"A situação do Brasil é bem menos grave
do que a da Abril e a da Globo"
Se Mino Carta citou Jesus numa conversa sobre os protestos,
me sinto autorizado a fazer isso também. Minha citação é: “Não julgue para não
ser julgado.”
Por Paulo Nogueira, no Diário do Centro do Mundo*
Penso, especificamente, nas grandes empresas de jornalismo.
A Globo, por exemplo. Acaba de sair a notícia de que o
Jornal Nacional bateu na histórica marca de 20 pontos de Ibope – uma migalha
para quem já teve duas, três vezes isso.
Abaixo dos 20, o dilúvio.
Nos mesmos dias, soube-se que Babilônia, a nova novela, caiu
vertiginosamente no espaço de uma semana.
E o BBB, como desgraças andam juntas, teve na semana passada
a pior sexta de sua existência no Brasil.
A Globo bate sucessivos recordes negativos.
E então vamos a meu ponto: de quem é a culpa?
Se você julgar a Globo como seus comentaristas julgam o
governo, a culpa é exclusivamente da própria Globo.
O diretor de telejornalismo Ali Kamel e o apresentador
William Bonner teriam que ser impiedosamente despedidos pelos números
catastróficos da audiência em sua gestão.
Na área de entretenimento, demissões sumárias teriam também
que ocorrer. Novelas que se esfolam para bater em 30 pontos são uma vergonha
para quem chegou a ter 100% dos televisores em últimos capítulos, como Selva de
Pedra.
Feitas as demissões, os irmãos Marinhos teriam que se
auto-substituir, como fez um jogador africano na Holanda depois de uma vaia
interminável de sua própria torcida.
Atribuir a outras coisas?
Veja como a Globo lida com isso quando Dilma coloca o Brasil
dentro de um contexto de crise global.
Pergunte a Kamel, ou a Bonner, ou a Míriam Leitão, ou a
Merval, ou a quem for, qual a causa da derrocada das audiências da Globo – não
apenas na tevê, mas em mídias como jornal, revista e rádio.
Ninguém, com certeza, dirá que a responsabilidade é da
própria Globo. Ninguém admitirá falta de qualidade nos telejornais, ou nas
novelas, ou na falta de capacidade de inovar na administração e nos produtos.
A culpa está lá fora.
Da mesma forma, pergunte aos Civitas como a Abril, em tão
pouco tempo, se tornou uma empresa morta em vida.
Gestão ruinosa? Conteúdos desvinculados do espírito do
tempo? Más escolhas, como Fabio Barbosa?
Mais uma vez, o problema está lá fora.
Muito bem. Por que circunstâncias externas valem para as
empresas, e só para elas?
Todos sabem as restrições editoriais que faço à Globo e à
Abril, e trabalhei nelas tempo suficiente para saber que não são administradas
com excelência. (É o lado B de empresas que gozam de reserva de mercado e
outras mamatas. Como filhos mimados, têm dificuldade em se virar fora de
ambientes protegidos.)
Mas, com tudo isso, é inegável que o mundo externo responde
e muito pela crise que Globo e Abril enfrentam.
A internet transformou seus produtos em velharias.
Mesmo que a Globo fizesse o melhor jornalismo do mundo, uma
coisa do padrão da BBC, e ainda que a Abril fosse administrada por Rupert
Murdoch, as coisas continuariam complicadas, dado o poder disruptivo da
internet.
A situação do Brasil é bem menos grave do que a da Abril e a
da Globo. Como a agência de avaliação de risco S&P avaliou ontem, o Brasil
continua a ser um bom porto para os investidores.
A economia, previu a S&P, deve ter um soluço em 2015,
uma queda de 1% no PIB, para voltar a crescer 2% em 2016.
Se Dilma for hábil em poupar os mais desfavorecidos, não
haverá grandes problemas sociais – ou mesmo pequenos.
De novo: as empresas de mídia enfrentam desafios imensamente
maiores que os do Brasil. A rigor, o cemitério as aguarda, a alguns quarteirões
de distância.
Tudo isso considerado, seria uma injustiça atribuir o drama
delas apenas a elas mesmas.
É o que elas fazem ao examinar as dificuldades econômicas do
momento. Tudo culpa do governo, segundo elas.
Isso mostra cinismo, falta de visão e – a palavra é dura,
mas não há outra mais precisa – um tipo de canalhice que faz você não lamentar
o estado terminal em que elas se encontram.
*Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de
notícias e análises Diário do Centro do Mundo.
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