Era para
ser uma festa de arromba, com eventos se sucedendo em todo o país. Grande parte
do que a TV Globo preparou para comemorar seu cinquentenário, a ser completado
no dia 26/04, está mantido, mas, sem dúvida, não terá o mesmo brilho de outras
épocas. Depois dos problemas verificados durante a sessão solene da Câmara dos
Deputados em homenagem à emissora, em que três militantes em prol da
democratização da comunicação tiveram que ser retirados da sessão por
seguranças, as festas em locais abertos ou de acesso público estão sendo
repensadas. Os cuidados se justificam.
Nunca a
audiência da TV Globo, centro do império da família Marinho, esteve tão baixa.
O Jornal Nacional, seu principal informativo, que chegou a ter 85% de
audiência, agora não passa dos 20%. Suas novelas do horário nobre estão
perdendo público para similares da TV Record. No dia 1ª de abril aconteceram
atos em prol da cassação da concessão da emissora em diversas cidades
brasileiras. O realizado no Rio e Janeiro, em frente à sua sede, no Jardim
Botânico, foi o mais expressivo e contou com 10 mil pessoas. Número
infinitamente maior participou, no mesmo horário, do tuitaço e faceboquiaço
“Foraglobogolpista”.
Artistas
globais e a viúva de Roberto Marinho integram a relação de suspeitos de crimes
de evasão fiscal e serão alvo de investigação pela CPI do Senado, criada para
analisar a lista de mais de oito mil brasileiros que têm depósitos em contas
secretas na filial do banco HSBC na Suíça. Este escândalo internacional envolve
milhares de pessoas em diversos países. A diferença é que fora do Brasil o
assunto tem tido destaque e é coberto diuturnamente, enquanto aqui, a mídia,
Globo à frente, prefere ignorá-lo ou abordá-lo parcialmente.
Além disso,
o conglomerado teria sonegado o Imposto de Renda ao usar um paraíso fiscal para
comprar os direitos de transmissão da Copa do Mundo FIFA de 2002. Após o
término das investigações, em outubro de 2006, a Receita Federal quis cobrar
multa de R$ 615 milhões da emissora. No entanto, semanas depois o processo
desapareceu da sede da Receita no Rio de Janeiro. Em janeiro de 2013, uma
funcionária da Receita foi condenada pela Justiça a quatro anos de prisão como
responsável pelo sumiço. No processo, ela afirmou ter agido por livre e
espontânea vontade.
Nem mesmo a
campanha filantrópica Criança Esperança promovida em parceira com a Unesco, se
viu livre de críticas. Um documento datado de 15 de setembro de 2006, liberado
pelo site WikiLeaks em 2013, cita que a Rede Globo repassou à Unesco apenas 10%
do valor arrecadado desde 1986 com a campanha (à época R$ 94,8 milhões). A
emissora garante "desconhecer" essa informação e afirma que
"todo o dinheiro arrecadado pela campanha é depositado diretamente na
conta da Unesco".
Como se
tudo isso não bastasse, ao assumir a postura pró-tucanos durante a campanha
eleitoral de 2014, a emissora perdeu parte da regia publicidade oficial com que
sempre foi contemplada. O governo não anuncia mais na TV Globo e nem na revista
Veja e, pelo menos até o momento, não há indícios de que o quadro esteja
prestes a se alterar. Motivos que têm levado cada dia mais repórteres e equipes
da emissora a serem alvo de protestos e recebidos aos gritos de “o povo não é
bobo. Abaixo a Rede Globo!”
Os
protestos contra a Rede Globo, pelo visto, vão continuar e existem pelo menos
10 razões para que os setores comprometidos com a democratização da mídia no
Brasil não tenham nada a comemorar neste cinquentenário.
1. O Canal 4 estava prometido à
Rádio Nacional
Em meados
de 1950, Roberto Marinho era apenas um entre os vários empresários da
comunicação no país. O magnata da época atendia pelo nome de Assis
Chateaubriand que possuía a maior cadeia de jornais, rádios e duas emissoras
nascentes de televisão. A rádio líder absoluta de audiência e mais querida do Brasil
era a Nacional, a PR-8 do Rio de Janeiro, de propriedade do governo federal. O
sucesso da Nacional era tamanho que animou seus dirigentes a solicitar que o
então presidente da República lhe concedesse um canal de TV. Constava do
currículo da Rádio Nacional já ter feito experiências pioneiras na área, ao
ocupar o canal 4 para televisionar (como se dizia na época) dois dos seus
programas.
O
presidente da República era Juscelino Kubitschek que considerou justa a
reivindicação, uma decorrência natural da liderança da emissora. Na publicação
de final de ano em 1956, a direção da Rádio Nacional anunciava para “breve” a
entrada no ar da sua emissora, a TV Nacional, canal 4, conforme compromisso
assumido por Juscelino. As concessões de canais de rádio e TV eram atribuições
exclusivas do ocupante do Executivo Federal.
Os meses se
passaram e Juscelino ”esqueceu-se” da promessa. No final de 1957, para surpresa
da direção da Rádio Nacional, o canal 4 que lhes fora prometido, acabou
concedido para a inexpressiva Rádio Globo, de Roberto Marinho. A decisão foi
condicionada por pressões diretas de Chateaubriand, que aceitava qualquer coisa
menos que a Rádio Nacional ingressasse no segmento televisivo, temendo as
consequências disso para seus negócios. Neste contexto, o canal ir para Roberto
Marinho era um mal menor.
O Brasil
perdeu assim a chance histórica de ter, no nascedouro, duas modalidades de
televisão, a comercial, representada pelas emissoras de Chateaubriand, e a
estatal voltada para o interesse público como seria a da Rádio Nacional.
2. O acordo com a Time-Life feriu os
interesses nacionais
Ao
contrário da Rádio Nacional que dispunha de todas as condições para colocar no
ar sua emissora de TV, a de Roberto Marinho precisou aguardar alguns anos. Para
a implantação da TV Globo, a partir de 1961, foi decisivo o apoio do capital
internacional, representado pelo gigante da mídia norte-americano Time-Life. A
emissora começou a operar de forma discreta em 26 de abril de 1965 e seus
primeiros meses foram um fracasso em termos de audiência.
Em junho de
1962, Marinho passou a ser apoiado com milhões de dólares, num episódio que a
emissora ainda hoje sustenta que se tratou apenas de “um contrato de cooperação
técnica”. A realidade, fartamente documentada por Daniel Herz, em sua obra já
clássica “A história secreta da Rede Globo” (1995) prova o contrário. Roberto
Marinho e o grupo Time-Life contraíram um vínculo institucional de tal monta
que os tornou sócios, o que era vedado pela Constituição brasileira. Foi este
vínculo que assegurou à Globo o impulso financeiro, técnico e administrativo
para alcançar o poderio que veio a ter.
A
importância da ligação com os norte-americanos, nos primórdios da emissora,
pode ser avaliada pela declaração do engenheiro Herbert Fiúza, que integrou a
sua primeira equipe técnica: “A Globo era inspirada numa estação de
Indianápolis, a WFBM. E o engenheiro de lá foi quem montou tudo, porque a gente
não sabia nada”.
Chateaubriand
que antes havia ficado satisfeito em inviabilizar o canal de TV para a Rádio
Nacional percebeu o risco que suas emissoras passavam a correr. Tanto que
dedicou ao “Caso Globo/Time-Life” nada menos do que 50 artigos, todos atacando
Roberto Marinho e acusando-o de receber, na época, U$S 5 milhões, repassados em
três parcelas, o que representava “uma ofensiva externa contra os competidores
internos”(Morais, 1994, p.667).
A
repercussão destas denúncias foi tamanha que a CPI criada pelo Congresso
Nacional para apurá-las acabou descobrindo que a TV Globo mantinha não um, mas
dois contratos com o grupo Time-Life. Em um deles, os norte-americanos tinham
participação de 49%. Em outras palavras, não se tratava de contrato, mas de
sociedade. A CPI pôs fim à sociedade. Mas, ao invés de sair penalizada do
episódio, a Globo foi duplamente beneficiada: Roberto Marinho ficou com o
controle total da emissora e os militares, então no poder, não tomaram qualquer
providência contra ela. A TV Globo poderia ter tido sua concessão cassada.
3. O apoio à ditadura militar
(1964-1985)
Nos anos
1960, o Brasil era visto pelos Estados Unidos como sua área de influência
direta. E a TV Globo foi fundamental para trazer para cá o way of life
norte-americano juntamente com o seu modelo de televisão. A TV comercial, um
dos tipos de emissora existentes no mundo, adquire aqui o status de única
modalidade de TV. Não por acaso, Murilo Ramos (2000, p.126) caracteriza o
surgimento da TV Globo como sendo “a primeira onda de globalização da televisão
brasileira”, que, concentrada num único grupo local, monopolizou a audiência e
teve forte impacto político e eleitoral ao longo das décadas seguintes.
Durante
quase 20 anos, TV Globo e governos militares viveram uma espécie de simbiose.
Os militares, satisfeitos por verem nas telas da Globo apenas imagens e textos
elogiosos ao “país que vai para a frente” retribuíam com mais e mais benesses e
privilégios para a emissora. A partir de 1968, com a edição do AI-5, o país
mergulhou no “golpe dentro do golpe”, com prisão e perseguição a todos os
considerados inimigos e adversários do regime e a adoção de censura prévia aos
veículos de comunicação.
A TV Globo
enfrentou alguns casos de censura oficial em suas telenovelas, mas o que
prevaleceu na emissora foi o apoio incondicional de sua direção aos militares
no poder e a autocensura por parte da maioria de seus funcionários.
Ainda hoje
não falta quem se recorde de situações patéticas em que o então apresentador do
Jornal Nacional, Cid Moreira, mostrava aos milhares de telespectadores
brasileiros cenas de um país que se constituía “em verdadeira ilha de
tranquilidade”, enquanto centenas de militantes de esquerda eram perseguidos,
presos, torturados ou mortos nas prisões da ditadura. Some-se a isso que a TV
Globo sempre se esmerou em criminalizar quaisquer movimentos populares.
4. O combate permanente às TVs
Educativas
Desde 1950
que as elevadas taxas de analfabetismo vigentes no Brasil eram uma preocupação
constante para setores nacionalistas e de esquerda. Uma vez no poder, algumas
alas militares viram na radiodifusão um caminho para combater a subversão e, ao
mesmo tempo, promover a integração nacional. O resultado disso foi que, em
1965, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) solicita ao Conselho Nacional de
Telecomunicações a reserva de 48 canais de VHF e 50 de UHV especificamente para
a televisão educativa.
O número
era dos mais significativos e poderia ter representado o começo de canais
voltados para os interesses da população, a exemplo do que já acontecia em
outras partes do mundo. Pouco depois do decreto ser publicado, Roberto Marinho
começa a agir para reduzir sua eficácia. E, na prática, conseguiu seu intento.
O decreto-lei nº 236 de março de 1967 se, por um lado, formalizava a existência
das emissoras educativas, por outro criava uma série de obstáculos para que
funcionassem. O artigo 13, por exemplo, obrigava estas emissoras a transmitir
apenas “aulas, conferências, palestras e debates”, ao mesmo tempo em que
proibia qualquer tipo de propaganda ou patrocínio a seus programas. Traduzindo:
as TVs Educativas estavam condenadas à programação monótona e à falta crônica
de recursos.
Como se
isso não bastasse, o artigo seguinte fechava o cerco a estas emissoras,
determinando que somente pudessem executar o serviço de televisão educativa a
União, os Estados, municípios e territórios, as universidades brasileiras e
alguns tipos de fundações. Ficavam de foram, por exemplo, sindicatos e as mais
diversas entidades da sociedade civil.
Dez anos
após este decreto-lei, apenas seis emissoras educativas tinham sido criadas no
país, número muito distante dos 98 canais disponíveis. As emissoras educativas
não conseguiam avançar, esbarrando na legislação que lhes obrigava a viver
exclusivamente do minguado orçamento oficial, ao passo que as televisões
comerciais, em especial a Globo, experimentavam crescimento sem precedentes.
Crescimento que contribuiu para cristalizar, em parcela da população
brasileira, a convicção de que a emissora de Roberto Marinho é sinônimo de
qualidade.
5. O programa global dos telecursos
Oficialmente,
o projeto tinha o nome de Educação Continuada por Multimeios e envolvia um
convênio entre a Secretaria de Cooperação Econômica e Técnica Internacional
(Subin) da Secretaria de Planejamento da Presidência da República, o BID, a
Fundação Roberto Marinho e a Fundação Universidade de Brasília (FUB).
Aparentemente, o seu objetivo era nobre: “o atendimento à educação de população
de baixa renda do país, mediante a utilização e métodos não tradicionais de
ensino”.
Na versão
inicial, o convênio possuía 15 cláusulas, com a FRM assumindo a condição de
entidade executora e a FUB a de sua coexecutora. Na prática, o convênio ficou
conhecido como Programa Global de Telecursos e atendia exclusivamente aos
interesses da FRM. Através dele, a FRM pretendia, sem qualquer custo,
apoderar-se do milionário “negócio” da teleducação no Brasil. Para tanto,
esperava contar com recursos nacionais e internacionais inicialmente da ordem
de US$ 5 milhões embutidos em um pacote de U$S 20 milhões solicitados pela
Subin ao BID no início de 1982.
A parceria
com a FUB era importante por ela ser uma entidade voltada para o ensino público
e estar isenta de impostos para a importação dos equipamentos necessários à
montagem de um centro de produção televisiva a custo zero. Em outras palavras,
a FRM pretendia tornar-se a administradora da verba (nacional e internacional)
destinada às televisões educativas no Brasil, geridas pela Funtevê, entidade
governamental. Imediatamente, a Funtevê deixou nítido que o convênio exorbitava
as competências da FRM e da própria UnB. É importante assinalar que pela UnB um
dos raros entusiastas deste convênio era o seu então reitor, capitão de
Mar-e-Guerra, José Carlos Azevedo.
A discussão
em torno deste convênio e da tentativa das Organizações Globo de apropriarem-se
dos recursos destinados às TVs educativas brasileiras ganham a imprensa
nacional no final de 1982 e início de 1983. Matéria publicada pelo jornal Folha
de S. Paulo em 17/04/1983, sob o título de “Globo poderá monopolizar
teleducação”, tratava o assunto em forma de denúncia. O “tiroteio” entre os
jornais Globo e Folha de S. Paulo durou vários meses e o convênio, que acabou
não sendo assinado, só foi sepultado três anos depois, com o fim do regime
militar. Sem muita cerimônia, o então secretário-executivo da FRM, José Carlos
Magaldi, chegou a admitir que: “é óbvio que não fazemos teleducação por
patriotismo”.
Esta não
foi a primeira e nem a última tentativa das Organizações Globo de se apoderarem
da teleducação no Brasil. Aliás, a FRM tem, nos dias atuais, representado o
Brasil em vários fóruns internacionais sobre educação e teleducação. O MEC sabe
disso?
6. O caso Proconsult e o combate a
Leonel Brizola
Antes dos
petistas, Leonel Brizola foi um dos políticos brasileiros mais combatidos pela TV
Globo e por seu fundador, Roberto Marinho. Marinho nunca o perdoou pelo fato de
ter comandado a “rede da legalidade”, nome que receberam as emissoras de rádio
que, quando da renúncia de Jânio Quadros à presidência da República, em 1961,
passaram a defender a posse de seu vice, João Goulart. Brizola, então
governador do Rio Grande do Sul, era cunhado de Goulart.
Com a
vitória do golpe civil-militar de 1964, Brizola foi para o exílio e só pode
retornar ao Brasil com a anistia, em 1979. Político com fortes compromissos
populares, em 1982 disputava o governo do Rio de Janeiro, pelo PDT, partido
criado por ele.
O Caso
Proconsult foi uma tentativa de fraude nas eleições de 1982 para impossibilitar
a vitória de Brizola. Consistia em um sistema informatizado de apuração dos
votos, feito pela empresa Proconsult, associada a antigos colaboradores do
regime militar. A mecânica da fraude consistia em transferir votos nulos ou em
branco para que fossem contabilizados para o candidato apoiado pelas forças
situacionistas, Moreira Franco, do PDS.
As regras
da eleição de 1982 impunham que todos os votos (de vereador a presidente da
República) fossem em um mesmo partido. Portanto, estimava-se um alto índice de
votos nulos. Os indícios de que os resultados seriam fraudados surgiram da
apuração paralela contratada pelo PDT à empresa Sysin Sistemas e Serviços de
Informática que divergiam completamente do resultado oficial. Outra fonte que
obtinha resultados diferentes dos oficiais foi a Rádio Jornal do Brasil.
Roberto Marinho foi acusado de participar no caso.
A fraude
foi extensamente denunciada pelo Jornal do Brasil, na época o principal
concorrente de O Globo no Rio e relatada posteriormente pelos jornalistas Paulo
Henrique Amorim, Maria Helena Passos e Eliakim Araújo no livro “Plim Plim, a
peleja de Brizola contra a fraude eleitoral” (Conrad editores, 2005). Devido à
participação de Marinho no caso, a tentativa de fraude é analisada no
documentário britânico Beyond Citizen Kane, de 1993. A TV Globo, por sua vez,
defendeu-se argumentando que não havia contratado a Proconsult e que baseava a
totalização do votos daquela eleição na totalização própria que O Globo estava
fazendo.
Em 1994,
Brizola venceu novamente Roberto Marinho e a TV Globo ao obter, na Justiça,
direito de resposta na emissora. Em 15 de março, um constrangido Cid Moreira
(que por 27 anos esteve à frente da bancada do jornal Nacional) leu texto de
440 palavras que a Justiça obrigou a TV Globo a divulgar em seu telejornal mais
nobre.
Foram cerca
de três minutos nos quais Cid Moreira, a cara do JN, incorporou Leonel Brizola,
então governador do Rio de Janeiro, no mais célebre e então inédito direito de
resposta, que abriu caminho para que outros cidadãos buscassem amparo legal
contra barbaridades cometidas pela mídia brasileira.
7. Ignorou as Diretas-Já
O PMDB
lançou, em dezembro de 1983, uma campanha nacional em apoio à emenda do seu
deputado Dante de Oliveira (MT) que restabelecia as eleições diretas no país
com o slogan “Diretas-Já”. O primeiro grande comício aconteceu em São Paulo, em
25 de março do ano seguinte, e coincidiu com o 430º aniversário da cidade. A TV
Globo ignorou o comício que reuniu mais de um milhão de pessoas na Praça da Sé.
Reportagem do Fantástico sobre o assunto falava apenas em comemorações do
aniversário de São Paulo. Omissões semelhantes aconteceram em relação a outros
comícios pelas Diretas-Já em cidades como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e
Salvador.
De acordo
com o ex-vice-presidente das Organizações Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho,
o Boni, em entrevista ao jornalista Roberto Dávila, na TV Cultura, em dezembro
de 2005, foi o próprio Roberto Marinho, quem determinou a censura ao primeiro
grande comício da campanha pelas Diretas-Já.
Segundo
Boni, àquela altura "o doutor Roberto não queria que se falasse em
Diretas-Já" e decidiu que o evento da Praça da Sé fosse transmitido
"sem nenhuma participação de nenhum dos discursantes”. Para Boni, aliás,
no caso das Diretas-Já houve uma censura dupla na Globo: “primeiro, uma censura
da censura; depois, uma censura do doutor Roberto”.
A versão de
Boni é diferente da que aparece no livro "Jornal Nacional - A Notícia Faz
História", publicado pela Jorge Zahar em 2004, e que representa a versão
da própria Globo para a história de seu jornalismo. O texto não faz nenhuma
referência a uma intervenção direta de censura por parte de Roberto Marinho.
Aliás, a
Globo vem tentando reescrever a sua história e, ao mesmo tempo, reescrever a
própria história brasileira. Isto fica nítido, por exemplo, quando se compara a
história brasileira com a versão que é publicada pela Globo através dos
verbetes do Memória Globo. Pelo visto, a emissora aposta na falta de memória e
na pouca leitura da maioria dos brasileiros para emplacar a sua versão dos
fatos. Foi a partir da campanha das Diretas-Já que teve início a utilização,
pelos diversos movimentos populares, do bordão “o povo não é bobo. Abaixo a
Rede Globo”.
8. Manipulação do debate Collor X
Lula
Na eleição
de 1989, a primeira pelo voto direto para presidente da República desde 1964, a
TV Globo manipulou o debate entre o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva
e o do PRN, Fernando Collor. O debate era o último e decisivo antes da eleição.
No telejornal da hora do almoço, a TV Globo fez uma edição equilibrada do
debate. Para o Jornal Nacional, houve instruções para mudar tudo e detonar
Lula. Foram escolhidos os piores momentos de Lula e os melhores de Collor.
Ainda foram divulgadas pesquisas feitas por telefone segundo as quais Collor
havia vencido. Além disso, o jornalista Alexandre Garcia leu um editorial
nitidamente contra Lula e o PT.
Desde
então, pesquisas e estudos sobre este “caso clássico de manipulação da mídia”
têm sido feitas no Brasil, destacando-se as realizadas pelo sociólogo,
jornalista e professor aposentado da UnB, Venício A. Lima.
Apesar dos
esforços da TV Globo para manter a versão de que a edição deste debate foi
equilibrada, novamente seu ex-diretor José Bonifácio Sobrinho contribuiu para
derrubá-la. Depois de abordar o assunto em entrevistas à imprensa, por ocasião
do lançamento de seu livro de memórias, o ex-dirigente global deu entrevista à
própria GloboNews, canal pago da emissora, na qual admitiu, para o jornalista
Geneton Moraes Neto que, durante os debates da campanha presidencial
transmitidos pela Globo em 1989, tentou ajudar o candidato alagoano. Para
muitos, Boni só fez esta “revelação bombástica” que quase todos já sabiam, para
tentar promover seu livro.
9. Contra a democratização da mídia
Todos os
países democráticos possuem regulação para rádio e televisão. Na Grã-Bretanha,
por exemplo, a mídia e sua regulação caminharam juntas. O mesmo pode ser dito
em relação aos Estados Unidos, França, Itália e Japão. Nestes países, tão
admirados pelas elites brasileiras, nunca ninguém fez qualquer vínculo entre
regulação e censura, simplesmente porque ele não existe. No Brasil, onde a
mídia em geral e a audiovisual em particular vive numa espécie de paraíso
desregulamentado, toda vez que um governo tenta implementar aqui o que existe
no resto do mundo, é acusado de ditatorial e de querer implantar a censura.
Quando, em
2004, o governo do presidente Lula enviou ao Congresso Nacional projeto de lei
criando o Conselho Nacional de Jornalismo, uma espécie de primeiro passo para
esta regulação, foi duramente criticado pela mídia comercial, TV Globo à
frente. Desde sempre, as Organizações Globo foram contrárias a qualquer
legislação que restringisse o poder absoluto que desfruta a mídia no Brasil.
Prova disso é que o Capítulo V da Constituição brasileira, que trata da
Comunicação Social, continua até hoje sem sair do papel.
Entre
outros aspectos, o Capítulo V proíbe monopólios e oligopólios por parte dos
meios de comunicação, determina que a programação das emissoras de rádio e TV
deva dar preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e
informativas. O capítulo enfatiza, ainda, que as emissoras e rádio e TV devem
promover a cultura nacional e regional, além de estimularem a produção independente.
Todos estes aspectos mostram como a TV Globo está na contramão de tudo o que
significa uma comunicação democrática e plural.
Aliás, os
compromissos dos mais diversos movimentos sociais brasileiros com a regulação
da mídia foram reafirmados durante o 2º Encontro Nacional pelo Direito à
Comunicação, promovido pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação,
de 10 a 12 de abril em Belo Horizonte. O evento reuniu 682 participantes entre
ativistas, estudantes, militantes, jornalistas, estudiosos, pesquisadores,
representantes de entidades e coletivos de todo o Brasil. Presente ao encontro
esteve também o canadense Toby Mendel, consultor da Unesco e diretor-executivo
do Centro de Direitos e Democracia.
A Carta
final do encontro, intitulada “Regula Já! Por mais democracia e mais direitos”,
disponível na página da entidade (www.fndc.org.br) reafirma “a luta pela
democratização da comunicação como pauta aglutinadora e transversal, além de
conclamar as entidades e ativistas a unirem forças para pressionar o governo a
abrir diálogo com a sociedade sobre a necessidade de regular democraticamente o
setor de comunicação do país”.
10. Golpismo
Para vários
pesquisadores e estudiosos sobre movimentos sociais no Brasil, a mídia, em
especial a TV Globo, tem tido um papel protagonista nas manifestações contra a
presidente Dilma Rousseff e o PT. Alguns chegam mesmo a afirmar que
dificilmente estas manifestações teriam repercussão se não fosse a Rede Globo.
Em outras
palavras, a Rede Globo, tão avessa à cobertura de qualquer movimento popular,
entrou de cabeça na transmissão destas manifestações e, no domingo 15 de março,
por exemplo, mobilizou, como há muito não se via, toda a sua estrutura com o
objetivo de ampliar a dar visibilidade a estes atos. Quase 100% de seus
jornalistas estiveram de plantão. Durante o programa Esporte Espetacular,
exibido tradicionalmente nas manhãs de domingo, o esporte deu lugar para
chamadas ao vivo sobre os protestos, que, em tom de convocação, passaram a
ocupar a maior parte do tempo.
Nas
entradas ao vivo em todas as cidades onde aconteciam mobilizações, os
microfones da emissora captaram gritos de guerra contra o atual governo e
xingamentos contra a presidente. Em Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro, foi
possível ouvir inclusive palavrões. A título de comparação, as manifestações de
13 de março, que também aconteceram em todo o Brasil e defenderam a Reforma
Política, não mereceram cobertura tão dedicada do maior conglomerado midiático
da América Latina.
O diretor
da Rede Globo, Erick Bretas, que há poucas semanas, defendeu abertamente o
impeachment da presidente Dilma nas redes sociais, voltou a se pronunciar sobre
os atos do dia 15, utilizando uma frase de Bob Marley para convocar, através de
sua página no Facebook, o povo às ruas: “Get up, stand up”.
Não se sabe
se Bob Marley apoiaria a postura de Bretas, mas, sem dúvida, é fato que entre
os princípios editoriais da TV Globo não consta nem a “isenção” e muito menos o
equilíbrio que tanto prega. Por isso, talvez o melhor resumo sobre a realidade
destes protestos e a empolgação da transmissão feita pela TV Globo seja a do
professor Gilberto Maringoni, ex-candidato do PSOL ao governo de São Paulo.
Segundo Maringoni, “a manifestação principal não está nas ruas. Está na TV”.
Nas
redes sociais, internautas repudiaram a cobertura feita pela TV Globo e
alcançaram, durante 48 horas ininterruptas, para a hastag#Globogolpista, a
primeira posição entre os assuntos mais comentados do Twitter. Novos protestos
estão previstos para o dia 26/04. Razão pelo qual este promete ser o pior
aniversário da TV Globo em toda a sua história
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