Leio os comentários de notícias veiculadas na imprensa sobre
a decretação da prisão dos réus da Ação Penal 470, conhecida vulgarmente como
“mensalão”, e me assusto com o nível do debate que se avizinha para 2014. Um
exemplo. Na matéria “Pena é injusta, diz José Dirceu em carta aos brasileiros”,
divulgada no site baiano A Tarde e reproduzida no Estadao.com, três
comentários, entre outros, dão a exata medida do ovo da serpente em gestação no
Brasil.
Vejamos: “Sr. José Dirceu, concordo que a pena foi injusta.
Regime semiaberto é muito pouco pra você. Você é um bandido muito perigoso e
truculento. Merecia mais, muito mais...” (Marcos Felix Valverde, 16/112013, às
10h35). Pouco antes, às 10h03, Jorge Manoel dos Santos Costa afirmou
categórico: “Realmente a pena é injusta para aqueles que necessitavam dos
recursos subtraídos por este lalau”. Às 9h42 desse mesmo dia (16/11), José de
Barros Nascimento decretava: “LUGAR DE LADRÃO É NA CADEIA, MUDA BRASIL”. Assim
mesmo, em letras garrafais.
Não tenho a menor ideia se essas pessoas existem de verdade,
se pensam da maneira que escrevem ou ainda se são simplesmente reprodutores do
que ouvem e leem na mídia. O fato é que não se pode desprezar tamanha
virulência na exigência do cumprimento de uma condenação baseada em um processo
questionável que negou o duplo grau de jurisdição, pilar fundamental do direito
de defesa em um estado democrático. Não foi outro o motivo que levou Henrique
Pizzolato a se decidir pela fuga para a Itália, onde, como cidadão italiano,
poderá ter um novo julgamento “em um Tribunal que não se submete às imposições
da mídia empresarial”.
O “mensalão” foi um apelido dado pelo ex-deputado federal
Roberto Jefferson (PTB/RJ) a um suposto esquema de pagamento de parlamentares
para aprovação de projetos de interesse do governo do ex-presidente Lula. Dito
isto em uma entrevista exclusiva ao jornal Folha de S. Paulo, virou jargão
político e serviu como mote para uma batalha ideológica da oposição e da mídia
que contaminou a sociedade e, por que não dizer, o próprio STF.
Mas, afinal o que está em jogo quando um país que não
conseguiu punir um único torturador da ditadura militar aplaude a prisão, em
plena vigência da democracia, de pessoas que combateram essa mesma ditadura? É
difícil entender essa situação para quem, como eu e tantos outros, nos
debruçamos desde a nossa juventude, quase adolescência, a restituir a liberdade
usurpada pelo golpe cívico-militar de 31 de março de 1964.
Mais difícil ainda de entender quando, conquistada essa
liberdade e o estado de direito, as elites conservadoras e reacionárias de
sempre fazem valer sua versão de que a corrupção é o mal de todos os males do
sistema político e que, portanto, merece punição exemplar. Ora, quem em sã
consciência é contra essa bandeira? Ocorre que a história do “mensalão” é
contada pela metade porque os denunciados são seletivamente nomeados e as
provas, questionáveis, até mesmo por juristas antipetistas como Ives Granda da
Silva.
Nesse sentido, a fuga de Henrique Pizzolato para a Itália
constitui a novidade nesse processo que ainda não terminou. Sem ele, não
haveria condenação porque a base da Ação Penal 470 está baseada no suposto uso
do dinheiro público para pagamento de parlamentares. O ex-diretor do Banco do
Brasil apresentou esclarecimentos essenciais que, caso houvesse um julgamento
isento de pressões políticas e midiáticas, o chamado “mensalão” tomaria outro
rumo. Vejamos o que diz Pizzolato: 1) que a verba de publicidade da Visanet foi
utilizada de acordo com o contrato e auditada; 2) que a liberação da verba
passava pela aprovação de um comitê formado por três pessoas com cargos
hierarquicamente semelhantes; 3) que, sendo assim, por que somente ele foi
arrolado como réu?; 4) que a Visanet é constituída por sócios privados e
públicos e não somente pelo Banco do Brasil, seu principal acionista; 5) que a
auditoria interna do Banco do Brasil constatou a legalidade da ação de
Pizzolato no episódio.
Nenhum desses argumentos foram considerados pelo relator do
caso, Joaquim Barbosa, que preferiu não incluí-los no processo, fatiando a Ação
Penal 470 exatamente para torná-la o que acabou sendo: uma peça intimidatória,
juridicamente questionável, porém politicamente eficaz porque garantiu a tese
de que houve desvio de dinheiro público.
Caso Pizzolato de fato consiga um novo julgamento na Itália
e sustente suas argumentações, terá boas chances de ser inocentado e abrir um
novo caminho para parte dos réus que agora cumprem suas penas. Claro está que
não faltarão aqueles que ressuscitarão o tema da não extradição de Cesare
Battisti para confundir o que de verdade está em jogo. Mas, uma coisa é certa:
o destino da cena política brasileira, especialmente a disputa eleitoral de
2014, se transferiu momentaneamente para a Itália.
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