Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Se fosse possível definir o ano de 2014 em relação à mídia
tradicional, pode-se afirmar que as organizações de imprensa dominantes,
aquelas que conduzem a pauta institucional e parte relevante da agenda pública,
se revelaram como uma mente estranha no corpo social. Desde o primeiro dia do
ano, com o país ainda assombrado pelas manifestações que haviam tomado as ruas
em 2013, passando pelas previsões catastrofistas para a Copa do Mundo, e
concluindo com a eleição presidencial, os jornais de circulação nacional e os
principais noticiosos do rádio e da televisão desenharam um quadro de fim de
mundo que nunca chegou perto de se tornar realidade.
Olhando-se para trás, vê-se que a sociedade seguiu sua
rotina de cuidar da própria vida, enquanto o carnaval da imprensa desfilava
suas profecias apocalípticas de empobrecimento do brasileiro. Na terça-feira
(23/12), porém, informa-se que o endividamento das famílias é menor do que há
um ano, e o comércio está fervendo. No entanto, segundo a pesquisa divulgada na
sexta-feira (19), pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da
República, os jornais têm credibilidade onde são lidos.
Onde, então, está a incongruência?
A resposta é simples e preocupante: a imprensa, vista como o
conjunto de mídias tradicionais empacotadas em marcas conhecidas como Globo,
Abril, Estado e Folha, construiu um ecossistema à parte, que funciona numa
dimensão paralela à da sociedade. Esse conjunto fala diretamente às
instituições, e através delas tenta se impor ao campo social, também chamado de
espaço público.
Mas nem sempre isso acontece. Nos últimos anos, a mídia
hegemônica tem se comportado como um poder paralelo que se arvora em
representante da sociedade. Sua ação, em vez de integrar, rompe as ligações
entre a sociedade e as instituições democráticas que a representam.
Talvez 2014 tenha marcado mais claramente o esgarçamento
dessa relação entre o todo social e suas representações institucionais; a mídia
tradicional pode, então, ser vista isoladamente como um corpo estranho a ambos os
campos que, no entanto, só faz sentido se for reconhecido como parte
integradora dos dois universos. Em condições ideais, em nome da sociedade a
imprensa faz a crítica das instituições, e em nome das instituições a imprensa
adverte a sociedade.
Quem ganha, quem perde
Não é mais o caso brasileiro: em 2014, o conjunto de
empresas que ainda chamamos de jornalísticas extrapolou em muito seu direito de
manipular informações, chegando perto de desestabilizar a própria democracia.
Ou alguém acha que, sem a repercussão generosa da mídia, os arautos do golpismo
teriam se animado a mostrar suas caras nas ruas?
Além disso, a mídia tratou de maneira tão irresponsável e
escandalosa a operação policial que desvenda a corrupção entranhada no poder,
que colocou em risco a própria capacidade da Justiça de levar a bom termo sua
função. Ou alguém acha que os vazamentos seletivos produzidos pelos agentes da
investigação em parceria com a imprensa vão definir o processo?
Na hora do julgamento, quando os fatos forem separados das
declarações, quando as provas e os documentos substituírem trechos recortados
de gravações, é bem possível que tenhamos uma realidade bem diferente daquela
que vem sendo apresentada pelo noticiário. Se, lá no fim da linha, o Supremo
Tribunal Federal não tiver como impor aos principais acusados sentenças que a
sociedade considerar adequadas, o ônus será da Justiça, não da imprensa.
Não são poucos os brasileiros que consideram a Justiça
conivente com a corrupção, por entenderem que os principais condenados na Ação
Penal 470 ganharam prematuramente o direito à prisão domiciliar. Na sua
interpretação primária do sistema judiciário, o brasileiro médio dá sinais de
confundir justiça com vingança, sob a justificativa moral de que a punição de
uns compensa a perda coletiva e serve como exemplo para outros.
No caso Petrobras, a intensa expectativa criada pela mídia
em torno do escândalo também pode não ser contemplada no cumprimento da pena. E
enquanto o cidadão médio se horroriza, o investidor vai sendo informado de que
o valor das ações da estatal pode subir até 95% em 2015, assim que forem
definidas as responsabilidades pelos desvios que vêm sendo noticiados – período
em que, coincidentemente, serão divulgados os novos recordes dos campos do
pré-sal.
O ganho, então, será maior quanto mais depreciados forem os
papéis no curto prazo.
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