Por Alan Tygel, no site Opera Mundi:
Na última semana, fomos bombardeados pelas notícias sobre a
alta no preço do feijão. O povo, chocado em ver o quilo passando de R$10, ouviu
as mais diversas explicações dos analistas: geada e muita chuva no sul, falta
de chuva em outras regiões, e até o boato de que uma pequena doação para Cuba
feita em outubro de 2015 teria sido a causa da escassez. A solução mágica
apresentada pelo ministro interino da agricultura, o Rei da Soja, foi zerar a
taxa de importação para facilitar a entrada de feijão estrangeiro.
O que estranhamente não saiu em lugar nenhum foi um elemento
muito simples: o agronegócio brasileiro não se preocupa em produzir alimentos
para o Brasil. E isso fica muito claro quando olhamos a mudança na utilização
das terras no país. Nos últimos 25 anos, houve uma diminuição profunda na área
destinada à plantação dos alimentos básicos do nosso cardápio. A área de
produção de arroz reduziu 44% (quase metade a menos), e a mandioca recuou 20%.
A área plantada com feijão, o vilão do momento, diminuiu 36%
desde 1990, enquanto a população aumentou 41%. Apesar de ter havido um aumento
na produtividade, a diminuição da área deixa a colheita mais vulnerável e
suscetível a variações como estamos vendo agora.
E o agronegócio?
Os grandes latifundiários do Brasil, aliados aos políticos
da bancada ruralista, a multinacionais de agrotóxicos e sementes como Bayer,
Monsanto e Basf, e às empresas que dominam a comunicação no país não estão
preocupadas com a alimentação da população. Estes atores compõem o chamado agronegócio,
que domina a produção agrícola no Brasil e vê o campo apenas como local para
aumentar suas riquezas.
Isso significa, na prática, produzir soja e milho para
alimentar gado na Europa e na China, enquanto precisamos recorrer à importação
de arroz, feijão e até do próprio milho para as festas de São João. Exportamos
milho, e agora precisamos importar o milho. Faz sentido?
No mesmo período em que a área plantada de arroz e feijão
caiu 44% e 36%, respectivamente, a área de soja aumentou 161%, enquanto o milho
aumentou 31% e a cana, 142%. Somados os três produtos, temos 72% da área
agricultável do Brasil com apenas três culturas. São 57 milhões de hectares que
ignoram a cultura alimentar e a diversidade nutricional do nosso país em favor
de um modelo de monocultura, que só funciona com muito fertilizante químico,
semente modificada e veneno, muito veneno.
No caso da cana e da soja, é fácil entender que não são
alimentos, e sim mercadorias ou (commodities) que vão ser comercializadas nas
bolsas de valores pelo mundo. No caso do milho, basta ver que em 2015 foram
exportados 30 milhões de toneladas de milho, em relação direta com a alta do
dólar. Com o preço da moeda americana em alta, vale mais a pena exportar do que
vender aqui. Assim, o que sobra no Brasil não é suficiente para o nosso
consumo, e por isso temos que importar, o que também irá pressionar o preço.
Hoje é o feijão, logo será o milho que vai explodir de preço.
Outro aspecto importante é analisar que quem bota o feijão
na mesa do povo é a agricultura familiar. Os dados ainda de 2006 mostram que
80% da área plantada de feijão (e 70% da produção) são da agricultura familiar.
E esta agricultura não tem espaço no reino do agronegócio.
O agronegócio ameaça a soberania alimentar no Brasil. Ao
deixar de plantar comida para plantar mercadorias, ficamos extremamente
dependentes do mercado externo, e vulneráveis às mudanças climáticas.
O primeiro passo: reforma agrária para dar terra a quem quer
plantar comida. Com a terra na mão, precisamos de incentivo à agroecologia,
para produzir alimentos saudáveis. Finalmente, essa produção deve ser regulada
pelo Estado, via Conab, para garantir o abastecimento interno antes de embarcar
tudo para fora.
O governo interino já admite privatizar a Conab, e pode em
breve aprovar leis que facilitam ainda mais o uso de agrotóxicos e o uso de
pulverização aérea nas cidades.
É, de fato, também um golpe ruralista.
* Artigo publicado originalmente no site Brasil de Fato.
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