Por Cynara Menezes, no blog Socialista Morena:
Não tenho medo da vitória de Marina Silva. O povo é sábio e
soberano. O que ele decidir, será. Irei respeitar e torcer para que dê certo,
porque o País é o mesmo. Mas não voto em Marina. Obviamente, como pessoa de
esquerda, me preocupa uma possível guinada neoliberal no governo com sua
chegada ao poder assessorada por economistas que seguem esta cartilha. Existe,
porém, uma razão mais forte que me impede de votar nela. O projeto de Brasil de
Marina não é o meu, mas não voto nela principalmente porque não sinto confiança
de que governará, sendo evangélica da Assembleia de Deus, a partir da concepção
de um estado laico, como promete.
Há uma história que circula no ministério da Cultura desde a
época de Gilberto Gil que para mim é emblemática. Gil ganhara uma carranca de
madeira, daquelas que ficam na proa dos barcos no rio São Francisco, e chamou
Marina, sua colega de prédio e ministra do Meio Ambiente, para “inaugurar” a
obra, no hall de entrada comum a ambos ministérios. As carrancas são utilizadas
pelos pescadores do rio como adorno e com a crença de que espantam maus
espíritos. Marina teria se recusado a participar da cerimônia dizendo que a
obra representava o “diabo”. Teria inclusive pedido para que fosse retirada do
saguão. Se foi assim que ocorreu, o episódio não abalou sua proximidade com
Gil, porque ele vai votar na ex-colega para presidente.
Em outra versão da história, contada em reportagem da
revista Época de maio de 2008, a própria Marina teria sido presenteada pelos
prefeitos da região do rio São Francisco com a carranca e teria se negado a
receber o regalo, que ficou coberto até o final da cerimônia. Na mesma
reportagem, uma bióloga do ministério do Meio Ambiente conta que, com Marina
Silva à frente da pasta, reuniões técnicas chegavam a ser interrompidas para a
realização de cultos evangélicos. Seu assessor Pedro Ivo, um dos coordenadores
da campanha de Marina atualmente, negou os cultos durante o expediente, mas
admitiu que, na hora do almoço, “funcionários se juntavam para rezar nas salas
de reunião” (leia aqui).
Marina não me assusta. Fundamentalistas, sim. Estamos
assistindo atônitos, nos últimos anos, à forte investida deles contra as
bandeiras progressistas: a descriminalização do aborto como questão de saúde
pública, a defesa dos direitos dos cidadãos LGBTs, a descriminalização das
drogas. No segundo turno da última eleição, em 2010, os fundamentalistas
jogaram as trevas sobre nós ao acusar Dilma Rousseff de ser “abortista”,
levando a campanha ao mais baixo nível da história.
Eleita Dilma, não lhe deram trégua: à base de ameaças e
chantagens, conseguiram barrar um kit educativo anti-homofobia por eles
batizado como “kit gay”. Depois, no Congresso, os fundamentalistas lançaram
sobre a Nação a praga de projetos medievais como o da “cura gay” e o Estatuto
do Nascituro, apelidado de “bolsa-estupro” por seus críticos, porque prevê o
pagamento de uma pensão à mulher que, vítima de estupro, decidir não abortar.
Por que falo em “fundamentalistas” e não “evangélicos”?
Porque existem evangélicos progressistas. Gente cristã de verdade, que segue na
vida o preceito de amar ao próximo como a si mesmo, e não odiar, como pregam
alguns destes pastores insanos. É preciso separar o joio do trigo, distinguir
os fiéis destes falsos “servos do Senhor”, interessados apenas em poder e
dinheiro. Tenho certeza que muitos evangélicos não os suportam e conseguem
enxergar com clareza a falta de cristianismo em suas palavras.
Marina é evangélica, mas honestamente não acredito que seja
fundamentalista. De qualquer maneira, a história da carranca me deixou com o pé
atrás. Também me chama a atenção o fato de nunca ter visto Marina em uma só
foto que seja junto a representantes das religiões de matriz africana, alvos
frequentes da intolerância dos fundamentalistas, embora tenha participado de
uma campanha presidencial inteira em 2010. Eduardo Campos, sim. Inclusive
sancionou em 2012, quando governador, um projeto que tombou terreiros de
candomblé em Pernambuco.
Nos últimos dias, tivemos a notícia de que a campanha de
Marina Silva voltou atrás e apagou do seu programa de governo o trecho que
defendia o casamento gay –e justamente após um dos fundamentalistas mais
fanáticos e repulsivos, o pastor Silas Malafaia, tê-la criticado no Twitter.
Malafaia, aliás, declarou voto na candidata. Marina também ganhou a declaração
de voto no segundo turno de outro pastor fundamentalista, o deputado federal
Marco Feliciano, já defendido por ela como “vítima” de hostilidades por ser
evangélico e não por ser o autor de frases de cunho homofóbico e racista.
Se, ameaçada por esta gente, a presidente Dilma Rousseff foi
capaz de recuos em projetos importantes para a comunidade LGBT, como acreditar
que, tendo eles a seu lado e professando do mesmo credo, Marina Silva não fará
igual? Ou pior?
O fundamentalismo religioso e sua perseguição aos
homossexuais, à esquerda e aos progressistas de maneira geral são a minha maior
preocupação no Brasil hoje. Tenho falado constantemente sobre a importância de
o PT aproveitar este momento histórico para se livrar deles, definitivamente
–até porque preferem Marina. E conquistar a simpatia dos evangélicos que pensam
de maneira diferente, mais condizente com o mundo moderno do que com preceitos
ultrapassados ou mal interpretados propositalmente por pastores manipuladores.
Se Marina ganhar, espero de todo coração que eu esteja
errada e que ela saiba de fato diferenciar Estado de religião. Que consiga
domar os fundamentalistas a seu redor. Que lute pela tolerância com os gays e
os adeptos de religiões de matriz africana com tanto fervor quanto prega por
tolerância em relação aos evangélicos. E que cumpra sua promessa de fazer o
governo laico que eu, infelizmente, não acredito que seja capaz de fazer.
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