Autor: Miguel do Rosário
A corrupção voltou ao centro da luta política. Não temos,
portanto, como fugir a um debate franco e duro sobre o tema.
O governo é corrupto?
O PT, o partido do governo, é corrupto?
Antes, porém, de entrar nesse debate, gostaria de fazer
alguns comentários sobre essa volúpia, à esquerda e à direita, em malhar o
governo, o PT e a presidenta Dilma.
A volúpia nasce da constatação do que consideramos erros,
mas também desse instinto igualitarista tão próprio da democracia: ao criticar,
como que reduzimos a desigualdade de poder entre o governado e o governante.
O governante pontifica lá de cima, no palácio, dispondo de
instrumentos de poder que nunca teremos. Nossa pequena vingança é criticá-lo
impiedosamente. Ou mesmo xingá-lo. Daí resulta um processo inevitável de
desgaste que afeta toda e qualquer administração.
Isso explica também as lágrimas de Dilma Rousseff, no dia
seguinte àquela grande manifestação do dia 15 de março, em São Paulo.
Num discurso emocionado, a presidenta observou que nunca
mais, no Brasil, alguém seria perseguido por criticar um governante, mesmo que
duramente, mesmo que com palavras de baixo calão.
Seja como for, uma das grandes qualidades da nossa
democracia foi a conquista dessa liberdade, para a qual contribuíram a sólida
virtude democrática de todos os presidentes que tivemos, desde Sarney. Todos
eles, com seus infinitos defeitos, jamais fizeram movimentos para tolher a
liberdade da população de exercer o seu sagrado direito de criticá-los.
Essa não é uma virtude universal na classe política. Nos
últimos anos, inúmeros prefeitos e governadores usaram seu poder para reprimir
com truculência manifestações críticas às suas gestões. Os exemplos de José
Serra e Aécio Neves são os mais conhecidos. Ambos ganharam a triste fama de
criarem um sistema de repressão branca, baseado sobretudo na demissão de
jornalistas e colunistas que fugiam do script de apoio incondicional que eles
exigiam dos órgãos de imprensa locais. No caso de Aécio, a coisa foi ainda mais
grave, com perseguição judicial e penal a um jornalista crítico a seu governo.
Por outro lado, a virtude democrática, de aceitação serena
da crítica, na medida em que foi característica de todos nossos presidentes
após a morte de Tancredo, não é mais um diferencial. Passou a ser, muito
saudavelmente, uma obrigação de ofício. Continua a ser uma virtude, mas não
merece mais nossa gratidão.
Até porque o governante, ciente de que suportar estoicamente
a crítica mais virulenta é uma virtude, não pode recair no risco de se tornar
tão cínico a ponto de se auto-elogiar pela suposta magnanimidade de permitir
que seja criticado.
Em outras palavras, o governante não pode converter a crítica
dura que setores sociais fazem a ele numa virtude pessoal.
No entanto, parece ser justamente isso que acomete Dilma
Rousseff. Sua reação às críticas que lhe são feitas, à esquerda e à direita,
parece ser a de um líder que, ao ouvir o populacho lhe xingando lá embaixo,
olha-se ao espelho e se auto-elogia: eu sou tão democrata! Eu sou tão boa! Eu
sou tão generosa! Nem ligo para as pessoas que me xingam nas ruas! Eu lhes
perdôo!
O autoritarismo, sorrateiramente, se infiltra e contamina a
mais democrática das virtudes. A virtude de tolerar as críticas então se
transforma no vício de lhes ser indiferente!
*
A semana passada terminou razoavelmente positiva para o
governo, o que significa que perdeu da mídia de oposição de uma goleada menor
do que de costume.
A nomeação de dois novos ministros criou (embora involuntariamente,
visto que o governo não planejou a demissão dos titulares anteriores) dois
fatos positivos.
Edinho Silva criou um fato positivo por representar um
pequeno ato de valentia do governo. Silva não é nenhum gênio de comunicação, e
sua competência e coragem ainda serão postas à prova, mas apenas o fato do
governo não ter nomeado, como queria a mídia, e como tem sido praxe desde o
início do governo Dilma, uma pessoa “deles”, um profissional oriundo da própria
mídia, um amiguinho de editores e repórteres, repercutiu bem de maneira geral.
À esquerda, houve um estremecimento, do tipo: será que agora vai? À direita,
outro tipo de arrepio, do tipo: ué, não tínhamos bebido todo o sangue do
governo, como assim ainda restou um pingo de força e independência?
A nomeação do novo ministro da Educação, Renato Janine
Ribeiro, por sua vez, ajudou a melhorar a imagem do governo. Dilma seguiu o
conselho dos que lhe sugeriam trazer para o governo nomes com prestígio social.
Isso é fazer a batalha da comunicação.
Aliás, um amigo, o responsável pela comunicação do MST, o
jornalista Igor Felippe, escreveu um texto, há pouco tempo, em que fala que o
problema do governo não é a comunicação, mas a sua política, de maneira geral.
Ora, esse também é o erro do governo e do PT. De entender a
comunicação como uma instância separada do todo. A comunicação é o todo.
Não se trata apenas do que as pessoas ouvem do governo, mas
sobretudo aquilo que as pessoas vêem no governo. Neste sentido é que o anúncio
de um novo ministro constitui um valioso instrumento de comunicação.
A nomeação de Janine foi positiva.
A de Katia Abreu, independente da possibilidade de ser uma
boa ministra da Agricultura, representante do agronegócio, foi uma péssima
comunicação. Quer dizer, foi um esforço de agradar um setor, mas não foi
inteligente, porque não trouxe equilíbrio. Não houve planejamento enquanto
comunicação.
*
Vamos ao tema da corrupção, central no debate político de
hoje.
Como dizia, a semana passada encerrou de maneira
relativamente positiva para o governo também em função de uma nova grande
operação da Polícia Federal, a Zelotes, contra grandes sonegadores.
A operação abre a oportunidade do governo retomar a
narrativa da corrupção não mais como réu da mídia, mas como protagonista na
luta contra a corrupção.
Entretanto, mais uma vez, o governo está perdendo a ocasião.
A presidenta Dilma tem um twitter com 3,3 milhões de
seguidores. No momento em que eu escrevo, na manhã da terça-feira 31 de março,
a última mensagem, de seis dias atrás, é uma nota fúnebre pela queda do avião
da Germanwings.
Tenho criticado, com sarcasmo cheio de amargura, essa mania
mórbida da equipe de comunicação de Dilma de transformar seu twitter em coleção
de necrológios.
De seis dias para cá, a presidenta nomeou dois ministros, em
cargos estratégicos, a PF iniciou uma operação impressionante, com capacidade
de mudar a imagem do governo, e o twitter da presidenta lamenta a queda de um
avião nos alpes suíços! Um problema que sequer diz respeito ao Brasil, quanto
mais ao governo brasileiro!
*
O Cafezinho não se pretende imparcial. Tento ser honesto,
apenas. Acho bobagem, da mesma forma, a máxima de que “jornalista não pode ter
amigo”. Esse é um dogma, me parece, inventado por donos de jornal, que podem
ter amigos à vontade, mas querem que seus empregados ajam como robôs, sem
vontade própria, seguindo exclusivamente as ordens e os ditames da redação.
Se um amigo cometer um crime que o jornalista considerar
grave o suficiente, dê fim à amizade, e faça a denúncia.
Ou então, encaminhe o caso para outro profissional fazê-lo.
Pretender que o jornalista “não tenha amigos”, é uma
violência, ou melhor, uma dessas máximas puramente hipócritas, porque é evidente
que o jornalista terá os amigos que quiser, só que os ocultará de seus leitores
ou mesmo de seus patrões.
*
No entanto, o escopo do artigo de hoje é expressar uma coisa
sobre a qual ando discutindo com alguns parentes nos últimos dias.
Uma das críticas pertinentes que se faz aos petistas é a
seguinte: não tem sentido responder às acusações de corrupção apenas acusando o
adversário de roubar também.
Então volto a fazer as perguntas do início do post: o PT é
corrupto? O governo é corrupto?
Acho que, a esta altura, o eleitorado petista, que é
vencedor (apesar do próprio governo não se dar conta, ou não demonstrar isso,
ao não dialogar com ele), responde essas perguntas da seguinte maneira:
Sim, o PT tem e teve quadros envolvidos em corrupção. Em
alguns casos, há manipulação da mídia, mas em outros, há corrupção concreta, ou
omissão, ou cumplicidade.
O governo também. Há e houve corrupção no governo e nas
estatais. Isso é inegável.
No entanto, esse eleitorado reage a essa acusação com os seguintes
raciocínios:
1) Hoje há combate de verdade à corrupção, inclusive àquela
incrustada dentro do PT e do governo. Antes, não havia combate à corrupção,
sobretudo aquela que contamina o poder.
2) Entende que o outro pólo político, dos partidos antipetistas,
não é melhor em termos éticos.
3) O outro lado, além de roubar mais, não investiga e não
combate o roubo.
4) Além de ser corrupto, o outro lado não tem preocupação
social, e não é confiável do ponto-de-vista do interesse nacional e do
trabalhador.
*
Eu fico meditando, às vezes, sobre como o futuro julgará os
governos petistas em termos de ética.
Decerto não será o mesmo julgamento da imprensa partidária,
nem da opinião pública contemporânea, mergulhada até o pescoço nas paixões
políticas.
E aí eu fico pensando nesta ironia: o fato de termos, hoje,
instituições que investigam o próprio governo e o partido no poder com total
autonomia e independência; a elevação do investimento em instituições cujo
orçamento estão sob sua responsabilidade (Polícia Federal, Controladoria Geral
da União); a inauguração de sistemas de transparência; o respeito absoluto com
que tratou da liberdade de imprensa; a escolha de ministros do Supremo que
exerceram seu cargo com independência, ou até mesmo, em alguns casos, com
parcialidade, contra o governo (sob pressão histerica da mídia).
Tudo isso não implicará numa imagem, na história, de um
governo que permitiu ao Brasil olhar para si mesmo com muito mais honestidade?
Tudo isso não implicará, ironia das ironias, na imagem do
governo que mais lutou contra a corrupção em nossa história?
Outro dia, o atual presidente da Câmara dos Deputados,
Eduardo Cunha, deu entrevista ao Globo em que reagiu da seguinte maneira a uma
pergunta do repórter, sobre abertura de inquérito sobre ele no Supremo Tribunal
Federal:
“Globo: O senhor está tranquilo quanto às acusações dos
delatores?
Cunha: Absolutamente tranquilo. (Meu advogado) falou que o
(doleiro) Youssef fala que não me conhece. Que não tem absolutamente nada
contra mim. Forçaram a barra do Youssef perguntando de mim, aí ele fala que
ouviu do Júlio Camargo. Ele não me acusa de nada. Diz que não me conhece, não
sabe nada de mim.
Globo: Mas seu nome foi incluído.
A partir de agora, estou em guerra aberta com o
(procurador-geral da República, Rodrigo) Janot. Tudo é possível. Vamos ver até
que nível que vai. Ele me escolheu. Está muito claro.
Globo: É o maior escândalo do país?
Além de ser inacreditável, foi o maior escândalo de
corrupção do mundo. O que mais me incomoda é a gente olhar que tem um escândalo
desse tamanho e achar que todo mundo está igual. É a percepção que passa quando
abre um inquérito para um e para o outro que não roubou.
Globo: O senhor acusou o governo de atuar para te
incriminar…
Eu já disse que tinha a mão do governo. Já acusei
claramente.”
*
É incrível a agressividade e o desrespeito de Cunha contra o
procurador-geral e contra o Executivo.
Além disso, repare no oportunismo dele ao tentar jogar em
favor da mídia, e classificar, ridiculamente, a Lava Jato como o “maior
escândalo de corrupção do mundo”.
Cunha fala assim porque sabe que a mídia não se interessa em
combater a corrupção, mas apenas em pegar o PT, porque, em caso contrário, ele
seria mais cuidadoso com sua linguagem, visto que seu partido tem mais gente
sendo acusada do que o PT.
Quando as paixões políticas amainarem, e for possível fazer
uma análise serena dos governos petistas, veremos dois presidentes que
enfrentaram crises terríveis sem agredir nenhuma instituição.
Nem Dilma nem Lula, mesmo no auge dos ataques furibundos que
até alguns ministros do STF, embriagados pelos holofotes, fizeram a seu
partido, jamais reagiram a truculência de um Cunha, jamais criaram um atrito
entre as instituições.
Essa lhaneza petista jamais foi reconhecida pela imprensa.
Enquanto isso, que imagem, a nossa imprensa, que é o
principal partido de oposição, terá no futuro?
Será a imagem de uma imprensa histérica, sensacionalista,
que mentiu, manipulou, desrespeitou brutalmente direitos e liberdades de
cidadãos?
Uma imprensa truculenta, que mesmo tendo enriquecido tanto
durante o regime autoritário, não teve o pudor de, no regime democrático,
respeitar o pluralismo político?
Uma imprensa que jamais esteve ao lado do povo, e que,
quando este povo conseguiu eleger governos que se interessavam por sua sorte,
fez de tudo para criminalizar e destruir esses governos?
Minha curiosidade pelo julgamento da história é
tão grande que eu desejaria entrar numa máquina do tempo e viajar ao futuro
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