Por Paulo Nogueira, no blog Diário do Centro do Mundo:
Nos anos 1980, quando eu era um jovem repórter da Veja, a
redação, no sétimo andar do prédio da Abril na marginal do Tietê, se alvoroçava
quando batiam 8 da noite.
Uma televisão, no fundo da redação, começava a passar o
Jornal Nacional. A redação parava, mesmo em dias de fechamento, e só voltava a
funcionar quando o JN terminava.
Não era só a Veja que parava. Era o Brasil. O JN tinha então
70% de audiência, em média. Às vezes mais. Ditava a agenda política e econômica
do país. Roberto Marinho - que na busca de favores da ditadura dizia que a
Globo era “o maior aliado” dos generais na mídia, conforme mostram documentos
de Geisel reunidos em livro - teria
afirmado que notícia era o que o JN dava.
Para mim, o JN acabaria com minha saída da Veja rumo à
Exame, em 1989. Perdi o hábito de vê-lo e jamais senti falta. Não voltei a ver
sequer quando trabalhei na Globo, em meados dos anos 2 000. Nas reuniões do
Conselho Editorial da Globo, às terças de manhã, eu chegava sem ter a mínima
ideia do que o JN dera ou deixara de dar, e tinha uma certa dificuldade em me
engajar em algumas conversas.
Muita gente fez o que fiz, por variados motivos. (O meu foi
o incômodo em ver tanto foco em desgraças depois de ter visto o JN, na
ditadura, mostrar um país paradisíaco aos brasileiros. Isso contribui para a
nostalgia de alguns inocentes pelos ‘bons tempos’ dos militares. Também o
conteúdo influía bem menos na Exame do que na Veja.)
Todas essas reminiscências me ocorrem ao ler que esta semana
o Jornal Nacional bateu seu recorde negativo de audiência ao chegar a 18%.
É uma derrocada notável - e irremediável. Em alguns anos, os
18% parecerão muito diante da audiência que sobrará para o principal telejornal
do Brasil.
O que ocorreu?
A tentação é dizer que é a ruindade técnica do JN que
afastou o público. Mas, mesmo pobre o jornalismo do JN, não é esta a razão
primeira do declínio.
Isto quer dizer que não adiantaria nada – pelo menos quanto
ao Ibope — trocar o diretor de telejornalismo da Globo, Ali Kamel, por alguém
mais criativo e talentoso. Ou tirar Bonner, que já deve ter mais seguidores no
Twitter que espectadores no telejornal que apresenta.
A real causa se chama internet.
A internet é uma mídia que os analistas classificam como
“disruptora”: ela não se integra às demais, como sempre aconteceu na história
do jornalismo. Ela mata.
As demais mídias – tevê aberta incluída – são
progressivamente engolidas pela internet.
A situação do JN é análoga à que enfrenta a Veja. A revista
definha em circulação, publicidade, influência, importância – em tudo, enfim.
Não adianta trocar o diretor de redação. Mesmo que a Veja voltasse a ter a
qualidade notável da década de 1980, sob o comando dos diretores JR Guzzo e
Elio Gaspari, nem assim os leitores retornariam, porque o produto se tornou
obsoleto como uma carroça quando despontaram automóveis nas ruas.
O milagre da Globo, hoje, é conseguir faturar como nunca,
com audiências em colapso em todas as frentes, dos telejornais às novelas.
Proporcionalmente, a Globo ganha em publicidade mais do que
ganhava quando alcançava três ou quatro vezes mais pessoas. Esta é a raiz da
fortuna da família Marinho, a mais rica do Brasil.
O milagre se deve a uma coisa chamada BV, Bônus por Volume,
uma espécie de propina que é paga às agências de publicidade para que anunciem
na Globo.
Foi uma invenção de Roberto Marinho, depois seguida pelas
outras grandes empresas de mídia do país, mas com resultados insignificantes se
comparados aos da Globo.
Hoje, muitas agências dependem do BV para sobreviver.
Graças a isso, com cerca de 20% do mercado de mídia, a Globo
tem 60% do bolo publicitário, uma bizarrice.
Isso vai mudar quando os anunciantes – que afinal pagam a
conta – se recusarem a pagar tabelas cada vez maiores por produtos que alcançam
cada vez menos pessoas.
Quanto ao Jornal Nacional, vive em boa parte das audiências
passadas.
Políticos que fizeram carreira vendo-o influir tanto,
sobretudo nos anos 70 e 80, parecem guardar dele a imagem poderosa de antes.
É a geração que está hoje no poder. “O pessoal morre de medo
de 30 segundos do Jornal Nacional”, me disse recentemente um desses políticos.
Ele estava falando da dificuldade em fazer o Congresso
discutir a regulação da mídia. Por isso, mesmo com uma audiência raquítica, o
JN continua a ser um fator de obstrução de avanços sociais, uma espécie de
Bastilha nacional.
Novas gerações de políticos vão ver o JN não pelo que foi,
mas pelo que é: um programa minguante, cada vez visto por menos gente e, por
isso, menos influente a cada dia.
Que venham as novas gerações, até por isso.
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