Jurista gaúcho Jacques Távora Alfonsin afirma que os crimes
descobertos pela Operação Zelotes, da Polícia Federal, são superiores aos da
Lava Jato, mas não devem despertar a mesma atenção dos meios de comunicação;
até porque um deles, o grupo RBS, está envolvido; Alfonsin lembra que a RBS, de
Eduardo Sirotsky, é suspeita de pagar R$ 15 milhões para obter redução de
débito fiscal de cerca de R$ 150 milhões; "A existência de razões, porém,
para a sua pregação moral já se encontrar sob suspeita de hipócrita e cínica,
não há como negar. Se andou usando e abusando da tão proclamada liberdade de
iniciativa, fazendo o que fez, e da não menos defendida liberdade de expressão,
para mentir, não vai dar mais para recolher as pedras que andou lançando sobre
a moral alheia e a conduta política do governo", afirma
29 de Março de 2015 às 13:01
Quando a propina é de grandes sonegadores de imposto, aí não
há corrupção?
Por Jacques Távora Alfonsin
A maior parte das denúncias de corrupção levadas ao
conhecimento do povo, nesses dias, tem sido feita por aquela parte da mídia,
porta-voz tradicional das “virtudes morais e patrióticas” de grandes grupos
econômicos. Empresárias/os ricas/os, dotadas/os de um empreendedorismo típico
do capital indispensável ao progresso do país, seriam vítimas inocentes de um
Estado corrupto, ineficiente, perdulário, adversário disfarçado do livre
mercado.
Essa campanha “civilista” ganhou um impulso extraordinário
nos últimos tempos por força do caso Petrobras. Qualquer indício de mal feito
chega a sociedade como prova indiscutível de imoralidade, a merecer de todas/os
as/os brasileiras/os a execração pública da/o denunciada/o e do “mar de lama”
onde está se afogando o governo do país.
Esse veneno começa a ser ingerido agora por quem mais tem se
dedicado a tornar manifesto seu passado de moral ilibada, o seu zelo pelo
respeito devido à ética, seja a pública, seja a privada, a pureza de suas
intenções em punir as pessoas responsáveis por tais crimes.
O Correio do povo deste sábado, 18 de março, indicando como
fonte o Estadão, noticia estar a Polícia Federal apurando desvios de R$ 19
bilhões na Receita de bancos e empresas:
“Os bancos Bradesco, Santander, Safra, Pactual e Bank
Boston, as montadoras Ford e Mitsubishi, além da gigante da alimentação BR
Foods são investigados por suspeita de negociar ou pagar propina para apagar
débitos com a Receita Federal no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
(Carf). Na relação das empresas listadas na operação Zelotes também constam
Petrobras, Camargo Corrêa e a Light, distribuidora de energia do Rio.”
“O grupo de comunicação RBS é suspeito de pagar R$ 15
milhões para obter redução de débito fiscal de cerca de R$ 150 milhões. No
total, as investigações se concentram sobre débitos da RBS que somam R$ 672
milhões, segundo investigadores. O grupo Gerdau também é investigado pela
suposta tentativa de anular débitos que chegam a R$ 1,2 bilhão. O banco Safra,
que tem dívidas em discussão de R$ 767 milhões, teria sido flagrado negociando
o cancelamento dos débitos.” “Estão sob suspeita, ainda, processos envolvendo
débitos do Bradesco e da Bradesco Seguros no valor de R$ 2,7 bilhões; do
Santander (R$ 3,3 bilhões) e do Bank Boston (R$ 106 milhões). A Petrobras
também está entre as empresas investigadas. Processos envolvendo dívidas
tributárias de R$ 53 milhões são alvo do pente-fino, que envolve a Polícia
Federal, o Ministério Público Federal e as corregedorias da Receita Federal e
do Ministério da Fazenda.”
Na edição de março do Le Monde Diplomatique, igualmente,
Silvio Caccia Bava exibe dados relativos aos expedientes utilizados por
poderosas empresas e pessoas ricas, valer-se da prática da corrupção para
sonegar o pagamento de impostos. Embora sem poupar a responsabilidade do Poder
Público em bem fiscalizar e impedir tais ilícitos, afirma:
“Existem também, mecanismos utilizados pelas grandes
empresas multinacionais que atuam no Brasil, que se valem de expedientes de sub
e sobrefaturamento para promover a evasão fiscal. Isto é, deixar de pagar
impostos e transferir ilegalmente riqueza para fora do país. A Tax Jusfice
Network identifica, com base em dados do Banco Mundial, que a evasão fiscal no
Brasil, em 2011, foi de 13,4% do PIB, algo como US$ 280 bilhões. Os impostos
mais sonegados são o INSS, o ICMS e o Imposto de Renda. Mas não para por aí. As
dívidas reconhecidas pela Receita Federal de impostos das multinacionais que
operam no Brasil, em 2012, somam R$680 bilhões.” (…) “Em meio ao escândalo do
SBC, o segundo maior banco do mundo, identificaram-se 8.667 brasileiros que
sonegaram ou o lavaram dinheiro fora do país por meio dessa instituição. São
bilhões de dólares por ano. Eles são parte da elite econômica do nosso país,
acostumada a tudo poder. O que vai acontecer com eles?”
Diante de uma realidade como essa, pelo que se está apurando
até agora, os valores de desvio de dinheiro da Petrobras são até
significativamente inferiores, mas a conveniência de serem expostos como únicos
e reprováveis se vale do exemplo de inocência do quero-quero, para até isso
deturpar. Gritando estridentemente bem longe do ninho justamente para esconder
o lugar onde esse se encontra, a avezinha despista agressores, defende e salva
a vida dos seus filhotes. A corrupção moral desses poderosos grupos econômicos,
bem ao contrário, grita para esconder seus ninhos de reprodução, cirando
injustiça social e morte, pelo volume do dinheiro público que eles roubam,
dessa forma retirando do que é devido ao povo, em serviços públicos de
qualidade, os recursos necessários para garantir sua dignidade, cidadania,
bem-estar e bem viver.
A sonegação de imposto é crime, previsto em várias leis, uma
delas ainda de 1965 (lei 4729) e pode fazer cair sobre esses grupos econômicos
uma espécie de “ficha suja” suficiente para servir de impedimento – note-se a
ironia dessa palavra para quantos desses grupos, direta ou indiretamente, estão
defendendo o impeachment da Presidenta Dilma – para muitos dos seus negócios.
Essa, entre muitas outras evidentemente, uma das razões de
não se imitar, nem como represália, a conduta imoral de algumas dessas
empresas, grupos de mídia e pessoas, antecipando como verdadeiros os fatos ora
investigados pela Polícia Federal contra elas. A existência de razões, porém,
para a sua pregação moral já se encontrar sob suspeita de hipócrita e cínica,
não há como negar. Se andou usando e abusando da tão proclamada liberdade de
iniciativa, fazendo o que fez, e da não menos defendida liberdade de expressão,
para mentir, não vai dar mais para recolher as pedras que andou lançando sobre
a moral alheia e a conduta política do governo.
Se a própria moral delas estiver sem a mesma ou pior
condição dos pecados por ela atribuídos às outras, com a mesma ou maior
publicidade impõe-se agora ser provada.
* Jacques Távora Alfonsin é procurador aposentado e advogado
de movimentos populares
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