Luciano Siqueira *
Já nos estertores do regime militar, meados de 1982, se não me engano, numa reunião do Comitê Central do PCdoB, ainda na semiclandestinidade, João Amazonas observa, de passagem, em seu informe, a disposição de se encontrar com o vice-presidente da República:
- Com o general Figueiredo, não; mas com o Aureliano Chaves admito conversar.
Embora já não fosse nenhum principiante, aquilo me encucou. No primeiro intervalo, o abordei:
- João, eu ouvi bem ou estou enganado: você disse que conversaria com o vice-presidente do governo militar?
- Sim, camarada, conversaria. Você conhece algum caso mundo afora em que as forças populares venceram sem dividir o inimigo?
Assim, de modo tão simples, nosso velho mestre reafirmava o que, na tradição revolucionária, chamamos de postulado tático de Lênin: com base na unidade e na coesão das forças mais avançadas, firmar alianças com forças suscetíveis de compartilharem conosco objetivos de curto e médio prazo, neutralizar outras tantas que possam se desgarrar do bloco adversário e isolar, enfraquecer e derrotar o inimigo principal.
O hipotético diálogo com Aureliano Chaves, que nunca houve, sinalizava a capacidade do PCdoB de se mover na cena política com desenvoltura e habilidade, livre de sectarismos e preconceitos, preservando entretanto princípios e propósitos políticos essenciais.
Àquela época, o objetivo central de nossa tática era derrotar a ditadura militar e restabelecer o Estado de direito, condição prévia para a conquista de uma ampla pauta, que incluía a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, a realização de eleições diretas para a presidência da República, a suspensão de processos contra líderes populares e sindicatos, a legalização da UNE, o direito de existência legal dos partidos políticos, a completa supressão da censura à imprensa, etc.
A pressão popular e as dissensões na elite dominante permitiam vislumbrar o fim do regime. Cabia acelerá-lo mediante todas as iniciativas possíveis.
Hoje, mais de três décadas após, o centro de nossa tática é a preservação da ordem democrática e do mandato da presidenta Dilma, reconquistando as condições de governabilidade para que possamos superar o período de ajuste das contas públicas e retomar o crescimento em bases soberanas e socialmente inclusivas.
Isto num instante de enorme instabilidade, fundada em uma correlação de forças adversa que permeia as relações do governo com o Congresso Nacional, o Judiciário e extensa parcela da população.
Urge recuperar a iniciativa política, lastreada numa agenda que dialogue com pleitos diversos, advindos tanto "de cima" - via Agenda Brasil, apresentada pelo presidente do Senado e pronunciamentos de líderes empresariais -, como "de baixo" - pelas vozes dos movimentos sociais e da Frente Brasil Popular.
A rigor, toda conversa vale a pena quando a política não é pequena. O PCdoB vem fazendo a sua parte.

* Médico, vice-prefeito do Recife, membro do Comitê Central do PCdoB
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