Por Emir Sader, no site Carta Maior:
Lula incomoda. Basta ele falar sobre algo, que as que se
creem “autoridades” deitam falação para contestá-lo, criticá-lo, acusá-lo,
denunciá-lo, homenageando-o como a ninguém se homenageia, com sua atenção, sua
energia, seu rancor, suas insônias.
Lula nasceu do nada, do quase nada, de uma região que era
para não dar nada ao país, de uma mãe amorosa, que lutava para que seus filhos
sobrevivessem e, se pudessem, chegassem à escola – como o extraordinário filme
sobre o Lula recorda. Ele foi chegando: da sobrevivência à escola, da formação
profissional ao emprego industrial, do operário metalúrgico ao líder sindical,
do desafio à vida para sobreviver ao desafio aos patrões e à ditadura. Se houve
um milagre brasileiro, foi ele.
Entre paternalismo e temor, lideres políticos tradicionais e
meios da imprensa tiveram que reconhecer seu papel, que tentavam restringir a
um dirigente corporativo, com um papel determinado num certo momento, que
mereceria carinho e compreensão. Mas quando ele foi se transformando em
dirigente político, em fundador de um partido dos trabalhadores começou a incomodar
não apenas ao Dops e à ditadura, mas aos que pretendiam restringi-lo a um papel
limitado.
Até que aquele nordestino, operário, que perdeu um dedo na
máquina, mas que nunca perdeu a esperança, ousou ser candidato a presidente e a
quase ganhar. Denunciando a desigualdade e a injustiça, apontando que um Brasil
melhor era possível e necessário. Até que um dia, depois de fracassarem
bacharéis e políticos de profissão, o Lula se tornou presidente.
Ia fracassar, tinha que fracassar, para que as elites pudessem
governar com calma o Brasil – como chegou a dizer um ex-ministro da ditadura.
Haviam fracassado a ditadura, Sarney, Collor, FHC, ia fracassar Lula e a
esquerda e o movimento popular estariam condenados por décadas – como ameaçou
um outro ex-procer da ditadura.
Mas Lula encontrou a forma de dar certo. Em meio à herança
maldita de uma década de desarticulação do Estado, da sociedade e das
esperanças nacionais, Lula foi o responsável por uma arquitetura que permite ao
Brasil resgatar a esperança, combater a desigualdade e a miséria, resgatar o
Estado, projetar um Brasil soberano e solidário. Lula preferiu enfrentar os
desafios de construir uma alternativa a partir do pais realmente existente do
que dormir tranquilo com seus sonhos nunca realizados, em meio a um povo sem
sonhos.
Lula saiu dos 8 anos mais formidáveis de governos no Brasil
com mais de 90% de referências negativas da mídia e mais de 80% de apoio do
povo. Não pode haver maior consagração. Elegeu sua sucessora, está prestes a
conseguir que ela tenha um segunda mandato, mas ele não dá trégua aos que
achavam que eram donos do Brasil, que ainda acham, apesar de terem perdido as
três ultimas eleições presidenciais e estarem em pânico pelo risco iminente de
perderem uma quarta, ficando já quase duas décadas sem dispor do Estado que
construíram para perpetuar-se como donos do Brasil.
Lula incomoda. Uma forma de tentar neutralizá-lo é especular
que ele vai ser candidato de novo agora. Ele nega, mas não aceita
comprometer-se a que não volte a ser candidato. E quando abre a boca, quando
escreve, quando aparece em publico, as elites tradicionais entram em pânico.
Porque sabem que atrás daquelas palavras, daquela figura, está o maior
dirigente político, o maior líder popular que o Brasil já teve, que quando se
pronuncia, suas palavras não são palavras que o jornal amanhecido leva pro
lixo, mas expressam realidades pelas quais ele é responsável.
Quando ele fala de miséria e de desigualdade, fala com a
autoridade de quem mais contribui para sua superação. Quando fala da construção
de um outro tipo de Brasil, se pronuncia a partir de mais de uma década de
passos nessa direção, iniciados por seu governo. Quando critica as elites
tradicionais – sua mídia, seus juízes, seus partidos e seus políticos – fala
como quem é um contraponto real e concreto a essas elites. Fala como quem é
reconhecido pelo povo como um dos seus, como alguém em quem confiam – ao
contrario da mídia, de juízes, de partidos que já mostraram ao que vieram e em
quem o povo não confia.
Lula incomoda. Não apenas pelo que foi, pelo que é, pelo que
pode vir a ser. Mas por sua vida, argumento contra o qual ninguém pode
contrapor nada. Ele é a prova viva que se pode nascer na pobreza e se tornar um
dos maiores estadistas do mundo atual, se pode nascer na miséria e se tornar
quem mais faz para superar a miséria. Se pode enfrentar as maiores dificuldades
na vida e na política e manter a dignidade, a grandeza, o sorriso franco e o
espirito de solidariedade. Se pode ser de esquerda e enfrentar os desafios de
construir uma vida melhor para o povo, em meio a aliados e instituições que
foram feitos para outra coisa. Se pode topar os desafios de receber um país
desfeito e recuperar a esperança, a auto-estima, uma vida melhor para dezenas e
dezenas de milhões de pessoas. Se pode prometer que ia fazer com que todos os
brasileiros teriam três refeições diárias e cumprir.
Isso é insuportável para quem promoveu sempre a miséria e a
passividade do povo, para quem governou para as elites e foi sempre
recompensado pelas elites, enganando o povo e se enganando que iam ficar para
sempre no controle do Estado e da política.
Lula incomoda. Por isso é atacado, atacado, atacado. Ninguém
é mais atacado do que o Lula, ninguém causa mais temor nas elites tradicionais
do que o Lula, pela força política e moral que ele adquiriu e que o povo
reconhece nele.
Lula mostrou que se pode governar sem falar inglês, sem
almoçar e jantar com os donos da mídia, sem ter medo das elites tradicionais,
sem temor a aliar-se com quem se faz necessário para fazer o que é necessário e
fundamental para o povo e para o Brasil. Lula mostrou que se pode defender os
interesses do Brasil e ao mesmo tempo ser solidário com os outros países e com
os outros povos.
Lula desmentiu mitos, sua vida é uma afirmação de que um
outro mundo é possível, de que as elites podem falar todos os dias contra os
interesses populares, mas quando o povo consegue visualizar uma política
diferente e lideres que as defendem, se pronuncia contra as elites.
Lula tinha que dar errado, na vida e na política. E deu
certo. Isso é insuportável para as elites tradicionais, isso gera medo neles,
acordam e dormem com o fantasma do Lula na cabeça, nas redações dos jornais,
revistas televisões, nas reuniões dos especuladores e dos seus partidos, nos
organismos que pregam um mundo de poucos e para poucos.
Quem tem medo do Lula, tem medo do povo, tem medo das
alternativas populares, tem medo que o Brasil vá se tornando, cada vez mais uma
democracia social, de forma irreversível. Por isso cada palavra do Lula, cada
sorriso, cada viagem, cada homenagem, cada abraço que dá e recebe do povo,
incomoda tanto a alguns e provoca esse sentimento de confiança que o Brasil
está dando certo em tanta gente.
Ter medo ou esperança no Lula é a própria definição de onde
está cada um no Brasil e no mundo de hoje.
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