Por Altamiro Borges
Em sua coluna deste sábado (3) no jornal O Globo, o
“imortal” Merval Pereira mudou de opinião sobre a Rede, o partido de Marina
Silva que ainda busca a legalização. Em outros textos, ele havia festejado a
criação da nova sigla – nem tanto por afinidades com a ex-verde e mais por
vislumbrar a possibilidade da sua candidatura forçar o segundo turno nas
eleições presidenciais de 2014. Agora, porém, ele se mostra mais cauteloso. O
motivo aparente da guinada foi a descoberta de que um dos dirigentes da legenda,
Pedro Piccolo Contesini, participou da depredação à sede do Itamaraty em 20 de
junho e não foi sumariamente expulso. O título do artigo é emblemático: “Sem
firmeza”.
Para ele, a Rede era uma “incógnita atraente”, mas se mostra
uma aposta arriscada. “A ex-senadora Marina Silva, que procura se colocar mais
uma vez como presidenciável na eleição de 2014, tem dificuldades para se firmar
como alternativa aos governos petistas, já que saiu desse meio e nunca rompeu
com os antigos companheiros de maneira explícita. Talvez por esperar receber os
votos dos petistas desiludidos... Um dos desafios que enfrenta neste momento é
ser a preferida das massas rebeladas nas ruas, mas não se misturar aos vândalos
que se infiltram nas manifestações para depredar prédios públicos e símbolos do
capitalismo que pretendem destruir, como bancos e lojas”.
Marinista atacou o Itamaraty
Defensor apaixonado do capitalismo, Merval Pereira ficou
indignado com a vacilação de Marina Silva. “Eis que ninguém menos que um membro
da Executiva Nacional provisória da Rede de Sustentabilidade, o partido que
Marina tenta colocar de pé, é flagrado com uma barra de ferro nas mãos nos atos
de depredação do prédio do Itamaraty em Brasília, em junho. E o que usava como
máscara para cobrir o rosto era uma camiseta da Rede”. Diante deste fato, o
colunista global esperava uma postura dura da nova sigla, mas “o nascente
partido de Marina Silva agiu como se já estivesse perfeitamente integrado à
arcaica estrutura partidária brasileira”.
Pedro Piccolo Contesini até confessou na sua página no
Facebook que participou da tentativa de invasão do Itamaraty: “Vi uma barra de
ferro no chão e a agarrei, inicialmente com a intenção de me defender, caso as
coisas piorassem por ali. Depois, com as emoções à flor da pele, a pressionei
algumas vezes contra diferentes pontos de uma estrutura também de ferro do
próprio prédio e em seguida a joguei. Não quebrei nada”. A justificativa,
porém, não convenceu o colunista global. Para ele, a Rede deveria ter expulsado
o dirigente partidário, mas “soltou uma nota condenando a violência e, mais
adiante, aceitou o pedido de desligamento do membro de sua Executiva Nacional”.
Os furos da Rede
Diante do fato, Merval Pereira explícita o seu desencanto.
“A atitude dúbia do partido de Marina, querendo ficar bem com todo mundo, pode
lhe custar o descrédito dos que estão nas ruas protestando e rejeitam a baderna
como método de ação política”. A decepção do colunista das Organizações Globo
confirma que não dá para agradar gregos e troianos – ou “sérvios e croatas”.
Marina Silva já afirmou várias vezes que seu partido “não é de esquerda nem de
direita”, tentando fisgar novos filiados para a sua Rede. Mas não é tão fácil
assim. Segundo recente levantamento da Justiça Eleitoral, mais da metade das
830 mil assinaturas coletadas para legalização do novo partido foi rejeitada.
Os casos mais graves de rejeição ocorreram na região
metropolitana de São Paulo – o principal foco dos recentes protestos de rua.
“Em Mauá, por exemplo, o índice chega a 74%. Em São Bernardo do Campo, a
rejeição de assinaturas é de 57%. Em Santo André, é de 47%. Até mesmo
assinaturas de fundadores do partido foram recusadas. A Rede Sustentabilidade
já coletou 830 mil assinaturas em todo o país. Desse total, 553 mil foram enviadas
aos cartórios eleitorais, 120 mil somente no estado de São Paulo”, revela o
jornalista Leonel Rocha, da revista Época.
Palanques estaduais fracos
Além deste obstáculo – que pode até inviabilizar o registro
do partido –, a Rede esbarra em outras dificuldades. O atraso na criação da
sigla dificulta as alianças em apoio à ex-senadora nos principais colégios
eleitorais do país e também resulta na baixa adesão de parlamentares de outros
partidos, o que reduz o tempo de propaganda na rádio e tevê. Segundo matéria de
Ranier Bragonde, da Folha, “a pouco mais de dois meses do prazo final para se
credenciar à disputa de 2014, coordenadores da Rede Sustentabilidade afirmam
que, mesmo que consigam registrar a tempo o novo partido, não haverá palanques
relevantes nos Estados para sustentar a candidatura de Marina Silva”.
Terceira colocada nas eleições de 2010, com 19,3% dos votos
válidos, a ex-senadora está sem legenda desde 2011, quando rompeu com o PV.
Desde então seu grupo articula a montagem da Rede, que necessita de 492
assinaturas de apoio para ser legalizado. “Para que Marina se candidate, é
necessário que seu novo partido passe por todo o processo burocrático de
aprovação na Justiça Eleitoral até o início de outubro deste ano. Em resumo, os
aliados da ex-senadora argumentam que o processo de criação da legenda
inviabilizou a articulação de chapas relevantes de candidatos a governador,
senador e deputados, discussão já a todo vapor entre os partidos
estabelecidos”.
Pouco tempo de tevê
Conforme reconhece o deputado Alfredo Sirkis (PV-RJ),
coordenador da última campanha de Marina Silva, a falta de palanques fortes nos
estados “foi um problema em 2010 e pode ser maior em 2014”. O deputado
maranhense Domingos Dutra, que ameaçava sair do PT, também está preocupado. “Como
diz o ditado, ou toca o sino ou acompanha a procissão. Priorizamos o
recolhimento de assinaturas, infelizmente não vamos ter chapas fortes nos
Estados”. A fragilidade nos estados acabou afastando os poucos políticos que
ensaiavam ingressar na sigla, o que terá reflexos no tempo da propaganda
eleitoral “gratuita” de rádio e televisão – calculado com base no número de
deputados federais.
Segundo a Folha, “como a filiação de deputados federais à
Rede deve ser menor do que a dos seis previstos há alguns meses, Marina teria
pouco mais de 1 minuto em cada bloco de 25 minutos, menos do que o já pequeno
espaço que teve em 2010 (1min23s)... Aliados de Marina esperam que a
insatisfação das ruas favoreça a ex-senadora. Segundo o Datafolha, a
ex-senadora subiu de 16% para 23% das intenções de voto após os protestos”. A
decepção expressa no jornal O Globo pelo “imortal” Merval Pereira evidencia,
porém, que não dá para apostar todas as fichas nas recentes mobilizações
juvenis. Há muitas contradições e muitos interesses em jogo neste processo.
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