Por Dedé Rodrigues.

A Lei n. 26.522 aprovada há quatro anos e meio na Argentina pelo STF de lá provou que é possível essa difícil tarefa acontecer também no Brasil. Segundo Roberto Reyna "A medida também fez os argentinos se sentirem mais iguais perante a lei e perceberem que a democracia melhorou com a ampliação da pluralidade e diversidade de vozes".
Depois de uma série de considerações sobre o processo dessa batalha na Argentina ele concluiu dizendo:
As condições para fortalecer uma democracia com múltiplas vozes estão dadas. E não apenas no país: o prestigioso jurista guatemalteco Frank La Rue, relator especial para a Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de Expressão e Opinião das Nações Unidas, assegura que a nova legislação argentina é uma lei-modelo e um exemplo a ser imitado em toda a região, onde se desenvolvem processos de transformação política, social e cultural similares. Em todas essas nações, observa-se o mesmo choque de interesses entre os que buscam conservar a concentração midiática e os setores que lutam pelos direitos básicos de liberdade de expressão e soberania popular. E, em todas elas, os meios de comunicação monopolizados são os tanques de guerra que tratam de colocar em xeque os governos democráticos. Quer conhecer mais detalhes clique abaixo.
A derrota do grupo Clarín
Por Roberto Reyna, no sítio Vermelho:
Quatro anos e três semanas após o Congresso argentino
sancionar, por ampla maioria, a Lei n. 26.522, o Supremo Tribunal Federal
proferiu sentença, em 29 de outubro, declarando a constitucionalidade plena do
instrumento jurídico que regula os serviços de comunicação audiovisual no país.
A decisão veio um dia antes de o país comemorar os trinta anos do direito ao
voto. A medida também fez os argentinos se sentirem mais iguais perante a lei e
perceberem que a democracia melhorou com a ampliação da pluralidade e
diversidade de vozes.
A Lei de Meios, como é conhecida, foi produto de uma longa e
ampla construção coletiva. Ela estabelece, entre seus pontos essenciais, que
nenhuma empresa pode ter mais de um canal em TV aberta ou a cabo na mesma
localidade; que 30% do espectro audiovisual se reserva a entidades sem fins
lucrativos; que as concessões têm dez anos de duração, com possibilidade de
renovação por mais dez; cria a figura do defensor do público; limita a
quantidade de licenças para uma única empresa; e cria a Rádio e Televisão
Argentina, uma empresa estatal encarregada de gerenciar todos os meios de
comunicação públicos, com participação da oposição.
Enquanto a maioria dos grupos midiáticos procurava se
adequar à lei, o grupo Clarín questionava a constitucionalidade dos artigos 41,
45, 48 e 161, que obrigam ao desinvestimento, afirmando que afetam sua
sustentabilidade e, em última instância, a liberdade de expressão. Com esse
argumento, foi somando estratégias para atrasar o processo e obteve medidas
cautelares para não reduzir a 24 suas 250 licenças de meios audiovisuais. Nos
últimos anos, aproveitando essa condição dominante, o grupo conseguiu fixar
preços, definir a natureza da concorrência e gerar práticas predatórias, como a
compra de operadoras de cabo concorrentes para logo depois fechá-las. O
monopólio do Clarín aniquilou os meios de comunicação regionais e acabou com
mais da metade das 1.400 operadoras de TV a cabo independentes que existiam
desde os anos 1990. Com a fusão das operadoras mais poderosas, Cablevisión e
Multicanal, o grupo Clarín ficou com a metade de um mercado de 7 milhões de
assinantes.
Ao argumentar contra a lei, o grupo utilizou um enfoque de
livre mercado, afirmando “incapacidade de sobreviver” se perdesse seu papel
dominante, junto ao qual sucumbiria “a única voz crítica existente no país”.
Também sustentou que, por seu peso empresarial, apenas o jornal Clarín tem
“condições de realizar jornalismo investigativo”, além de apresentar outros
argumentos que equiparavam liberdade de empresa com liberdade de expressão.
Nesse sentido, Martín Sabbatella, titular da Autoridade Federal de Serviços de
Comunicação Audiovisual (Afsca), estava certo quando observou que
“absolutamente todas as empresas da Argentina, menos o Clarín, apresentaram seu
plano de adequação voluntária. Se alguém deseja ter uma empresa de comunicação
audiovisual na Argentina, o limite da lei é suficiente. Agora, se alguém deseja
ter uma empresa de comunicação audiovisual para outros objetivos, para
extorquir a democracia, definir o rumo do país, manipular a opinião pública ou
pôr e tirar presidentes, obviamente não é suficiente”.
Na sentença, o Supremo Tribunal Federal da Argentina, que
ninguém pode acusar de kirchnerista, destacou que o próprio grupo Clarín
circunscreveu a questão em argumentos de caráter patrimonial e não trouxe
nenhum elemento que prove que o desinvestimento afetará sua liberdade de
expressão. Para a corte máxima do país, a Lei de Meios não apenas é
constitucional, como também garante a liberdade de expressão e “favorece
políticas competitivas e antimonopolistas para preservar um direito fundamental
para a vida em democracia, que é a liberdade de expressão e informação”.
Os próximos passos
A linha editorial do jornal Clarín, que continua sendo o
carro-chefe do grupo, ficou subordinada às necessidades do conglomerado,
tornando-se mais errática e com um tom fortemente agressivo em relação ao
governo. Nessa guerra contra o oficialismo, o periódico perdeu boa parte do
capital mais importante de qualquer meio de comunicação: a credibilidade.
Durante a crise de 2001 e 2002 já tinham aparecido grafites com a legenda “Nos
mean y Clarín dice que llueve” [Mijam em nossa cabeça e o Clarín diz que está
chovendo], mas a perda de confiança se tornou mais evidente nos últimos anos.
Segundo o Instituto Verificador de Circulaciones, em dois anos o Clarín perdeu
um quinto de seus leitores: em 2010, vendia 344.945 exemplares, enquanto em
2012 esse número caiu para 273.954.
Porém, é preciso admitir que os cidadãos também perderam
nessa guerra frontal contra o governo empreendida pelo Clarín. Os jornalistas
se dividiram entre “independentes”, que reivindicavam uma falsa objetividade, e
“militantes”, que apoiaram o governo de forma explícita. Nessa batalha,
predominaram as opiniões, os interesses, os juízos de valor e em muitos casos a
malícia, enquanto a informação foi se diluindo. A notícia, como matéria-prima
básica da tarefa do jornalista, tornou-se um bem escasso e o principal
prejudicado foi o cidadão, que passou a não ter acesso a dados imprescindíveis
para formar opinião.
Apesar de tudo, para além da fundamental necessidade de
recuperar a informação com base no exercício honesto, rigoroso e transparente
da profissão, está claro que o grupo Clarín, após a sentença do Supremo
Tribunal Federal, recorrerá a todo tipo de artimanha, em nível administrativo,
político e judicial, para não desinvestir. Contudo, de uma posição
desfavorável.
Por outro lado, a Autoridade Federal de Serviços de
Comunicação Audiovisual deverá gerar as melhores condições para que 33% das
frequências de rádio e televisão sejam reservadas a organizações sem fins
lucrativos (a quem a anterior Lei de Radiodifusão, imposta pela ditadura
militar, proibia expressamente que fossem concessionárias de licenças) e para
que a medida seja efetiva em delinear um novo modo de comunicação com forte
protagonismo dos setores populares. Por sua vez, os meios de comunicação
alternativos, antes condenados à marginalização legal, devem crescer em
qualidade e rigor profissional, e elaborar projetos de comunicação mais claros
para evitar certa inclinação a desempenhar um papel marginal que os impede de
reduzir a lacuna em relação aos meios de massa.
As condições para fortalecer uma democracia com múltiplas
vozes estão dadas. E não apenas no país: o prestigioso jurista guatemalteco
Frank La Rue, relator especial para a Promoção e Proteção do Direito à
Liberdade de Expressão e Opinião das Nações Unidas, assegura que a nova
legislação argentina é uma lei-modelo e um exemplo a ser imitado em toda a
região, onde se desenvolvem processos de transformação política, social e
cultural similares. Em todas essas nações, observa-se o mesmo choque de
interesses entre os que buscam conservar a concentração midiática e os setores
que lutam pelos direitos básicos de liberdade de expressão e soberania popular.
E, em todas elas, os meios de comunicação monopolizados são os tanques de
guerra que tratam de colocar em xeque os governos democráticos.
* Roberto Reyna é Coordenador da Área de Comunicação do
Centro de Comunicação Popular e Assessoria Legal (Cecopal), em Córdoba
(Argentina).
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