“Num tempo
Página infeliz da nossa história
Passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia
A nossa pátria mãe tão distraída
Sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações”
Vai Passar (Chico
Buarque)
O Brasil amanheceu pior do que ontem. A partir de agora,
torna-se oficial o que, até então, era uma tenebrosa possibilidade: cidadãos
brasileiros estão sendo privados de suas liberdades individuais apenas pelas
ideologias político-partidárias que acalentam.
A “pátria mãe tão distraída” foi “subtraída em tenebrosas
transações” entre grupos políticos partidários e de comunicação e juízes
politiqueiros.
Na foto que ilustra este texto, o leitor pode conferir o
único patrimônio de um político que foi condenado pelos crimes de “corrupção
ativa e formação de quadrilha” pelo Supremo Tribunal Federal em 9 de outubro de
2012.
Junto com ele, outros políticos ou militantes políticos
filiados ao Partido dos Trabalhadores, todos com evoluções patrimoniais
modestas diante dos cargos que ocupavam na política.
José Dirceu, José Genoino, João Paulo Cunha e Henrique
Pizzolato tiveram suas prisões decretadas com base em condenações por uma Corte
na qual, ao longo de sua existência secular, jamais políticos de tal
importância foram condenados.
A condenação desses quatro homens, todos de relevância
político-partidária, poderia até ser comemorada. Finalmente, políticos
começariam a responder por seus atos. Afinal, até aqui o STF sempre foi visto
como a principal rota de fuga dos políticos corruptos.
Infelizmente, a única condenação a pena de prisão que aquela
Corte promulgou contra um grupo político foi construída em cima de uma farsa
gigantesca, denunciada até por adversários políticos dos condenados, como, por
exemplo, o jurista Ives Gandra Martins, que, apesar de suas divergências com o
PT, reconheceu que não houve provas para condenar José Dirceu, ou como o
formulador da teoria usada para condenar os réus do mensalão, o alemão Claus
Roxin, que condenou o uso que o STF fez de sua revisão da teoria do Domínio do
Fato.
Dirceu e Genoino foram condenados por “formação de
quadrilha” e “corrupção ativa” apesar de o primeiro ter estado infinitamente
mais distante dos fatos que geraram o “escândalo do mensalão” do que estão
Geraldo Alckmin e José Serra dos escândalos Alston e Siemens, por exemplo.
Acusaram e condenaram Dirceu apesar de, à época dos fatos do
mensalão, estar distante do Partido dos Trabalhadores, por então integrar o
governo Lula. Foi condenado simplesmente porque “teria que saber” dos fatos
delituosos por sua importância no PT.
Por que Dirceu “tinha que saber” das irregularidades
enquanto que Alckmin e Serra não são nem citados pelo Ministério Público, pela
Justiça e pela mídia como tendo responsabilidade direta sobre os governos nos
quais os escândalos supracitados ocorreram?
O caso Genoino é mais grave. Sua vida absolutamente
espartana, seu microscópico patrimônio, sua trajetória ilibada, nada disso
pesou ao ser julgado e condenado como um “corruptor” que teria usado milhões de
reais para “comprar” parlamentares.
O caso João Paulo Cunha é igualmente ridículo, em termos de
sua condenação. Sua mulher foi ao banco sacar, em nome próprio, com seu próprio
CPF, repasse do partido dele para pagar por uma pesquisa eleitoral. 50 mil
reais o condenaram por “corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro”.
O caso mais doloroso de todos, porém, talvez seja o de
Henrique Pizzolato, funcionário do Banco do Brasil, filiado ao PT e que, por
ter assinado um documento que dezenas de servidores da mesma instituição também
assinaram sem que contra eles pesasse qualquer consequência, foi condenado,
também, por “corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro”.
Isso está acontecendo em um país em que se sabe que dois
governadores do PSDB de São Paulo, apesar de ter ocorrido em suas administrações
uma roubalheira de BILHÕES DE REAIS, não são considerados responsáveis por
nada.
Isso está acontecendo em um país em que um político como
Paulo Maluf, cujas provas de corrupção se avolumam há décadas, jamais foi
condenado à prisão.
Isso está acontecendo em um país em que um governador como
Marconi Perillo, do PSDB, envolveu-se até o pescoço com um criminoso do porte
de Carlinhos Cachoeira, foi gravado em relações promíscuas com esse criminoso e
nem acusado foi pelo Ministério Público.
Isso está acontecendo, finalmente, no mesmo país em que os
ex-prefeitos José Serra e Gilberto Kassab toleraram durante anos roubalheira
dentro da prefeitura e quando essa roubalheira de MEIO BILHÃO de reais vem à
tona, a mídia e o Ministério Público acusam quem mesmo? O PT, claro.
Já entrou para o imaginário popular, portanto, que, neste
país, cadeia é só para pretos, pobres, prostitutas e, a partir de agora,
petistas.
No Brasil, as pessoas são condenadas com dureza pela
“justiça” se tiverem mais melanina na pele, parcos recursos econômicos, se
venderem o que só pertence a si (o próprio corpo) para sobreviver ou se tiveram
convicções políticas que a elite brasileira não aceita.
A condenação de alguém a perder a liberdade por suas
convicções políticas, porém, é mais grave. É característica das ditaduras, pois
a desigualdade da Justiça com os outros três pês deriva de falta de recursos
para se defender, não de retaliação a um ideário.
Agora, pois, é oficial: você vive em um país em que se deve
ter medo de professar e exercer suas verdadeiras convicções políticas, pois
sabe-se que elas expõem a retaliações ditatoriais como as que levarão para
cadeia homens cuja culpa jamais foi provada.
*
Abaixo, charge do cartunista Vitor feita especialmente para
este post
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