Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania:
Há um fato com o qual praticamente todos os analistas
políticos concordam: em uma disputa limpa haverá poucas chances de candidatos
da oposição derrotarem a presidente Dilma Rousseff na eleição presidencial do
ano que vem. Essa chance só se materializará se a sensação de bem-estar gerada
por emprego e renda em alta for anulada.
Mas como anular uma realidade que se faz sentir na veia da
maioria dos cidadãos brasileiros, uma maioria hoje inserida na classe média
baixa e que, agora, vê filhos se tornando os primeiros universitários da
família, que está comprando o primeiro automóvel, que está reformando ou
comprando imóveis, que vem tendo sucessivos aumentos de salários?
Em primeiro lugar, os que pretendem tirar o PT do poder após
dez longos anos de hegemonia política desse partido sonham com uma ampla frente
das oposições de esquerda e direita ao governo Dilma. PSDB, DEM, PSB, PSOL e
PSTU vêm mantendo diálogo por meio de interpostas pessoas, acertando pontos
mínimos de convergência e uma estratégia comum.
Uma frente formal que reúna partidos aparentemente tão
diferentes não é viável. Pegaria mal tanto para o lado esquerdo quanto para o
direito. Mas a aliança pode se dar no discurso e nas táticas que serão usadas
para tentar anular o bom e velho “feel good factor”, ou “fator sentir-se bem”,
em tradução livre.
Mas como fazer o cidadão esquecer que hoje qualquer um
consegue emprego em um país em que a escassez de emprego sempre foi tão grande
que as empresas pagavam salários de fome até para engenheiros formados? Como
fazer o cidadão esquecer do automóvel que agora tem na garagem ou do filho que
será o primeiro membro da família a se formar?
Durante as manifestações de rua que se abateram sobre o país
ao longo do mês de junho ficou provado que é possível hipnotizar um país
inteiro. Diante de um mundo perplexo, o país que mais tem avançado na
distribuição de renda, na redução da pobreza, na geração de empregos, no
aumento do poder de compra dos salários e que tem resistido à maior crise
econômica em cerca de um século parecia um dos países árabes em que ditaduras
cruéis foram derrubadas por grandes protestos daqueles povos famintos e sem
perspectivas.
A espantosa queda de aprovação de Dilma em um espaço de
míseros 30 dias mostrou ser possível, sim, fazer um país esquecer tudo o que
conquistou graças aos que o governaram nos últimos dez anos.
Em tese, portanto, bastaria reeditar as tais “jornadas de
junho” para derrotar a atual presidente. Os partidos que detêm “tecnologia”
para colocar massas nas ruas – PSOL e PSTU, que se valem de todo tipo de gente
para inflar protestos, inclusive de neonazistas, punks, skinheads e
assemelhados – fariam todo o trabalho e aos partidos de direita bastaria
apontar a “insatisfação do país” com “esse governo”.
Enquanto a oposição de esquerda enche as ruas com militantes
de esquerda e psicopatas de direita para forjar “insatisfação generalizada”, a
de direita usaria os grupos de mídia que a apoiam para desacreditar o Brasil no
exterior com olhos na possibilidade (real) de uma reviravolta na crise
internacional que tiraria os países ricos da linha de tiro e colocaria países
em desenvolvimento.
Recentemente, o colunista da Folha de São Paulo Demétrio
Magnoli citou uma “tempestade perfeita” que despencaria sobre o Brasil no ano
que vem e que anularia o “feel good factor”.
Em tese, a “tempestade perfeita” de Magnoli consistiria em
os Estados Unidos subirem as taxas de juros, hoje praticamente zeradas com
vistas a estimular o crescimento de uma economia doente. Com esse aumento de
remuneração do capital nos EUA, haveria uma fuga de dólares do Brasil e, com
menos dólares na praça, o real se desvalorizaria, gerando inflação.
Enquanto os black blocs estivessem apavorando e espantando
turistas e fazendo o Brasil passar vexame em plena Copa do Mundo, possivelmente
afetando a moral da Seleção, que completaria a tragédia jogando mal e perdendo
a Copa “em casa”, os preços estariam explodindo, os empresários entrariam em
pânico e, nesse momento, a mídia ainda trataria de expor algum dos escândalos de
última hora que sempre explodem contra governos petistas em períodos
eleitorais.
Contudo, o que o novo colunista da Folha e os que endossam
sua teoria da “tempestade perfeita” não avaliam é que o Brasil resistiu aos
solavancos da economia internacional ao longo de toda a década passada. Devido
às imensas possibilidades de investimento em nosso país, pode não haver fuga
relevante de dólares mesmo que os EUA aumentem os juros.
Além disso, mesmo que diminua o fluxo de dólares para o
Brasil, os níveis de investimento irão aumentar ao longo do ano que vem,
sobretudo por conta dos investimentos no campo de petróleo de Libra,
recém-leiloado.
O que preocupa é que no próprio PT há gente disposta a se
unir à oposição pela esquerda. Recentemente, um dos candidatos a presidente do
partido propôs que seja “sacrificada” a reeleição de Dilma em troca de se
“fazer a reforma agrária”, provavelmente achando que é possível reverter 500
anos de concentração de propriedade da terra ao longo de 2014. E ignorando que
a volta da direita ao poder reverteria qualquer conquista.
Contudo, apesar de até o próprio PT abrigar uma oposição de
esquerda ao governo federal em seus quadros, de a oposição em outros partidos
de esquerda só pensar em vingança contra os grupos de centro-esquerda que hoje
dominam o partido do governo e que expulsaram os que fundaram PSOL, PSTU etc.,
e de haver risco, sim, de os EUA aumentarem os juros, o governo ainda tem bala
na agulha.
Apesar da estrondosa queda de popularidade de Dilma advinda
das “jornadas de junho”, a continuidade da instalação de programas sociais e de
medidas econômicas que beneficiam a maioria reverteu aquela queda.
Assim como o Minha Casa, Minha Vida, como a redução das
contas de Luz ou como a queda dos juros liderada pelos bancos oficiais, o
governo continuou implantando programas que beneficiam as massas, sendo o Mais
Médicos o último programa dessa série. Com isso, reverteu-se a queda de
popularidade de Dilma, que já desponta como favorita em 2014.
Está posto, então, o quadro político para o ano que vem.
Mais uma vez, haverá disputa entre a razão e a emoção, como em 2002, 2006 e
2010.
Em 2002, Lula venceu graças à racionalidade: após FHC se
reeleger em 1998 prometendo não desvalorizar o real, no primeiro mês de seu
segundo governo ele violou a promessa. O povo foi racional tirando do poder um
partido que o enganou, o PSDB.
Em 2006, Lula se reelegeu contra a comoção que tentaram
instalar no país contra a “corrupção” do PT no âmbito do escândalo do mensalão.
Mais uma vez prevaleceu a racionalidade. A sociedade preferiu os avanços que já
sentia no cotidiano ao discurso moralista que tentava transformar Lula em um
corrupto mesmo sem nenhuma prova contra ele.
Em 2010, Lula elegeu Dilma com base no imenso bem-estar
social que seu governo gerou ao país. Salários crescendo, empregos surgindo em
toda parte, pobreza e desigualdade despencando e o protagonismo internacional
do Brasil derrotaram o fundamentalismo religioso e a rede de intrigas aos quais
José Serra se agarrou para tentar derrotar a adversária
A racionalidade vem derrotando a catarse há mais de uma
década, portanto. Mas essa racionalidade foi rompida em junho graças a um
espetáculo pirotécnico que os oposicionistas da situação e da oposição
conseguiram montar – uns por falta de visão e outros por má fé mesmo.
O que resta saber, portanto, é se após a sociedade despertar
da catarse junina ela poderá ser drogada de novo. Será que o povo aprendeu
alguma coisa após ver toda aquela pantomima não resultar em absolutamente nada?
Será que a desmoralização da tática de quebra-quebra fará o povo resistir à
droga político-ideológica que tentarão lhe inocular?
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