'Fantástico' alimenta descrédito na política, mas não toca
em reforma
Programa da Globo faz reportagem que parece ser contra a
corrupção, mas presta desserviço à cidadania ao fugir do debate da reforma
política
por Helena Sthephanowitz
Com uma imagem negativa do Congresso Nacional, reportagem
cria ideia de que todos são 'farinha do mesmo saco'
O programa "Fantástico", da TV Globo, no último
domindo (8) fez uma reportagem que, na superfície, parece ser contra a
corrupção na política, mas, no conteúdo, presta um desserviço à cidadania ao
fugir da raiz do problema: a reforma política.
A reportagem, em tom sensacionalista, entrevista dois
supostos assessores parlamentares, mas que ficam anônimos, na penumbra. Um até
usa chapéu, sem mostrar o rosto e com voz sintetizada para não ser reconhecida.
É legítimo no jornalismo fontes não se identificarem por receio de retaliação,
mas para que se justifique o método é necessário que tragam fatos que possam
ser apurados. Pelo menos alguma pista que ajude ou até obrigue órgãos de
controle, como o Ministério Público, a agirem. E isso não ocorreu na matéria.
Os assessores misteriosos apontaram um monte de mazelas
políticas mais do que conhecidas, lugares comuns em milhares de casos de
polícia e processos, como “a compra do voto no dia da eleição sai a R$50”,
“existem várias formas de desviar dinheiro público”, mas sem especificar nada
concreto, sem dar nenhuma pista que possa ser investigada.
A reportagem ainda coloca um personagem fictício, na forma
de deputado, para representar "todos os corruptos", extraído de um
livro do juiz Marlon Reis, e inclui frases repugnantes como “político não tem
remorso, político tem conta bancária.” Isso com a imagem do Congresso Nacional
ilustrando a matéria, criando na mente do telespectador a ideia de que todos
seriam "farinha do mesmo saco.” Não separa o joio do trigo. Este tipo de
mensagem desestimula o voto de opinião, pela desesperança, prejudicando a
eleição dos honestos e favorecendo quem conquista mandatos pelo poder
econômico, inclusive pela compra de votos, explícita ou dissimulada.
O programa cita dois casos de desvio de verbas conhecidos.
Um na cidade de São Pedro da Água Branca, no Maranhão, que levou à condenação
de um ex-prefeito do PTB (o Fantástico omitiu a informação sobre o partido).
Outro caso sobre asfalto na cidade de Blumenau, em Santa Catarina, onde a
revista televisiva omitiu, além do partido, até o nome do prefeito.
Pois trata-se do ex-prefeito João Paulo Kleinübing, cujo
governo foi do DEM, e hoje está filiado ao PSD. Denunciado pelo Ministério
Público de Santa Catarina, a gestão de Kleinübing foi alvo da Operação Tapete
Negro que, segundo os promotores, revelou um esquema de superfaturamento em
obras, principalmente de asfalto, que teria gerado um prejuízo de R$ 100
milhões aos cofres da cidade. O Fantástico também omitiu que Kleinübing, mesmo
depois de deixar a prefeitura com estes fatos sob investigação, foi nomeado
presidente do Badesc (Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina S.A.), de
onde só saiu para se candidatar a deputado federal.
A matéria falou do elevado custo das campanhas eleitorais e
citou doações de empreiteiras, mas omitiu completamente o debate sobre proibir
tais doações. Nem tocou no assunto de que há projetos neste sentido da bancada
que deseja moralizar as eleições em tramitação no próprio Congresso Nacional,
demonizado genericamente na reportagem.
Também não citou que o Supremo Tribunal Federal deu a
maioria de votos pela inconstitucionalidade das doações de empresas, em ação
movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e o julgamento foi
interrompido pelo pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. A sociedade civil
organizada que luta por essa causa, cobra que o ministro devolva o processo
para destravar o julgamento. Já houve até um tuitaço com a expressão
#DevolveGilmar.
O Fantástico conseguiu a façanha de entrevistar o juiz
eleitoral Marlon Reis e omitir que ele trabalha para reunir 1,6 milhão de
assinaturas (1% do eleitorado) para apresentar projeto de iniciativa popular de
reforma política, com propostas como a proibição do financiamento empresarial
de campanha e eleições legislativas em dois turnos.
A reportagem contribuiu em nada para o principal debate
sobre o tema da corrupção. Sem mudar o sistema eleitoral, por meio de uma
reforma política que favoreça a eleição de pessoas com espírito público e não
com rabo preso à empresas que financiam campanhas, reportagens como a mostrada
serão repetidas eternamente.
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