Por Laurindo Lalo Leal Filho, na Revista do Brasil:
Parece que alguns parlamentares já esqueceram as “vozes das
ruas” gritadas em junho. Com desfaçatez, seis senadores e seis deputados
decidiram regular por conta própria o dispositivo constitucional que determina
a regionalização da programação de rádio e TV no país. Atropelaram, em poucas
horas, um debate que se trava no Congresso há 22 anos. A concentração histórica
das programações no eixo Rio-São Paulo faz com que o Brasil não conheça o
Brasil. Por isso, os constituintes em 1988 escreveram que “a produção e a
programação das emissoras de rádio e televisão atenderão ao princípio da
regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme
percentuais estabelecidos em lei”. Só que essa lei nunca saiu.
Iniciativas para elaborá-la não faltaram. O projeto mais
antigo é de 1991, da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Levou 12 anos para
ser aprovado na Câmara e está há dez parado no Senado. Por ele, as TVs ficariam
obrigadas a veicular, entre 17 horas e meia-noite, programas produzidos
regionalmente. Seriam no mínimo dez horas e no máximo 22 por semana de
programas regionais. Esse tempo deveria aumentar, em cinco anos, para o mínimo
de 22 e o máximo de 32 horas.
A ampliação do mercado de trabalho para produtores
independentes é um dos pontos centrais do projeto. Hoje quase toda a produção
televisiva vem das próprias redes nacionais, concentrando-se no eixo Rio-São
Paulo. Se a lei fosse aprovada, 40% dos programas regionais exibidos deveriam
ser realizados por produtoras independentes, contemplando obras de ficção,
documentários e teledramaturgia, dando oportunidade de trabalho a novas
gerações de profissionais espalhados por todo o país. O resultado para o
público seria – além de conhecer melhor a própria região – desfrutar de
experimentos narrativos capazes de romper com a mesmice crônica da televisão
brasileira.
A aprovação na Câmara deu-se depois de longas e árduas
negociações da autora do projeto com as emissoras e com os deputados que as
representam. Remetido ao Senado, o projeto empacou outra vez, e a explicação
para isso é simples: 25% dos senadores detêm concessões de TV. Pois justamente
um deles, Romero Jucá (PMDB-RR), tornou-se relator da comissão dos 12
parlamentares surdos às vozes das ruas. Com caráter terminativo, ou seja, a
decisão por eles tomada vai direto ao plenário, derrubaram em poucas horas os
propósitos dos constituintes de 1988 que estavam, sem dúvida, contemplados no
projeto original.
A regulação estabelecida pela comissão chega a ser um
escárnio. Considera os horários obrigatórios de propaganda política e as redes
nacionais para o pronunciamento de autoridades como “produção regional”. Assim
como programas religiosos e jogos de futebol. Como ela não define classificação
de horários, as cotas regionais podem ser perfeitamente cumpridas durante a
madrugada.
Mas os absurdos não param por aí. Aproveitaram a
oportunidade para enfiar no relatório uma cláusula que dá às emissoras o
direito de acesso a 5% dos recursos do Fundo Nacional de Cultura, que tem neste
ano orçamento de R$ 260,2 milhões. A justificativa é “incentivar” a
regionalização.
Fica difícil entender a necessidade desse incentivo para uma
programação regional baseada em programas religiosos (pagos pelas igrejas) e de
mensagens políticas (dedutíveis do imposto de renda), como prevê o relatório do
senador Jucá. Triste solução para um problema grave. É inconcebível que um país
com as dimensões e a diversidade cultural do Brasil mostre todos os dias pela
TV por exemplo, os congestionamentos nas marginais paulistanas. O que isso
interessa ao telespectador do Acre ou do Rio Grande do Sul? Escondendo, ao
mesmo tempo, acontecimentos locais importantes. Infelizmente para mudar esse
quadro a solução encontrada pelos parlamentares reduziu-se a um oportunismo
mesquinho.
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