O governo brasileiro deve um pronunciamento à Nação sobre as
violações cometidas pelo serviço de espionagem dos EUA contra o país.
Não há motivo para subtrair à sociedade aquilo que já está
em mãos indevidas, fervilha nos bastidores e é intuído do noticiário.
A CIA recolheu ilegalmente e compartilhou, para uso
comercialmente desfrutável, dados reservados e informações estratégicas, estas
sobretudo de natureza econômica, configurando-se um ato evidente de
transgressão de soberania.
Ademais de roubo, puro e simples de segredos comerciais.
A afanosa invasão, como outras mundo afora –ou não havia
interesse no petróleo iraquiano?-- faz-se acompanhar do inexcedível traço
imperial.
Sempre em nome da luta contra o terrorismo, não se poupou,
sequer, o circuito de informação no âmbito da Presidência da República
brasileira.
Violou-se correspondência eletrônica reservada da Presidente
Dilma.
Aparelhos celulares de seu uso exclusivo foram grampeados;
mensagens capturadas. Quem garante que os de acesso particular não sofreram
idêntico tratamento?
Não há limites.
Tudo feito com a complacência ou a parceria pura e simples
de residentes. Empresas, inclusive.
Carta Maior já havia demonstrado, em reportagens exclusivas
e exaustivas, em julho último, o intercurso entre espionagem e corporações
norte-americanas no Brasil.
No caso, o protagonista era uma das maiores corporações de
consultoria do mundo.
Contratada no governo FHC para ‘pensar’ planos estratégicos,
a Booz Allen, na qual trabalhava o ex-agente da CIA, Edward Snowden, operou no
Brasil pelo menos até 2002.
De um lado, como guarda-chuva de uma base de espionagem da
CIA no país.
Simultaneamente, como mentora intelectual de uma série de
estudos e pareceres, contratados pelo governo do PSDB.
O objetivo era pavimentar o alinhamento carnal do mercado
brasileiro com a economia dos EUA. Tracejar a free way da ALCA.
No acervo desse ‘impulso interativo’ listam-se estudos como
o dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento.
Realizados por um consórcio liderado pela Booz Allen,
sugestivamente receberiam o nome fantasia, bote fantasia nisso, de
"Brasiliana".
Dois eixos centrais da adesão tucana ao desenvolvimento
dependente e subordinado beberam desse manancial: o "Brasil em Ação"
e o "Avança Brasil”.
A versátil Booz-Allen teria, ainda, robusta influência na
reforma do sistema financeiro nacional.
A ênfase nas privatizações de bancos públicos obedecia a
diretriz predominante então, de adesão incondicional à supremacia das finanças
desreguladas.
O que antes era lubrificado assim, por uma identidade de
propósitos e a natureza gêmea dos governos dos dois lados, hoje só se viabiliza
na violação delinquente de informações que lastreiam o poder de Estado e o
poderio econômico da Nação.
Um foco prioritário do grampo é o pré-sal. As petroleiras
internacionais querem saber se a regulação soberana das maiores reservas
descobertas no planeta, no século XXI, tem lastro político e financeiro para se
sustentar.
Ou por outra, se os índices de nacionalização que guarnecem
o impulso industrializante embutido na regulação do pré-sal vieram para ficar.
Interessa, naturalmente, o calendário da exploração, o
fôlego da Petrobrás para assumir a condição de parceiro cativo em qualquer
poço, ademais das avaliações sigilosas das novas descobertas em curso.
Enfim, tudo o que possa ser útil à apropriação da maior faia
possível de uma riqueza estimada, por enquanto, em até 60 bilhões de barris.
Leia-se esse número seguido da informação de que a matriz
energética do planeta ainda depende 57% do petróleo.
O resultado explica a gula que ordenou as violações, o
despudor das escutas palacianas e a ousadia das decodificações perpetradas pela
espionagem gringa.
Embora revelados originalmente pela TV Globo, de conhecidas
tradições, avulta desse episódio a reação lhana e a cordura no trato que o
assunto mereceu da parte de colunistas da indignação seletiva.
A exemplo deles, nenhum editorial, salvo engano, tampouco
manchetes garrafais foram hasteadas no alvorecer nacional, com as cores da
indignação patriótica.
Animadoras de programa de culinária não trocaram o colar de
tomate pela túnica verde amarela para protestar contra Obama.
Uma sigla dotada de forte simbologia antipopular como a CIA
foi poupada na identificação do braço operante da espionagem contra o país.
Em plena Semana da Pátria, a americanofilia do jornalismo
embarcado aliviou para a CIA.
Não se diga que se trata de um traço constitutivo de
serenidade editorial.
Recorde-se, por exemplo, a reação beligerante da emissão
conservadora em maio de 2006, quando a Bolívia decidiu nacionalizar a
exploração dos negócios de petróleo e gás no país.
O presidente Evo Morales ordenaria a ocupação pelo Exército
dos campos de produção das empresas estrangeiras no país, entre elas a
brasileira Petrobras.
Colunistas de brios nacionalistas até então desconhecidos,
desembainharam seu amor pela estatal criada por Getúlio.
E cobraram do então governo Lula uma intervenção enérgica
contra o atrevimento boliviano.
Respingava da ira espumante o desejo incontido de uma
invasão reparadora.
Idêntico brado varonil ecoa com regularidade, sempre que se
trata de cobrar do governo ‘petista’ uma respostas às medidas protecionistas
adotadas pela Casa Rosada, para preservar o que restou da manufatura argentina
depois de Menem & Cavallo.
Nem é preciso regredir tanto no calendário.
Tome-se o paradoxo dos dias que correm, protagonizado por
jalecos corporativos, americanófilos golberianos e colunistas de baixa
densidade intelectual, mas enorme disposição servil.
Formou esse pelotão uma verdadeira trincheira de animosidade
‘patriótica’ contra a ‘invasão negreira’, assim denominado o desembarque dos
doutores cubanos engajados no programa ‘Mais Médicos’.
Pendores nacionalistas desconhecidos até então emergiram à
flor da pele.
A aguerrida defesa da extensão dos direitos trabalhistas aos
visitantes ecoava das mesmas gargantas, ásperas, de tanto requerer a extinção
desse usufruto ao assalariado nacional.
A ausência do mesmo arrojo patriótico, quando o assunto é o
estupro de sigilos nacionais por uma potencia de conhecidas tradições no ramo
da sabotagem e derrubada de governos, soaria apenas desconcertante.
Não fosse também oportuno para discernir no interior do
nacionalismo etéreo que reveste o 7 de Setembro, aquilo que, de fato, é o
interesse do povo brasileiro, daquilo que se comete em seu nome.
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