Por Dedé Rodrigues
Meus
amigos e minhas amigas ouvintes do Programa Tabira em Tempo. Em Santa Cruz de
la Sierra na Bolívia, no final da tarde da quinta-feira passada, o Papa Francisco concluiu o II Encontro dos
Movimento Populares abordando questões muito importantes sobre o mundo atual,
mas a mídia golpista com os seus grandes canais de televisão, jornais falados e escritos, não mostraram como
deviam, por certo, com medo dos cristãos tomarem consciência da gravidade do
momento que vivemos na história contemporânea por culpa de um modelo de sociedade criado pela elite e para elite econômica mundial. O papa sensível
às questões sociais deixou uma mensagem que utilizo parte dela para servir como
a reflexão da semana do nosso programa nº 14. Vale a pena ler estes paragrafos da sua intervenção: Ele
disse:
“Comecemos
por reconhecer que precisamos duma mudança. Quero esclarecer, para que não haja
mal-entendidos, que falo dos problemas comuns de todos os latino-americanos e,
em geral, de toda a humanidade. Problemas, que têm uma matriz global e que
actualmente nenhum Estado pode resolver por si mesmo. Feito este esclarecimento,
proponho que nos coloquemos estas perguntas:
-
Reconhecemos nós que as coisas não andam bem num mundo onde há tantos
camponeses sem terra, tantas Santa famílias sem tecto, tantos trabalhadores sem
direitos, tantas pessoas feridas na sua dignidade?
-
Reconhecemos nós que as coisas não andam bem, quando explodem tantas guerras
sem sentido e a violência fratricida se apodera até dos nossos bairros?
Reconhecemos nós que as coisas não andam bem, quando o solo, a água, o ar e
todos os seres da criação estão sob ameaça constante?
Então
digamo-lo sem medo: Precisamos e queremos uma mudança.
Se é
assim – insisto – digamo-lo sem medo: Queremos uma mudança, uma mudança real,
uma mudança de estruturas. Este sistema é insuportável: não o suportam os camponeses,
não o suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o suportam
os povos.... E nem sequer o suporta a Terra, a irmã Mãe Terra, como dizia São
Francisco.
Queremos
uma mudança nas nossas vidas, nos nossos bairros, no vilarejo, na nossa realidade
mais próxima; mas uma mudança que toque também o mundo inteiro, porque hoje a
interdependência global requer respostas globais para os problemas locais. A
globalização da esperança, que nasce dos povos e cresce entre os pobres, deve
substituir esta globalização da exclusão e da indiferença.
Hoje
quero reflectir convosco sobre a mudança que queremos e precisamos. Como sabem,
recentemente escrevi sobre os problemas da mudança climática. Mas, desta vez,
quero falar duma mudança noutro sentido. Uma mudança positiva, uma mudança que
nos faça bem, uma mudança – poderíamos dizer – redentora. Porque é dela que
precisamos. Sei que buscais uma mudança e não apenas vós: nos diferentes
encontros, nas várias viagens, verifiquei que há uma expectativa, uma busca
forte, um anseio de mudança em todos os povos do mundo. Mesmo dentro da minoria
cada vez mais reduzida que pensa sair beneficiada deste sistema, reina a
insatisfação e sobretudo a tristeza. Muitos esperam uma mudança que os liberte
desta tristeza individualista que escraviza.
Que posso
fazer eu, recolhedor de papelão, catador de lixo, limpador, reciclador, frente
a tantos problemas, se mal ganho para comer? Que posso fazer eu, artesão,
vendedor ambulante, carregador, trabalhador irregular, se não tenho sequer
direitos laborais? Que posso fazer eu, camponesa, indígena, pescador que
dificilmente consigo resistir à propagação das grandes corporações? Que posso
fazer eu, a partir da minha comunidade, do meu barraco, da minha povoação, da
minha favela, quando sou diariamente discriminado e marginalizado? Que pode
fazer aquele estudante, aquele jovem, aquele militante, aquele missionário que
atravessa as favelas e os paradeiros com o coração cheio de sonhos, mas quase
sem nenhuma solução para os meus problemas? Muito! Podem fazer muito. Vós, os
mais humildes, os explorados, os pobres e excluídos, podeis e fazeis muito.
Atrevo-me a dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas vossas
mãos, na vossa capacidade de vos organizar e promover alternativas criativas na
busca diária dos “3 T” (trabalho, tecto, terra), e também na vossa participação
como protagonistas nos grandes processos de mudança nacionais, regionais e
mundiais. Não se acanhem!
A Igreja
não pode nem deve ser alheia a este processo no anúncio do Evangelho. Muitos
sacerdotes e agentes pastorais realizam uma tarefa imensa acompanhando e
promovendo os excluídos em todo o mundo, ao lado de cooperativas, dando impulso
a empreendimentos, construindo casas, trabalhando abnegadamente nas áreas da saúde,
desporto e educação. Estou convencido de que a cooperação amistosa com os
movimentos populares pode robustecer estes esforços e fortalecer os processos
de mudança.
Gostaria,
no entanto, de vos propor três grandes tarefas que requerem a decisiva contribuição
do conjunto dos movimentos populares:
3.1
A primeira tarefa é pôr a economia ao serviço dos povos.
Os seres
humanos e a natureza não devem estar ao serviço do dinheiro. Digamos NÃO a uma
economia de exclusão e desigualdade, onde o dinheiro reina em vez de servir.
Esta economia mata. Esta economia exclui. Esta economia destrói a Mãe Terra.
Os
recursos disponíveis no mundo, fruto do trabalho intergeneracional dos povos e
dos dons da criação, são mais que suficientes para o desenvolvimento integral
de «todos os homens e do homem todo». Mas o problema é outro. Existe um
sistema com outros objectivos. Um sistema que, apesar de acelerar
irresponsavelmente os ritmos da produção, apesar de implementar métodos na
indústria e na agricultura que sacrificam a Mãe Terra na ara da
«produtividade», continua a negar a milhares de milhões de irmãos os mais
elementares direitos económicos, sociais e culturais. Este sistema atenta
contra o projecto de Jesus.
A justa
distribuição dos frutos da terra e do trabalho humano não é mera filantropia. É
um dever moral. Para os cristãos, o encargo é ainda mais forte: é um
mandamento. Trata-se de devolver aos pobres e às pessoas o que lhes pertence. O
destino universal dos bens não é um adorno retórico da doutrina social da Igreja.
É uma realidade anterior à propriedade privada. A propriedade, sobretudo quando
afecta os recursos naturais, deve estar sempre em função das necessidades das
pessoas. E estas necessidades não se limitam ao consumo. Não basta deixar cair
algumas gotas, quando os pobres agitam este copo que, por si só, nunca derrama.
Os planos de assistência que acodem a certas emergências deveriam ser pensados
apenas como respostas transitórias. Nunca poderão substituir a verdadeira
inclusão: a inclusão que dá o trabalho digno, livre, criativo, participativo e
solidário.
Neste
caminho, os movimentos populares têm um papel essencial, não apenas exigindo e
reclamando, mas fundamentalmente criando. Vós sois poetas sociais: criadores de
trabalho, construtores de casas, produtores de alimentos, sobretudo para os
descartados pelo mercado global.
Os
governos que assumem como própria a tarefa de colocar a economia ao serviço das
pessoas devem promover o fortalecimento, melhoria, coordenação e expansão
destas formas de economia popular e produção comunitária. Isto implica melhorar
os processos de trabalho, prover de adequadas infra-estruturas e garantir
plenos direitos aos trabalhadores deste sector alternativo. Quando Estado e
organizações sociais assumem, juntos, a missão dos “3 T”, activam-se os
princípios de solidariedade e subsidiariedade que permitem construir o bem
comum numa democracia plena e participativa.
3.2
A segunda tarefa é unir os nossos povos no caminho da paz e da justiça.
Os povos
do mundo querem ser artífices do seu próprio destino. Querem caminhar em paz
para a justiça. Não querem tutelas nem interferências, onde o mais forte
subordina o mais fraco. Querem que a sua cultura, o seu idioma, os seus
processos sociais e tradições religiosas sejam respeitados. Nenhum poder
efectivamente constituído tem direito de privar os países pobres do pleno
exercício da sua soberania e, quando o fazem, vemos novas formas de
colonialismo que afectam seriamente as possibilidades de paz e justiça, porque
«a paz funda-se não só no respeito pelos direitos do homem, mas também no
respeito pelo direito dos povos, sobretudo o direito à independência».
Os povos
da América Latina alcançaram, com um parto doloroso, a sua independência
política e, desde então, viveram já quase dois séculos duma história dramática
e cheia de contradições procurando conquistar uma independência plena.
Apesar
destes avanços, ainda subsistem factores que atentam contra este
desenvolvimento humano equitativo e coarctam a soberania dos países da «Pátria
Grande» e doutras latitudes do Planeta. O novo colonialismo assume variadas
fisionomias. Às vezes, é o poder anónimo do ídolo dinheiro: corporações,
credores, alguns tratados denominados «de livre comércio» e a imposição de
medidas de «austeridade» que sempre apertam o cinto dos trabalhadores e dos
pobres. Os bispos latino-americanos denunciam-no muito claramente, no documento
de Aparecida, quando afirmam que «as instituições financeiras e as empresas
transnacionais se fortalecem ao ponto de subordinar as economias locais,
sobretudo debilitando os Estados, que aparecem cada vez mais impotentes para
levar adiante projetos de desenvolvimento a serviço de suas populações».
Noutras ocasiões, sob o nobre disfarce da luta contra a corrupção, o
narcotráfico ou o terrorismo – graves males dos nossos tempos que requerem uma
acção internacional coordenada – vemos que se impõem aos Estados medidas que
pouco têm a ver com a resolução de tais problemáticas e muitas vezes tornam as
coisas piores.
Da mesma
forma, a concentração monopolista dos meios de comunicação social que pretende
impor padrões alienantes de consumo e certa uniformidade cultural é outra das
formas que adopta o novo colonialismo. É o colonialismo ideológico. Como dizem
os bispos da África, muitas vezes pretende-se converter os países pobres em
«peças de um mecanismo, partes de uma engrenagem gigante».
Digamos
NÃO às velhas e novas formas de colonialismo. Digamos SIM ao encontro entre
povos e culturas. Bem-aventurados os que trabalham pela paz.
Aqui
quero deter-me num tema importante. É que alguém poderá, com direito, dizer:
«Quando o Papa fala de colonialismo, esquece-se de certas acções da Igreja».
Com pesar, vo-lo digo: Cometeram-se muitos e graves pecados contra os povos
nativos da América, em nome de Deus. Reconheceram-no os meus antecessores,
afirmou-o o CELAM e quero reafirmá-lo eu também. Como São João Paulo II, peço
que a Igreja «se ajoelhe diante de Deus e implore o perdão para os pecados
passados e presentes dos seus filhos». E eu quero dizer-vos, quero ser
muito claro, como foi São João Paulo II: Peço humildemente perdão, não só para
as ofensas da própria Igreja, mas também para os crimes contra os povos nativos
durante a chamada conquista da América. E junto, junto a este pedido de
perdão e para ser justo, também quero que recordemos os milhares de sacerdotes,
bispos, que se opuseram fortemente à lógica da espada, com a força da cruz.
Houve pecado, houve pecado e abundante, e por isto pedimos perdão, e peço
perdão, porém também alí, onde teve pecado, onde abundou o pecado, superabundou
a graça através destes homens que defenderam a justiça dos povos originários.
3.3
A terceira tarefa, e talvez a mais importante que devemos assumir hoje, é
defender a Mãe Terra.
A casa
comum de todos nós está a ser saqueada, devastada, vexada impunemente. A
covardia em defendê-la é um pecado grave. Vemos, com crescente decepção,
sucederem-se uma após outra cimeiras internacionais sem qualquer resultado
importante. Existe um claro, definitivo e inadiável imperativo ético de actuar
que não está a ser cumprido. Não se pode permitir que certos interesses – que
são globais, mas não universais – se imponham, submetendo Estados e organismos
internacionais, e continuem a destruir a criação. Os povos e os seus movimentos
são chamados a clamar, mobilizar-se, exigir – pacífica mas tenazmente – a
adopção urgente de medidas apropriadas. Peço-vos, em nome de Deus, que
defendais a Mãe Terra. Sobre este assunto, expressei-me devidamente na carta
encíclica Laudato si’.
4.
Para concluir, quero dizer-lhes novamente: O futuro da humanidade não está
unicamente nas mãos dos grandes dirigentes, das grandes potências e das elites.
Está fundamentalmente nas mãos dos povos; na sua capacidade de se organizarem e
também nas suas mãos que regem, com humildade e convicção, este processo de
mudança. Estou convosco. Digamos juntos do fundo do coração: nenhuma família
sem tecto, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhum
povo sem soberania, nenhuma pessoa sem dignidade, nenhuma criança sem infância,
nenhum jovem sem possibilidades, nenhum idoso sem uma veneranda velhice.
Continuai com a vossa luta e, por favor, cuidai bem da Mãe Terra. Rezo por vós,
rezo convosco e quero pedir a nosso Pai Deus que vos acompanhe e abençoe, que
vos cumule do seu amor e defenda no caminho concedendo-vos, em abundância,
aquela força que nos mantém de pé: esta força é a esperança, a esperança que
não decepciona. Obrigado! E peço-vos, por favor, que rezeis por mim". Aspas nossas.
Fonte: Rádio Vaticano
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