Por Antonio Lassance, no site Carta Maior:
A Rede Globo não apenas escondeu. Fez pior: mentiu
deslavadamente ao dizer que a investigação do FBI sobre o esquema de propinas
na FIFA não envolvia as empresas de mídia responsáveis pelas transmissões das
copas do mundo de futebol.
O drible é facilmente revelado, primeiro, pelo próprio
quadro produzido pelo FBI para explicar o fluxo de dinheiro embolsado pelos
dirigentes da FIFA e das federações e confederações de futebol dos países.
O esquema, desenhado, mostra a relação íntima e escabrosa
entre dirigentes das entidades do futebol, empresas de marketing esportivo, os
grupos de transmissão televisiva e os patrocinadores.
Todos são não apenas suspeitos e, portanto, objeto da
investigação que está em curso. Mais que isso, já existem grupos de mídia
indiciados. O TyC Sports, canal de televisão argentino especializado em
esportes, principalmente futebol, teve seu diretor executivo, Alejandro
Burzaco, indiciado pela Justiça dos Estados Unidos, assim como Hugo Jinkis,
presidente do grupo também argentino Full Play, que além de ser uma empresa que
vende direitos de transmissão de eventos é uma empresa de mídia esportiva.
Outro exemplo é o paulista José Hawilla, dono da empresa
Traffic, que tornou-se delator grampeando conversas para o FBI, desde 2013.
Hawilla é dono de uma afiliada da TV Globo no interior de São Paulo.
Por que a Globo esconde o jogo? Certamente, porque é muito
difícil explicar como a empresa pode estar isenta de qualquer relação com os
escândalos sendo, desde décadas, a detentora da exclusividade nas transmissões
das Copas do Mundo da FIFA, um dos veios privilegiados da corrupção revelada.
Por essas e por outras é que o jornalista Juca Kfouri diz,
com razão, que o mundo das transmissões de futebol na TV pode ser mais sujo e
pesado que o das empreiteiras.
Mas há ainda mais caroço nesse angu. A Globo também está
interessada em ter a exclusividade de contar a muitos brasileiros, pela enésima
vez, uma história que é um conto da Carochinha sobre escândalos. Uma ficção em
que só há corruptos, mas não corruptores. Os vilões são os que receberam a
propina, enquanto os que pagaram se fazem de vítimas.
A moral de uma história imoral
O mais importante de qualquer conto da Carochinha é a moral
e o final da história. O "happy end" preferido pelas grandes
corporações é aquele que já vimos em outros escândalos, qual seja, o de que
elas seriam empresas grandes demais para quebrarem e caberem em uma prisão. No
máximo, trocam-se os dirigentes, mas mantêm-se as práticas.
A única vítima disso tudo é o futebol, os torcedores e os
países que recepcionam as copas. A parte do escândalo que envolve a FIFA não é
exatamente futebol. É patrocínio esportivo, exclusividade das transmissões e
lavagem de dinheiro.
Embora tenha seus próprios vilões, o escândalo da FIFA segue
o mesmo script que envolve todo empreendimento capitalista em que a suposta
concorrência do livre mercado não passa de uma fábula. Uma fábula que alguns
contam, muitos acreditam, mas nunca vemos acontecer diante de nossos olhos do
jeito que se fantasia.
Ao invés de mercado livre, as corporações criam esquemas
monopolísticos ou cartelizados, premiando generosamente agentes púbicos e
privados que patrocinam seu direito de exploração comercial absoluta e
predatória.
Qual a razão de haver propina, seja nesse caso ou de
qualquer outro escândalo? A razão está em que o lucro a ser obtido é sempre
muito maior do que o que se paga de propina, principalmente se o mercado for
dominado por poucos. Não fosse assim, não haveria interesse no negócio azeitado
pelas malas pretas.
Outro aspecto importante: o negócio que viabiliza a propina
da FIFA não é o futebol, é a lavagem de dinheiro. A propina jamais vai direto
para o bolso dos corruptos. Ela precisa ser lavada. O fato da sede da FIFA ser
na Suíça não é mera coincidência e nada tem a ver com a qualidade de seus
gramados.
Boicote a quem?
As investigações apontam que o contrato da Nike com a CBF
rendeu a Ricardo Teixeira US$ 15 milhões em propina. Outros 15 teriam ido para
Hawilla, o afiliado da Rede Globo.
São parceiros da Fifa a Adidas, a Coca-Cola, a Budweiser
(hoje de propriedade da Ambev, a mesma que patrocina a CBF com o Guaraná
Actartica), o McDonald’s, a russa Gazprom, a Visa e a Kia-Hyundai. Todas estão
sob suspeita.
A Rede McDonald’s, em 2014, renovou seu contrato anual de U$
100 milhões por ano com a FIFA. Sua exclusividade vale até a copa de 2022. A
Adidas tem contrato com a FIFA desde 1970 e, em 2014, renovou-o até 2030. Não
se sabe o valor da parceria com a entidade, mas a empresa fatura cerca de
US$2,7 bilhões por ano só no ramo do futebol.
O que fazer diante do escândalo que expõe as entranhas da
cartolagem? A resposta mais óbvia é banir corruptos e corruptores. Joseph
Blatter, Jérôme Valcke, Ricardo Teixeira e Jack Warner já estão com o nome sujo
na praça. Mas e os corruptores? O que iremos fazer com eles? O FBI e a Suíça
irão também prendê-los assim que seus CEOs passarem por Miami, Boca Ratón ou
Genebra?
Nos Estados Unidos e no Reino Unido, se esboça uma ameaça de
boicote à Copa na Rússia, por razões geopolíticas, e não éticas, muito menos
esportivas. Mas é bom perguntar: o boicote à Rússia se estenderá também à Nike,
à Coca-Cola, à Adidas, ao McDonald’s, à Budweiser? Se o Brasil for na mesma
onda, que boicote oficial se fará à Ambev e à Rede Globo?
Pensando alto, se boicotarmos a Rússia, vamos trocá-la por
quem? Pelos Estados Unidos, terra de Chuck Blazer, o megadirigente do futebol
que era conhecido, no “país sério”, como “Mister 10%”? E quem vai entrar no
lugar do Qatar? Que tal a França, de Jérome Valcke? Ou talvez a seríssima
Suíça, terra natal de Joseph Blatter e dos bancos que são a maior lavanderia de
dinheiro sujo do planeta?
Os corruptos da FIFA que foram para o banco dos réus têm um
banco de reservas pronto para substituí-los. A FIFA, a CBF, a Concacaf e outras
organizações são meros times. Claro que seria bom aproveitar o estrago
provocado pelo escândalo para derrubar e substituir toda a cartolagem que controla
o futebol.
Mais importante que mudar o time das federações e
confederações de futebol seria mudar o jogo da sonegação de impostos e da
lavagem de dinheiro que se abriga em paraísos fiscais e que se vale da livre
circulação de capitais, sem a mínima regulação.
O que o FBI tem feito é pouco mais do que matar
piolho com a unha. Faz barulho, arranca sangue e aplausos, mas não vai além
disso, a não ser que acreditemos que, na terra da Disneylândia
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