Por Luis Nassif, no Jornal GGN:
Primeiro passo é rasgar a fantasia. A CPI proposta, para
apurar o caso Pasadena, tem duas ameaças objetivas e um propósito subjacente.
As ameaças:
- Deixar Dilma Rousseff sangrando durante as eleições.
- No limite, batalhar por um impeachment.
O propósito: barganhar.
O governo Dilma conseguiu juntar um conjunto de fatores
desfavoráveis - mas que, dependendo do ângulo que se olhe, podem ser vistos como
positivos.
Barganhou pouco com o Congresso e com os grupos de mídia,
mesmo pecado de Fernando Collor.
Apesar da visão desenvolvimentista, do esforço e dos mimos
às federações empresariais, não é vista como um deles. Também não é vista como
representativa dos movimentos sociais e sindicais.
Por outro lado, mantém imagem de seriedade, terá o que
mostrar na campanha eleitoral - daí a pressa da oposição. E tem o trunfo de ser
conhecida por todos. Portanto, é garantia de previsibilidade – ainda que de uma
previsibilidade desanimada -, ao contrário dessa maluquice de abrir a Caixa de
Pandora de uma CPI.
Também tem a seu favor todos os grupos que não acreditam no
potencial dos candidatos da oposição. Além, obviamente, da imensa massa de
seguidores de Lula.
A aventura da CPI é um coquetel fantástico, que, quase
sempre, mistura conspiradores, oposicionistas, políticos negocistas, meios de
comunicação com interesses variados, de políticos a comerciais - em suma, a
elite do subdesenvolvimento político-empresarial brasileiro. Vale para todos os
tempos, inclusive para os tempos de PT oposição.
Assim como na crise de Vargas em 1954, como em 1964, na
campanha do impeachment de Collor, papel central é ocupado pelos grupos de
mídia e por sua capacidade de insuflar a opinião pública. Cabe a eles criar o
clima, soltando matérias em cima de matérias, fundamentadas ou mesmo sem
fundamento visando gerar a catarse.
Por aqui, uma notícia falsa - a de que Dilma fora conivente
com a cláusula put (absolutamente usual em contratos dessa natureza) alimentou
por quatro dias o denuncismo da imprensa. Mas ainda houve pausas e fôlego para
esclarecer a informação.
Em uma CPI, será literalmente impossível. Serão uma denúncia
e dez factoides por semana. Daí essa atração perigosa por CPIs.
Na campanha do impeachment de Collor, durante dias falou-se
que ele movimentava milhões em sua conta pessoal, sacando e aplicando
diariamente. E era apenas uma conta comum dos bancos, de reaplicação diária do
saldo, o chamado overnight.
Criado o clima irracional, abre-se a Caixa de Pandora e os
desdobramentos posteriores serão imprevisíveis, com a possibilidade de aparecer
novos protagonistas não previstos inicialmente - como o grupo militar da
Sorbonne em 1964.
Por aí se entendem dois movimentos prévios da mídia,
procurando afastar dois atores potenciais:
- As críticas surpreendentes da Globo à intervenção militar
de 1964 - inclusive através do Jornal Nacional.
- A operação desmonte Joaquim Barbosa. Como todo movimento
que junta interesses variados, há a necessidade de um avalista moral. O
candidato natural seria Joaquim Barbosa. Por imprevisível e incontrolável, foi
descartado. Agora, tratam de trazer a cena a imagem simbólica de El Cid, o
Campeador, esse Varão de Plutarco de nome Fernando Henrique Cardoso.
Quem ganha com a CPI
Imagine-se que a Operação CPI seja bem sucedida.
Todos os atores envolvidos terão ganhos expressivos:
1. Grupos de mídia.
Voltarão a ter a imensa influência que obtiveram
pós-impeachment e certamente acesso a facilidades para essa dura travessia para
o mundo de competição da era digital.
2. Aécio e Eduardo Campos.
Já se apresentaram como os novos líderes da oposição e já
ensaiaram pactos que assegurariam uma governabilidade, caso a crise se agrave.
3. Senadores e parlamentares em geral.
A CPI não sendo bem sucedida, todas as emendas parlamentares
- que os grupos de mídia vivem apregoando como o veneno da democracia - serão
liberadas, graças a essa parceria grupos de mídia-baixo clero. Sendo bem
sucedida, estarão bem situados na próxima orquestração política.
O que não se combinou com os russos
É evidente que trata-se de uma aposta de alto risco, na qual
os grupos podem sair vitoriosos... ou derrotado.
Então, se houver bons estrategistas de seu lado, terão que
ponderar os seguintes fatores fora de controle:
- Em 1964 havia um partido rachado, o PTB, sem uma liderança
única, e com baixa ascendência sobre os novos incluídos. Agora, tem-se um
partido orgânico, o PT, sob a liderança de um político, Lula, com fôlego para
levantar o país.
- Se fosse em 2010, ter-se-ia um STF maioritariamente
partidarizado e um Procurador Geral da República engrossando o coro. Agora,
não, há um STF legalista.
- Em 1964 havia o tenentismo ainda uma voz influente nas
Forças Armadas, organizando a reação e sendo fortalecido pela quebra de
hierarquia militar. Agora, não mais, embora as comissões da verdade incomodem.
- Em 1964, tinha-se a guerra fria e o fantasma presente de
golpe dos dois lados - ainda que para um dos lados fosse apenas uma miragem.
- Tinha-se também uma situação econômica difícil, com
inflação e estagnação econômica. Agora tem-se uma economia andando de lado, mas
com os menores índices de desemprego da história. E, em que pesem os erros
cometidos, muito longe do caos econômico de 64.
- Finalmente, teve o Comício da Central e a assembleia dos
marinheiros, liberando forças incontroláveis. Agora, há cuidados.
Mais ainda. Uma radicalização do quadro político agravará
sensivelmente o quadro econômico, produzirá uma guerra política sem quartel.
Quem quer bancar?
Quem perde com a CPI
Não sendo bem sucedida a operação, como ficarão os grupos?
1. Grupos de mídia.
Será a derradeira cartada. Cada demonstração excessiva de
poder provoca desgastes consideráveis e aumenta os anticorpos daqueles que
denunciam a cartelização da mídia. Os impactos sobre a economia terão efeitos
pesados sobre a publicidade e sobre a situação financeira já combalida de
muitos grupos.
2. Aécio e Campos.
Abrem mão da imagem de bom mocismo e apostarão firmemente na
radicalização. Se derrotados, são varridos do mapa político; vitoriosos, se
tornarão reféns dos grupos de mídia e da radicalização política brasileira.
3. Senadores e parlamentares em geral.
Os espertos saberão como barganhar e pular para o barco mais
sólido. Mas arcarão com o desgaste pelas turbulências econômicas que vierem a
provocar.
As saídas óbvias
Há dois tipos de impaciência alimentando a crise.
A da oposição é conhecida: a perspectiva de não apenas
perder as eleições para a presidência da República mas para dois estados
chaves, São Paulo e Rio.
Mas o combustível maior é de outra natureza.
Há tempos as pesquisas vinham apontando que o eleitor quer
mudanças com Dilma Rousseff.
Quando a presidente não acena com nenhum sinal de mudança,
persiste em uma teimosia férrea, não acata nenhuma crítica, nem as
fundamentadas, alimenta a marola que, persistindo a teimosia, transforma-se em
inundação.
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