Jurista Dalmo Dallaria afirma que, "confrontada com a
votação que, recentemente, deu o segundo mandato à Presidente Dilma, votação
superior a 54 milhões de votos, a « maré humana » da passeata de 15 de março
não passou de uma « ondinha » muito leve, espetaculosa mas insignificante como
expressão da vontade politica do povo brasileiro"; quanto à pregação de
golpe militar, em entrevista a Eduardo Guimarães, do Blog da Cidadania, ele
sugere ainda o "enquadramento dos autores dessa tolice antidemocrática,
para processamento pela prática do crime. Nesse caso a identificação dos
autores não deve ser dificil, pois muita gente filmou e fotografou a prática
criminosa"
30 DE MARÇO DE 2015 ÀS 07:22
Por Eduardo Guimarães, do Blog da Cidadania
Dando sequência à série de entrevistas que o Blog da
Cidadania está fazendo com pensadores de alta relevância sobre o momento
político preocupante por que passa o país, brindo os leitores desta página com
a visão do eminente jurista Dalmo de Abreu Dallari, de quem a caudalosa obra é
obrigatoriamente estudada em qualquer curso de Direito.
O professor Dallari se encontra em Paris, neste momento, mas
não se furtou a analisar para o Blog temas como o protesto anti Dilma de 15 de
março, os atentados a bomba ao PT, a proposta de impeachment de Dilma Rousseff,
o comportamento do STF, o comportamento da grande imprensa, o comportamento do
Ministério Público e muito mais.
Quero agradecer ao professor Dallari pela gentileza de,
apesar de estar em Paris, ter respondido com tanta minúcia às questões que esta
página formulou. Este blogueiro e seus leitores sentem-se honrados com a
deferência de tão importante pensador brasileiro.
Confira, abaixo, a entrevista
Blog da Cidadania – Desde a campanha eleitoral do ano
passado a imprensa alternativa e a tradicional citaram vários casos de pessoas
que foram agredidas na rua por usarem roupas da cor vermelha, mesmo quando
essas roupas (em geral, camisetas) não tinham relação com partidos políticos,
sindicatos ou movimentos sociais. Como o senhor enxerga esse fenômeno? Quem
protege essas pessoas agredidas? Como garantir o direito de manifestação
política, e que punições podem ser aplicadas a quem agride física ou
verbalmente quem faz – ou parece fazer – manifestação política silenciosa como
é o uso de uma cor que lembre um grupo político ou uma ideologia?
Dalmo Dallari – A agressão praticada contra uma pessoa que
participava de manifestação pacífica é crime contra a pessoa, previsto no
Código Penal, no artigo 129. O fato de ter sido praticada a agressão durante
manifestação politica não é agravante nem atenuante. Assim, também, a alegação
de que o agredido usava camisa de uma cor determinada, que o agressor
interpretou como expressão de uma opção política, não tem qualquer relevância.
O que cabe é identificar o agressor e apresentar queixa na Delegacia de Policia
da região, ou, então, apresentar queixa dando elementos que permitam à Polícia
identificá-lo. Em circunstâncias como essa o agredido deve, imediatamente,
pedir providências ao policial mais próximo, o que facilita a identificação do
criminoso.
Blog da Cidadania – No último dia 15 de março, uma maré
humana tomou a avenida Paulista e outras capitais brasileiras pedindo
impeachment da presidente Dilma Rousseff. Tanto desta vez quanto nas anteriores
que essas manifestações ocorreram, parcela expressiva dos manifestantes pregou
golpe militar para atingir esse fim. As esperáveis manifestações de repúdio à
ruptura institucional não apareceram na grande imprensa e a pregação explícita
de violação da vontade das urnas não gerou nenhuma consequência para os
pregadores. Existe algum mecanismo para punir esse tipo de pregação? A
existência dessa pregação ameaça a democracia?
Dalmo Dallari – Antes de tudo, é importante assinalar que,
confrontada com a votação que, recentemente, deu o segundo mandato à Presidente
Dilma, votação superior a 54 milhões de votos, a « maré humana » da passeata de
15 de março não passou de uma « ondinha » muito leve, espetaculosa mas
insignificante como expressão da vontade politica do povo brasileiro. Alguns
cartazes e algumas faixas exibidos na ocasião deixam dúvida, apenas, quanto ao
que realmente expressavam : ignorância, burrice ou vocação totalitária muito
primária. Sobre os efeitos de um golpe militar a experiência recente do Brasil
é muito expressiva. O que se viu e o que se sabe é que o golpe prejudicou
seriamente a normalidade constitucional e foi instrumento de violências e de
muitas praticas de corrupção. Quanto à pregação de golpe militar, que configura
proposta de subversão da ordem constitucional, é crime previsto na Lei de
Segurança Nacional, que, embora feita durante a ditadura, não foi revogada e o
próprio Supremo Tribunal Federal já a considerou recepcionada pela nova ordem
jurídica, naquilo em que não contraria as normas constitucionais. O que deve
ser feito é o enquadramento dos autores dessa tolice antidemocrática, para
processamento pela prática do crime. Nesse caso a identificação dos autores não
deve ser dificil, pois muita gente filmou e fotografou a prática criminosa.
Blog da Cidadania – No dia 15 de março, a sede do PT na
cidade de Jundiaí (SP) sofreu um atentado a bomba. Na mesma cidade, dois
bonecos de pano, representando a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente
Lula, foram “enforcados” em um viaduto. No Dia 26 de março, novo atentado a
bomba contra o partido, agora em São Paulo, na sede do diretório paulistano.
Nesse cenário, como o senhor vê a saúde da democracia brasileira e que nível de
ameaça ela pode estar sofrendo?
Dalmo Dallari – A prática de atentados contra instalações e
símbolos políticos é crime, previsto na Lei de Segurança Nacional, que continua
em vigor naquilo em que não contraria disposição da Constituição vigente. Essas
práticas violentas são reveladoras de um lamentável primarismo político e de
falta de preparo para a convivência civilizada, mas estão muito longe de
representarem ameaça à ordem constitucional.
Blog da Cidadania – Muito tem-se falado sobre impeachment da
presidente Dilma Rousseff. À luz das denúncias contra seu governo e do que se
sabe sobre a conduta dela, o senhor considera que há elementos para se falar em
derrubá-la? Se esse processo for levado à frente sob a argumentação de que o
julgamento via Congresso é “político” e, portanto, “dispensa provas”, o senhor
considera que esse caminho é constitucional? Se não for, que instrumentos
existem para barrar uma iniciativa que, nessa situação, configurar-se-ia como
golpista?
Dalmo Dallari – A proposta de impeachment de Dilma não
passou de reação primária de derrotados, inconformados com a derrota. Como já
tem sido amplamente demonstrado, nos termos expressos e claros da Constituição,
em seu artigo 89, o impeachment só pode ser cogitado se o Presidente da
República praticar ato que atente contra a Constituição. Deve existir um ato do
Presidente enquanto Presidente. Assim, alegar corrupção na Petrobrás para
justificar o impeachment é pura tolice e o que se pode afirmar, sem sombra de
dúvida, que a conversa do impeachment não passou de fantasia política de
inconformados, sem a mínima consistência jurídica.
Blog da Cidadania – O que o senhor considera que ocorreria
com a democracia brasileira caso um governo recém-ungido pelas urnas fosse
derrubado por fórmulas como a do “julgamento político que dispensa provas”?
Poder-se-ia dizer que o Brasil estaria vivendo uma ruptura institucional e
estaria sob um regime ilegítimo? O senhor considera que esse “julgamento
político” seria um golpe de Estado? O senhor acha possível que esse “julgamento
político” ocorra?
Dalmo Dallari – A experiência brasileira é muito eloquente:
um golpe de Estado, destituindo um governo legitimamente eleito, por vias
democráticas, seria uma agressão a todo o povo brasileiro, prejudicando
direitos fundamentais de todo o povo e de cada cidadão. Mas a verdade sobre o
que foi a ditadura está cada vez mais clara e por isso é pouquíssimo provável
que ocorra uma tentativa de golpe. Entre outras coisas, o golpe de 1964 foi o
resultado de uma aliança de militares fascistas com empresários gananciosos e
primários, mas a prática demonstrou que também os mais ricos perdem com a
ditadura.
Blog da Cidadania – O Supremo Tribunal Federal deu
tratamentos opostos aos ditos mensalões tucano e petista. No caso envolvendo o
PSDB, houve desmembramento da ação, com o STF enviando para a primeira
instância o caso do ex-senador Eduardo Azeredo, apesar de ele ter renunciado
com o fim de não ser julgado naquela instância; no caso do PT, José Dirceu,
entre outros, foi julgado pelo STF mesmo sem foro privilegiado. Esse fato é
compatível com o regime democrático?
Dalmo Dallari – Foi lamentável a decisão equivocada,
claramente equivocada, do Supremo Tribunal Federal, de julgar acusados que não
gozavam do foro privilegiado. Ele julgou sem ter competência jurídica para
tanto. Esse equívoco, afrontando disposições constitucionais expressas, foi
contrário ao regime democrático e foi um mau momento do Supremo Tribunal
Federal, que tem por função precípua a guarda da Constituição. Continuo
confiando no Supremo Tribunal Federal e esperando que ele dê exemplo do
respeito à Constituição e acredito que hoje não se repetiria o equívoco.
Blog da Cidadania – Como o senhor avalia o comportamento da
imprensa brasileira no âmbito da crise política?
Dalmo Dallari – É lamentável reconhecer isso, mas a grande
imprensa brasileira, em relação a vários temas, deixa perceber que tem
orientação influenciada por um direcionamento político. Assim, é mais do que
evidente que existe verdadeira obsessão contra o Lula, o petismo e qualquer
pessoa ou atividade que possa parecer ligada a isso, por simples coincidência
de algumas posições. Mas é positivo o fato de que a imprensa, embora tendo dado
mais espaço do que o razoável à fantasia do impeachment, não prega nem apoia um
golpe de Estado e dá certa contribuição, podendo dar muito mais, ao
aperfeiçoamento do regime democrático.
Blog da Cidadania – Como o senhor avalia o comportamento do
Ministério Público no âmbito da crise política?
Dalmo Dallari – O Ministério Público foi extraordinariamente
valorizado pela Constituição de 1988 e, essencialmente, tem estado à altura de
suas responsabilidades, desempenhando com independência e firmeza suas
atribuições, que muitas vezes envolvem o enfrentamento com personalidades que
ocupam posições de prestigio na vida pública. Algumas vezes tem havido excesso
de rigor e desbordamento das limitações constitucionais, havendo algumas
situações excepcionais de omissão na proteção de direitos que lhe cumpre
tutelar, mas o Ministério Público tem dado contribuição muito relevante para a
busca de efetividade dos direitos consagrados na Constituição.
Blog da Cidadania – Como o senhor avalia o comportamento da
Polícia Federal no âmbito da crise política?
Dalmo Dallari – A extrema diversidade de situações em que
teve que agir ou resguardar direitos torna difícil uma avaliação genérica da
Polícia Federal. Mas, numa síntese, ela tem cumprido bem seu papel
constitucional e é merecedora do apoio e da confiança do povo brasileiro.
Blog da Cidadania – Como o senhor avalia o comportamento do
STF no âmbito da crise política?
Dalmo Dallari – Numa avaliação do conjunto de seu
desempenho, o Supremo Tribunal Federal tem atuado com independência, firmeza e
competência, sendo hoje um dos verdadeiros pilares de sustentação da ordem
jurídica democrática consagrada na Constituição de 1988. Ele pode e deve ser
aperfeiçoado, para que, entre outras coisas, possa desempenhar com eficiência e
rapidez suas importantes atribuições. Para tanto, venho sustentando a
conveniência de que o Supremo Tribunal seja convertido em Tribunal
Constitucional e se concentre em seu papel extremamente relevante de guarda da
Constituição, deixando aos demais Tribunais superiores as decisões que hoje
sobrecarregam a Corte Suprema.
Blog da Cidadania – Professor Dallari, a partir dessas
respostas gostaria de aprofundar algumas delas em uma segunda entrevista, se
possível presencial. Quando seria possível?
Dalmo Dallari – Eduardo, na próxima semana já estarei de
volta a São Paulo e poderemos manter contato.
Blog da Cidadania – Professor Dallari, agradeço imensamente
a atenção. Ligo para o senhor na semana assim que estiver no Brasil.
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