"Não é a primeira vez que grupos conservadores no
Brasil se mobilizam para impedir a existência de um partido de base
popular", diz a socióloga Maria Rita Loureiro, professora da FGV/SP
21 DE NOVEMBRO DE 2015 ÀS 07:57
Por Maria Rita Loureiro, via Carta Maior
Assistimos, hoje, ao processo sistemático e concertado de criminalização
dos dirigentes do PT e a desqualificação da competência do governo de Dilma em
conduzir as políticas econômicas.
Procura-se, com isso, destruir o único partido político de base popular
que assumiu o poder nesse país e que ousou realizar, mesmo de forma muito
tímida, políticas de redução de suas seculares desigualdades sociais.
Por que a deslegitimação política do PT representa um traço
estrutural na ordem social brasileira? Porque não é a primeira vez, e muito
provavelmente não será a ultima, que grupos conservadores no Brasil se
mobilizam para impedir a existência de um partido de base popular - não
tutelado e com vínculos orgânicos com a classe trabalhadora. Como Faoro já
mostrou, “o processo histórico brasileiro é recorrente e repetitivo, é uma
sucessão de retornos de formas e de tempos que não passam de recondicionamentos
de outros tempos”.
Vale relembrar alguns exemplos: o primeiro foi o que levou à
ilegalidade do Partido Comunista em 1948, em plena ordem democrática, com base
em argumentação jurídica bastante controversa, mas aceita então pelo STF.
Portanto, legitimada juridicamente. O mais significativo é que isso ocorreu no
Brasil enquanto outros países da América Latina, mesmo no contexto da Guerra
Fria, mantinham seus partidos comunistas legalizados.
O segundo exemplo se refere à própria ascensão eleitoral de
Vargas, em 1950. Mesmo seu trabalhismo autoritário era intolerável para as
classes dominantes. Vale citar uma declaração de Carlos Lacerda, em seu jornal
a Tribuna da Imprensa, lançando uma provocação histórica às Forças Armadas,
quando Getulio estava prestes a se tornar candidato à presidência da república
na sucessão de Dutra.
“O Sr. Getulio Vargas, senador, não deve ser candidato.
Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado,
devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar” (Biografia de Getulio,
de Lira Neto, vol. 3 p.188).
Como Vargas, nos anos 50, o governo do PT hoje, sessenta
anos depois, também não pode governar. Essa memória nos ajuda a compreender em
grande parte a crise política atual.
Há ainda outro ponto comum nesses dois momentos repetitivos
da história brasileira: a elevação do salário mínimo, crucial no processo de
redução das desigualdades sociais: da mesma forma que agora, os governos Lula e
Dilma, elevaram sistematicamente o salário mínimo em termos reais (ajudando
inclusive a alimentar o ódio contra o
governo por parte da classe média, que quer ser “diferenciada” dos pobres), é
importante relembrar que a campanha de Lacerda “contra o chamado mar de lama que atinge o Palácio do
Catete” cresceu exatamente depois da elevação histórica de 100% do salário
mínimo pelo governo Vargas em 1º maio de 1954.
O que resultará desse processo de destruição do PT? A
despolitização da sociedade, a desqualificação da vida política, o retrocesso
da ordem democrática e das conquistas sociais trazidas pela Constituição de
1988 que começaram, ainda que timidamente, a serem efetivadas pelas políticas
sociais mais recentes. Pensem na frase que aparece nos discursos de certos
economistas: “A Constituição de 1988 não cabe no PIB brasileiro”.
Mais ainda, o que está em jogo nesse momento é a capitulação
mais completa do governo frente ao chamado “poder de fogo do mercado”. É o
retrocesso da política externa brasileira, orientada por iniciativas como o
banco dos BRICS e pela maior autonomia frente às potências hegemônicas e às
suas corporações internacionais. E a possível reversão do sistema de partilha
na exploração do pré-sal pela Petrobrás. É também o retrocesso na cooperação
política e econômica entre países e forças democráticas de esquerda na América
Latina.
Por fim, cabe alertar aos partidos de esquerda que imaginam
recolher no futuro os espólios do PT: os exemplos históricos aqui trazidos
permitem dizer que nada lhes garantem que eles também não serão objeto, se
alcançarem o poder, do mesmo processo de aniquilamento que o PT hoje está
sofrendo.
Socióloga e professora da área de Administração Pública e
Governo da FGV/SP
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