Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Jornalistas diferem muito de policiais, políticos e juízes,
do cidadão leitor da imprensa que não tem o jornalismo como profissão. Embora
recrutados na mesma sociedade, tornam-se progressivamente mais críticos,
radicais, impacientes e, por isso mesmo, mais submetidos à necessidade de
conter seus ímpetos diante das dificuldades da vida comum.
Ao acompanhar os grupos formados exclusivamente por
jornalistas nas redes sociais, comparando-os aos demais grupos, liderados por
advogados, ex-integrantes do Judiciário e ativistas de causas variadas, pode-se
constatar as diferenças na abordagem dos fatos em debate.
Estas digressões, que eventualmente nos desviam da análise
diária do noticiário, se impõem pela necessidade de colocar alguns reparos a
referência direta e contundente feita neste Observatório pelo editor-adjunto
Mauro Malin, um dos fundadores deste site, ao artigo postado na sexta-feira
(13/12) por este observador (ver aqui), sobre a convicção de que o noticiário
intenso a respeito da Ação Penal 470 escondeu intenções golpistas por parte da
imprensa hegemônica do Brasil. Em seu artigo (ver aqui), Malin comenta, em tom
pouco usual, o texto deste observador, afirmando que tal opinião é “fruto de
imaginação”.
Difícil aceitar que um profissional de imprensa use apenas a
imaginação para fazer afirmações. Por isso, alegar que um jornalista “imaginou”
isso ou aquilo e fez de suas caraminholas material jornalístico é ofensa
inaceitável.
Em geral, espera-se que o jornalista use a imaginação como
subsídio para questionar o que parece verdadeiro nos fatos, tendo em mente que
a busca da objetividade na apresentação das notícias e na sua interpretação é
apenas uma presunção, aquilo que a pesquisadora Dulcília Buitoni chama de
“ancoragem referencial” da produção jornalística.
Essa presunção de objetividade é a justificativa moral para
a existência da imprensa como instituição essencial à democracia, com todos os
privilégios que isso acarreta. Essa presunção de objetividade esvaiu-se
gradualmente da imprensa hegemônica no Brasil a partir de 2003, e foi eliminada
radicalmente com as primeiras denúncias de corrupção no caso que produziu a
Ação Penal 470.
As manchetes falam
Não é preciso recorrer à imaginação para constatar, com a
pesquisa dos arquivos da própria mídia, como os três principais jornais de
circulação nacional e as revistas semanais de maior tiragem assumiram como
verdadeiras todas as denúncias que apontavam para a existência de um esquema de
pagamentos mensais a parlamentares para votar tais ou quais projetos de
interesse do Executivo.
A elevação de certos personagens da mídia, celebrizados por
sua linguagem esculachada, a lugares de destaque nos principais veículos, foi
parte da tática adotada para fazer prevalecer uma versão específica dos fatos –
a de que houve um “mensalão”.
Houve, sim, corrupção em larga escala vinculada a coleta de
fundos de campanha, como demonstraram as investigações e como reconheceram
dirigentes do Partido dos Trabalhadores e o então presidente da República, ao
demitir seu ministro da Casa Civil.
Uma coisa é o conjunto dos acontecimentos, outro objeto de
atenção é como a imprensa tratou esse emaranhado de informações. Objetivamente,
este observador pode afirmar que houve um movimento articulado para
desmoralizar o então presidente da República, martelando uma suposta
dependência alcoólica de Lula da Silva, nos primeiros meses após sua posse.
Essa tática de desestabilização não ganhou corpo suficiente, e o advento das
primeiras denúncias do esquema de pagamentos a parlamentares forneceu o
material para aquilo que viria a ser a longa tentativa de desestabilizar o
governo.
Lula demitiu seu ministro então plenipotenciário José Dirceu
para cortar o fluxo das acusações, que se aproximavam rapidamente do núcleo do
poder da República, como recomendariam os melhores especialistas em gestão de
crise. A entrega de Dirceu não foi um ato de colaboração com a pressão
golpista, ou uma atitude suicida, como sugere Malin, mas a medida necessária
para desviar o tsunami da imprensa.
Este observador nunca afirmou que a denúncia do deputado
Roberto Jefferson fazia parte de um golpe de Estado. Este observador afirma que
a imprensa conduziu uma tentativa de desestabilização do governo de Lula da
Silva, a partir da denúncia de Jefferson, o que é muito diferente.
No mais, as manchetes falam.
Postado por Miro às 20:22
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