Por Cristiano Aguiar Lopes, no Observatório da Imprensa:
Que no mercado de mídia brasileiro há uma grande
concentração, aparentemente todos sabemos. Que as verbas publicitárias são
divididas entre poucos veículos e entre poucas organizações, com amplo domínio
da televisão, também não é novidade. Que o mercado é concentrado no eixo
Rio-São Paulo, mandando às favas o preceito constitucional da regionalização da
produção cultural na comunicação social, quase todos concordamos. Mas há ao
menos uma novidade no horizonte: o poder público, mais especificamente a Comissão
de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados
(CCTCI), finalmente começa a dar mais atenção para a falta de diversidade e
pluralidade nas comunicações brasileiras. É o que mostra o trabalho da
Subcomissão Especial para Analisar Formas de Financiamento da Mídia
Alternativa, que atuou no âmbito da CCTCI nos últimos dois anos e divulgou seu
relatório final no último dia 25 de outubro (ver aqui).
A subcomissão, instalada em 21 de dezembro de 2011, tinha
como objetivo inicial propor formas de financiamento para os veículos
alternativos de comunicação. Para atingir tal objetivo, a relatora da
subcomissão, deputada Luciana Santos (PCdoB-PE), procurou antes responder a uma
pergunta simples: por que a mídia alternativa – incluindo aí rádios
comunitárias, pequenos jornais de bairro, emissoras de radiodifusão de pequeno
porte, entre outros – tem participação ínfima na distribuição de verbas
destinadas à comunicação social?
A resposta: por causa da concentração de mercado. O
relatório mostra que o meio televisão respondeu, sozinho, por quase 65% do
faturamento bruto da mídia em 2012, seguida muito de longe pelos meios jornal,
com 12%; revista, com 6%; rádio, com 4%; e internet, com 5%. O documento revela
também que este bolo destinado à televisão é distribuído majoritariamente entre
as quatro maiores empresas do setor – Globo, Record, SBT e Band –, das quais a
Globo fica com algo próximo a 70% dessas verbas, cabendo os 30% restantes às
demais empresas do setor.
Ressalte-se que o documento produzido pela Subcomissão
Especial não cita uma outra concentração importante de mercado, a vertical. Com
essa concentração, alguns grupos, notadamente as Organizações Globo, retêm uma
fatia ainda maior do faturamento do setor, por meio da exploração concomitante
de veículos de mídia em diversas plataformas, com a posse direta ou indireta de
emissoras de televisão e de rádio, de jornais, de portais de internet e de
outras empresas do setor de mídia.
A influência do Estado
Com um direcionamento tão intenso de verbas para poucos
veículos de comunicação, o resultado esperado não poderia ser outro senão o
subfinanciamento da mídia alternativa. Esta é a conclusão principal do
relatório da Subcomissão Especial. Mas a maior virtude do estudo produzido pelo
órgão da CCTCI não está neste diagnóstico, e sim na explícita afirmação de que
o maior responsável por essa concentração que condena a mídia alternativa ao
limbo, tanto por sua omissão quanto por sua ação, é o próprio Estado.
Para demonstrar a omissão estatal na regulação da
concentração de propriedade, o trabalho apresenta como exemplo informações da
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) sobre a propriedade das geradoras
e a formação de redes de televisão no país. Usualmente, a Associação Brasileira
de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) ressalta a existência de 350
geradoras de televisão outorgadas no país, bem como o funcionamento de 9.195
retransmissoras de televisão, como dados supostamente inequívocos que
mostrariam a existência de pluralidade no setor. A entidade também costuma
citar os limites de propriedade estabelecidos pelo artigo 12 do Decreto-Lei n°
236, de 1967, como um instituto que “evita o monopólio mediático, estabelecendo
limites de concessões ou permissões por entidade” [ABERT. “Tudo o que você
precisa saber sobre rádio e televisão: licenças, outorgas, taxa de penetração,
receitas, audiência e receptores”, abril/2013, p. 41].
Mas as limitações de propriedade impostas pela legislação
para a radiodifusão têm uma ineficácia vergonhosa, sendo facilmente burladas
pelo sistema de afiliação e pela composição de vastas redes de transmissão, que
contam com centenas ou até mesmo milhares de retransmissoras espalhadas pelo
território nacional. Com esses instrumentos, segundo os dados da Anatel [fonte:
Sistema de Controle de Radiodifusão – Anatel] reproduzidos no relatório, as
quatro maiores emissoras de televisão do país controlam 202 geradoras (57,71%
do total) e 6.271 retransmissoras (68,20% do total). Esse domínio da
infraestrutura se reflete em domínio de audiência, com uma consequente
oligopolização bastante pronunciada da venda de espaços publicitários.
Mas, como se não bastasse essa omissão, o Estado age
ativamente, por meio de suas políticas, para reforçar ainda mais a concentração
do mercado de comunicação. O relatório da deputada Luciana Santos cita quatro
grandes exemplos: a utilização quase exclusiva de “critérios técnicos” pela
Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) para a definição
da distribuição das verbas oficiais de publicidade, que destina a maior parte
dos recursos do governo federal para aquisição de mídia aos maiores
conglomerados de comunicação; a falta crônica de investimentos nos órgãos
estatais de comunicação social; a disponibilização de programas de apoio
financeiro, como por exemplo o PROTVD Radiodifusão do BNDES, exclusivamente
para as grandes empresas de mídia; e as restrições legais impostas às emissoras
de radiodifusão comunitárias e educativas, que são proibidas de veicular
publicidade, inclusive publicidade oficial.
Alternativas possíveis
Com base nesse diagnóstico, o relatório da Subcomissão
Especial para Analisar Formas de Financiamento da Mídia Alternativa aponta para
a necessidade de alteração do marco legal das comunicações, com o intuito de
“tornar economicamente viável a atuação dos órgãos de mídia alternativa”. Entre
as propostas sugeridas, estão projetos de lei que permitem a inserção de
anúncios publicitários na programação das emissoras comunitárias ou educativas;
que obrigam o investimento de no mínimo 20% das verbas publicitárias federais
em veículos de mídia alternativa; que preveem a utilização das verbas do Fundo
de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) também para a
universalização da radiodifusão; que criam um programa de apoio à mídia
independente, nos moldes já aplicados aos projetos culturais via Lei Rouanet; e
que instituem um fundo de desenvolvimento da mídia independente, alimentado,
entre outras fontes, por uma contribuição de 1% sobre a receita de emissoras de
rádio e televisão de médio e grande porte e de empresas de televisão por
assinatura.
São, por certo, medidas bem-vindas, mas que visam apenas
minimizar os efeitos gerados pela concentração no setor de mídia no Brasil. As
bases estruturantes que geram esta concentração, e que são herdadas de longo
tempo, tão longo quanto a própria história das comunicações no Brasil, estas
permaneceriam intactas. Mas atacar essa natureza oligopolizada da comunicação
social brasileira é tarefa muito mais ampla, que não poderia ser posta em
prática por uma subcomissão especial, por uma comissão permanente ou mesmo por
um parlamento. Trata-se de uma tarefa hercúlea, que inclui uma completa reforma
da legislação de comunicações no país e, portanto, demanda um amplo envolvimento
de governo e sociedade.
Porém mesmo estes projetos sugeridos pela subcomissão, mais
pontuais, têm ainda um longo caminho para que sejam efetivamente aprovados e
aplicados. O mais importante contudo, ao menos no curto prazo, é constatar que
o poder público começa a se debruçar sobre este tema fundamental para a
democracia brasileira – a concentração de mercado, responsável direta pela
pouca diversidade de fontes de informação no país.
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