Por Eduardo Guimarães:
Um dos maiores dramas do Brasil contemporâneo é a desinformação, por incrível que tal fenômeno possa parecer em plena era da informação instantânea. Apesar de todo aparato comunicacional à disposição da humanidade, em países como o nosso a escassez de informações corretas induz os cidadãos a cometerem erros conceituais graves.
Um dos maiores dramas do Brasil contemporâneo é a desinformação, por incrível que tal fenômeno possa parecer em plena era da informação instantânea. Apesar de todo aparato comunicacional à disposição da humanidade, em países como o nosso a escassez de informações corretas induz os cidadãos a cometerem erros conceituais graves.
Um dos temas em que a ausência de informações corretas
produz os maiores estragos é na questão da Segurança Pública. Conceitos
medievais permeiam o imaginário do cidadão médio e o induzem a crer em
“soluções” que beiram uma selvageria igual ou maior que a do crescente
contingente dos que buscam no crime um “ganha-pão”.
Exemplo: pesquisa Datafolha realizada em abril do ano
passado apontou que 93% dos entrevistados eram favoráveis à redução da
maioridade penal no Brasil. Ou seja: quase todos esses entrevistados querem
aumentar a população carcerária e colocar garotos junto a bandidos irrecuperáveis,
que tratarão de “adestrá-los”.
O recente show de horrores no Complexo Penitenciário de
Pedrinhas, no Maranhão, e os ataques na região metropolitana de São Luís
ordenados pelos chefes do crime organizado de dentro das prisões são a versão
maranhense do que promove o PCC (Primeiro Comando da Capital) em São Paulo.
O governo federal vem construindo presídios de segurança
máxima para isolar os chefes do crime organizado, mas tem sido inútil. O crime
organizado funciona como qualquer exército: quando um general cai, outro toma o
seu lugar. Não adianta isolar pessoas, portanto. É preciso reformar o sistema,
mas isso só governadores e deputados estaduais podem fazer.
Para entender, há que perscrutar o sistema carcerário
brasileiro.
Levantamento do Instituto Avante Brasil, baseado em dados do
InfoPen, do Ministério da Justiça, revela um dado estarrecedor: houve
crescimento de 508,8% na população carcerária brasileira entre 1990 a 2012. O
Brasil tem hoje a quarta maior população carcerária do mundo – 548.003 presos
em números de 2012, ou 287,31 presos para cada 100 mil habitantes.
O crescimento da população carcerária no Brasil foi muito
maior, por exemplo, do que a taxa de crescimento da população, que não passou
de 30%. Ou seja: enquanto a população brasileira cresceu 1/3 em duas décadas, a
população carcerária mais do que sextuplicou.
Detalhe: de lá para cá, esse contingente seguiu aumentando.
A grande questão é: por que, em pouco mais de duas décadas,
a população carcerária brasileira aumentou tanto? O Estado de São Paulo é o
maior responsável por esse fenômeno. Hoje, o mais rico e desenvolvido Estado da
Federação detém, sozinho, 1/3 de toda a população carcerária brasileira.
Alguém poderia imaginar que o Brasil – e mesmo São Paulo,
interior e capital – tornou-se mais seguro com essa verdadeira febre de
encarceramentos que explodiu no país, mas é o contrário: quanto mais prendem,
mais a criminalidade aumenta.
O grande paradoxo é o de que, simultaneamente, na última
década o Brasil tirou mais de duas dezenas de milhões de pessoas da pobreza extrema
e distribuiu renda como nunca. Alguns veem nesse fato uma contradição da teoria
de que o aumento crescente da criminalidade se deva à carestia social – se
temos menos pobreza, por que temos mais criminosos?
A explicação não chega a ser complicada. Ao longo dos
últimos vinte anos – período em que a população carcerária explodiu no país –,
a deterioração das condições dos presos fez surgir movimentos como PCC, cujo
objetivo declarado é o de lutar por melhores condições prisionais.
Com as prisões cada vez mais superlotadas, a criminalidade
se organizou dentro delas. Chefes do crime organizado, conforme iam sendo
presos passaram a comandar de dentro do sistema carcerário as ações de suas
organizações do lado de fora. A febre de encarceramentos, pois, fez surgir o
crime organizado de uma forma como nunca ocorrera no país.
No imaginário popular, porém, a causa do crescente aumento
da criminalidade ao longo das duas últimas décadas está nas leis “brandas” e
nas condições igualmente “brandas” de encarceramento. É comum ver nas redes
sociais e até na imprensa pregações pedindo castigos ainda mais inclementes no
sistema prisional e encarceramentos mais longos.
Não existe um único especialista nessa área que concorde que
é preciso superlotar ainda mais as prisões ou tornar a vida mais dura dentro
delas.
Nesse aspecto, reportagem recente da jornalista da revista
Carta Capital Cynara Menezes tem uma importância imensa por revelar apenas
parte do horror que vige dentro de nosso sistema prisional. A matéria versa
sobre um dos maiores motivos de rebeliões dentro dos presídios: a comida.
Sob o título “Os interesses que mantêm o fornecimento de
comida aos presos”, Cynara revela que a terceirização no fornecimento de
“quentinhas” para a população carcerária e a privatização de unidades
prisionais provocaram rápida deterioração das condições de encarceramento.
Alguns trechos da matéria são esclarecedores.
—–
“(…) Entregues, com transporte pago pelo Estado, em
delegacias, cadeias e presídios, as tradicionais “quentinhas” em embalagens de
alumínio são alvo constante de queixas ao Ministério Público Federal (MPF) pelo
mau cheiro, aparência, presença de insetos e alimentos fora do prazo de
validade. Como se não bastasse, os contratos são renovados sem nenhum
governante, independentemente do partido, parecer interessado em rompê-los. Um
provável motivo: empresas de marmitas são importantes doadoras de campanhas
eleitorais.
Não à toa, a alimentação é, ao lado da tortura e do direito
à visita de familiares, uma das três principais causas de rebelião nas
penitenciárias brasileiras. Há uma quarta razão, mais perversa e responsável
pelo fortalecimento das facções que dominam os presídios. Embora previsto na
Lei de Execução Penal e recomendado pelo Ministério da Justiça, a imensa
maioria das unidades prisionais simplesmente não fornece itens de higiene pessoal
aos detentos, obrigados a negociar sabonete, pasta de dentes e até papel
higiênico com as organizações criminosas. Isso gera dívidas que continuam a ser
cobradas inclusive após os presos serem libertados. E tornar-se a mais rápida
estrada para a reincidência.
Denúncias de superfaturamento e falta de higiene no preparo
dos alimentos pipocam em quase todos os estados. ‘O modelo adotado favorece a
fraude’, afirma Eduardo Nepomuceno, da Promotoria de Defesa do Patrimônio
Público de Minas Gerais. ‘As empresas superestimam a quantidade de presos,
vendem um cardápio e entregam outro, e a fiscalização não existe. Como é
possível medir mil refeições para ver quais pesam a mais ou a menos?’
(…)
Os especialistas ouvidos por Carta Capital são unânimes: não
se trata de privatizar ou abrir novas vagas, mas de reduzir a superlotação e
cobrar eficiência da direção dos presídios. Em termos alimentares, está
comprovado, como sugeriu a CPI do Sistema Carcerário, que a comida melhora
quando os presos participam de sua preparação, além de garantir ocupação,
remuneração e redução da pena. Também influencia no cardápio a parceria com
agricultores das regiões próximas aos presídios, como ocorre nas 11 unidades
prisionais da Região Metropolitana do Vale do Paraíba, no interior de São
Paulo.
‘Quando preparada pelos presos, a qualidade da comida é
muito superior àquela da terceirizada e custa menos’, diz Camila Dias,
socióloga e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP, para quem as
marmitas e seus ‘reis’ são um indício de que a privatização do sistema não é a
saída. ‘Existe hoje um lobby fortíssimo pelo repasse da administração à
iniciativa privada, mas as refeições demonstram que esse modelo não é
sustentável’.”
—–
O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) divulgou,
ano passado, que há um déficit de vagas de 48% no sistema prisional do país.
1.598 estabelecimentos prisionais foram inspecionados em
março de 2013 pelos membros do Ministério Público em todo o país. Esses
estabelecimentos tinham, então, capacidade para 302.422 pessoas, mas abrigavam,
à época, 448.969. O déficit, naquele momento, foi estimado em 146.547 vagas
(48%).
O estudo divulgou que a maioria dos estabelecimentos não
separa presos provisórios de definitivos (79%); presos primários dos reincidentes
(78%) e por periculosidade (68%). Consequência: entre março de 2012 e fevereiro
de 2013, foram registradas 121 rebeliões e 769 mortes. São números que só se vê
em guerras.
Os números apresentados estão defasados. De lá para cá, a
situação continuou piorando. E, se nada for feito, irá piorar ainda mais.
Contudo, fazer o que? É praticamente impossível convencer a
sociedade de que prisões tão desumanas, além de não intimidar ninguém,
constituem-se em usinas de formação de criminosos.
Nas televisões de todo país, programas policialescos
inoculam medo e raiva na sociedade e esses apresentadores pregam,
incessantemente, que as penas sejam ainda maiores, o que, se ocorresse,
agravaria ainda mais uma superlotação que, para os chefes do crime organizado,
são mel na chupeta.
Presos pobres e abandonados pelas famílias, como relata a
jornalista de Carta Capital, não recebem do Estado sequer um sabonete para
tomar banho. Não recebem papel higiênico. Remédios, só em último caso. Dormem
uns sobre os outros, gerando abusos sexuais, contaminação, brigas. As celas
fedem a excrementos e a comida estragada.
É o inferno na Terra. Alguém que passa anos nessas
condições, dificilmente sai da prisão sem ter contraído graves problemas
mentais. Os internos tornam-se mais violentos, mais revoltados.
Ainda assim, a maior parte da sociedade quer condições ainda
piores de encarceramento, esquecendo-se de que não dá para encarcerar para
sempre alguém que, por exemplo, roubou um aparelho de som de um carro ou que vendeu
um pacotinho de droga. O indivíduo é preso, cumpre sua pena e depois é
devolvido às ruas. Até porque, o sistema não comporta mais gente. É preciso dar
espaço para criminosos que não cumpriram suas penas.
Os setores da sociedade que exigem penas mais longas e
condições de encarceramento ainda mais desumanas são absolutamente impermeáveis
à lógica. Sobre artigo recente publicado nesta página, um leitor comentou que
“bandido bom é bandido preso”. São frases curtas assim que produzem o efeito
deformador da realidade que fundamenta as atuais condições selvagens de
encarceramento no Brasil.
Com efeito, a maioria da sociedade quer isso mesmo, que as
prisões sejam torturantes. Quanto mais torturantes, melhor. Quanto mais o preso
sofrer, melhor. Praticamente ninguém reflete que boa parte dos que são
submetidos a esse inferno terão que ser devolvidos ao convívio social quando
cumprirem suas penas. E que, após passar por tudo isso, estarão loucos.
O fato é que a sociedade, ao exigir condições desumanas de
encarceramento, acaba produzindo em massa as feras que irão atacá-la. E concede
ao crime organizado o que precisa, uma massa de manobra que os chefes
criminosos usam em exércitos que colocam cidades de joelhos, como faz
frequentemente o PCC em São Paulo.
E o pior é que a solução desse problema não é tão difícil
quanto parece. Um presídio com capacidade para algumas centenas de presos custa
em torno de uns quinze milhões de reais. Estima-se que o país precisa de cerca
de 400 prisões para acabar com a superpopulação carcerária. Estamos falando,
pois, de 6 bilhões de reais para resolver o problema.
Não chega a ser inviável. Por que, então, o país não faz
esse gasto? Mesmo que esse número dobre com toda a infraestrutura que uma
prisão exige, não chega a ser um gasto inviável se levarmos em conta que o fim
do caos no sistema prisional desarticularia o crime organizado e interromperia
o despejo de criminosos enlouquecidos nas ruas após cumprirem suas penas.
O país economizaria com repressão e até com o sistema de saúde,
por incrível que pareça. Obra do historiador e pesquisador Luis Mir intitulada
“Guerra Civil – Estado e Trauma” mostra que se a guerra entre o Estado e os
criminosos fosse fortemente reduzida, os gastos de pronto-atendimento dos
hospitais seriam reduzidos drasticamente.
Um dado dessa obra é impressionante: o maior gasto do
sistema público de saúde no Brasil decorre do pronto-atendimento a traumas
oriundos da violência e da criminalidade. Ou seja: se violência e criminalidade
fossem drasticamente reduzidas, o sistema de saúde pública no país teria uma
melhora exponencial e poderia se equiparar aos melhores do mundo.
Não se consegue, porém, sequer conversar com os pregadores
das teorias de que “bandido bom é bandido morto” ou de que “bandido bom é
bandido preso”. Não se consegue explicar à maioria da sociedade que bandido bom
é bandido recuperado, ressocializado, reintegrado à sociedade.
E quem cria essa psicose coletiva? A mídia e os políticos. A
guerra por audiência gera os programas que predispõem a sociedade a querer
vingança contra os criminosos, sem se importar com as condições sociais que os
fazem cair no crime. E os políticos espertalhões se apresentam como arautos
dessa mentalidade, em busca de mais votos.
Neste ano eleitoral de 2014, esse fenômeno irá se agravar.
Os candidatos a governador não irão prometer prisões que parem de produzir
monstros que, uma vez tendo cumprido suas penas, serão devolvidos às ruas. Pelo
contrário, irão prometer mais castigos aos presos. E os governadores são os responsáveis
por esse caos prisional, pois controlam o sistema.
No Legislativo não é diferente. Deputados e senadores de
partidos conservadores continuarão vendendo leis mais duras e prisões mais
desumanas como “solução” para a violência e a criminalidade, e uma sociedade
acuada, aterrorizada e literalmente dopada por uma mídia sedenta por audiência
irá comprar suas promessas falsárias, realimentando o caos.
1 comentários :
Mais oportunidades todos tem, e os que não tem, se esforçando conseguem... Mais é mais fácil roubar, estuprar, matar e etc. e nós cidadãos de bem é quem pagamos todos os gastos com esses bandidos. Eles matam e roubam pais de família honestos e os Direitos Humanos não fazem nada, agora eles se manifestam. Quer coisa mais injusta do que um trabalhador honesto ganhar um salário minimo de 725 reais, enquanto as mulheres ou comcumbinas de presos ganham 950 reais as nossas custas??? Fica a pergunta
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