcela nacional derrotada, manter a Pátria dividida entre Norte e Sul.
Agora bem, a evolução natural das coisas traz necessidades novas, irrecusáveis, e a Coreia do Norte, que tem um parque industrial de porte médio, uma população crescente, que já lançou mísseis balísticos e cujo Exército tem o maior contingente de tropas do mundo, procurou desenvolver, com recursos próprios, a tecnologia do átomo, para ter acesso à fonte energética passível de ser conseguida, para quem não tem, por exemplo, reserva petrolífera. Tamanha audácia os Estados Unidos não aceitariam.
O plano norte-coreano de acesso à tecnologia nuclear para fins pacíficos foi usado pelos norte-americanos como mais uma razão para aumentar as pressões e sanções sobre a Coreia. A justificativa chegava à insolência, pois quem se arvora a ajuizar o suposto risco que a paz no mundo estaria correndo com esses planos da Coreia do Norte, é justamente o país que detém o maior arsenal de armas atômicas do mundo, ele, os Estados Unidos, o único até hoje a lançar duas dessas
armas sobre população civil, matando centenas de milhares de cidadãos!
Foi criado então o impasse imobilizador, tão ao gosto dos Estados Unidos. Por seu turno a Coreia, aceitando negociar até com os norte-americanos, reiteram sua disposição de buscar o uso pacífico de energia nuclear, admitindo supervisão internacional.
Depois da morte de Kim Il-Sung, em 1994, o Partido do Trabalho da Coreia, dirigido pelos comunistas que o sucederam – Kim Jo-Il, também já falecido, e Kim Jo-Um, o atual secretário geral – não alterou sua posição de defesa da soberania da Nação para tomar as medidas necessár

A truculência e a arrogância norte-americanas, tudo fazendo para impedir a expansão econômica da Coreia do Norte, não conseguem seus objetivos, mas causam danos enormes.
Os serviços públicos são depauperados e grandes projetos adiados. A própria prioridade nacional para o fortalecimento e modernização das Forças Armadas, vital para a defesa e sobrevivência nacional, se por um lado é justa no contexto dramático da situação vigente, por outro lado, enfraquece a disponibilidade orçamentária para investimentos cruciais.
Não fosse assim, serviços públicos poderiam estar mais bem aparelhados, o aparato industrial mais desenvolvido. Até uma modernização arquitetônica de áreas das cidades já poderia ter havido. Em que pese em Pyongyang proliferarem edificações públicas modernas e arrojadas e hotéis vistosos, como um prestes a ser inaugurado com 105 andares, veem-se, pelos bairros, conjuntos habitacionais antigos, de traços pesados, talvez de influência soviética. Também a lavoura padece de mecanização e os transportes urbanos, embora com bom uso dos ônibus elétricos, tem frota que precisa ser remodelada.
O heroico povo continua vibrante e destemido. Exibe, nos festejos do 60º aniversário da vitória na Guerra, desfiles monumentais, da população civil, em evoluções que encantam pela beleza plástica, ritmo, alegria e tamanho; e do Exército, que impressiona pela proporção avantajada, disciplina e sincronismo absolutos, e material bélico exibido, em quantidade e qualidade, onde não faltaram numerosas carretas transportando mísseis.
Mas as sanções internacionais, articuladas pelos Estados Unidos, cobram preço elevado. O próprio intercâmbio cultural e tecnológico diminuído com outros povos e Governos, priva a sociedade coreana de recursos que lhe poderiam estar sendo úteis na construção nacional, na sua vida cotidiana, e até na incorporação de formas dinamizadoras da economia socialista.
Para terminar, lembremos que os Estados Unidos tem uma longa história de agressão e guerra. Nos últimos decênios, acostumaram-se a dar tratamento torpe a quem ousa discordar de seus desígnios. Começam por tratá-lo como “eixo do mal”, divulgam mentiras, fazem provocações, inventam e alardeiam riscos que a paz mundial estaria correndo se o país na berlinda não for contido.
O bombardeio vem depois, a ocupação, o assassinato de líderes, o confisco de riquezas e o abandono posterior, do país destruído, sangrando, indefinidamente, ao relento... Assim fez os Estados Unidos no Iraque, na Líbia e está fazendo no Afeganistão.
Governantes norte-americanos vez por outra dão a entender que, “perdendo a paciência”, assim procederiam na Coreia do Norte e também no Irã. Será bom que o Império vá “devagar com o andor” e que perceba que, pelo menos nesses dois casos, “o buraco é mais embaixo”!
*Haroldo Lima é membro do Comitê Central e da Comissão Política Nacional do PCdoB
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