Dias atrás, divulgou-se em tom de celebração a noção de que
a denúncia de Lula junto ao Conselho de Direitos Humanos da ONU sequer fora
aceita para um exame prévio num organismo conhecido por iniciativas corajosas,
que já beneficiaram cidadãos do mundo inteiro, inclusive Julian Assange,
criador do Wikileaks. Bobagem. Por Paulo Moreira Leite
Como a própria ONU foi levada a esclarecer em comunicado
oficial, a denúncia, naturalmente em fase inicial, segue as formalidades de
praxe. Não houve, até agora, nenhum julgamento de mérito -- nem era o caso.
A acusação foi devidamente registrada na instituição, que
deu um prazo de dois meses para uma resposta das autoridades brasileiras.
Resumo: ninguém sabe o que vai acontecer
daqui para a frente, mas o caso começou a andar, cumprindo uma primeira etapa
burocrática nos rituais da entidade. Mais uma vez, grandes jornais brasileiros
mostram sua incorrigível capacidade de confundir a realidade com seus próprios
desejos.
A pressa em dar por encerrado um caso que sequer havia
começado envolve um comportamento fácil de entender pelo espírito vira-lata de
parte da elite brasileira. Ela cultiva um temor reverencial por qualquer
iniciativa que possa comprometer a chamada "imagem do país" em Miami
ou Paris, mas não dispensa a mesma atenção ao que se fala e se ouve na Rocinha
ou Osasco.
Para quem sobrevive num universo feito para poucos, embora
alimentado pelo suor de muitos, os fatos sempre serão menos importantes do que
sua capacidade de escondê-los.
Nos tempos da censura do regime militar, a imagem externa
era uma obsessão permanente dos generais. Compreende-se. Era a partir do
exterior que o país respirava uma liberdade oprimida por aqui. Em outra fase da
história, num país submetido a lógica opressiva do pensamento único uma
denúncia na ONU pode produzir um efeito semelhante.
Neste aspecto, a denúncia de Lula tem um impacto único. Sua
fonte não é um líder dissidente,
respeitável mas pouco influente, como acontece com a maioria das
personalidades que, sem respostas adequadas da Justiça de seu próprio país, vão
bater às portas de organismos internacionais.
O caso diz respeito ao mais popular presidente da história
do país que abriga a sétima economia do planeta, um chefe de governo cujo
partido venceu quatro eleições presidenciais consecutivas e por inúmeras vezes
discursou na cerimônia de abertura anual da Assembleia Geral das Nações Unidas.
Basta recordar o tom de aberta desconfiança dispensada ao golpe contra Dilma
para prever o tratamento que a parcela mais respeitada da mídia internacional
pode dispensar ao caso, quando os dados da caçada a Lula forem mais conhecidos.
No Brasil de 2016, os métodos de investigação da Lava Jato,
que estão na base da denúncia levada a ONU -- são apresentados em ambiente de
celebração cívica. Como é inevitável nessa situação, toda crítica é apresentada
de forma interesseira como falta de patriotismo e mesmo cumplicidade criminosa.
Qualquer esforço de
oxigenar um debate necessário é apresentado como risco e ameaça. Responsáveis
pela animação do espetáculo, os meios de comunicação tentam construir um
ambiente artificial de unanimidade, no qual uma discussão de base jurídica, que
envolve fatos, provas e direitos democráticos, é apresentada como um julgamento
de natureza moral, típico para medidas de ódio e violência.
Os brasileiros irão acompanhar com imenso interesse as
explicações do governo Temer sobre episódios mencionados na denuncia, como a
condução coercitiva de Lula e a divulgação de um diálogo com Dilma Rousseff
gravado de forma ilegal. Num ambiente onde os direitos democráticos estão
preservados, é complicado ganhar tudo no grito.
Mesmo considerando que a ONU é um organismo formado por 195
países, com interesses econômicos e diplomáticos que tem influência decisiva na
tomada de suas decisões, o que não permite apostar de saída num resultado
favorável, é fácil entender o receio vira-lata diante do caso, certo?Na ONU, a
primeira derrota dos vira-latas
Dias atrás, divulgou-se em tom de celebração a noção de que
a denúncia de Lula junto ao Conselho de Direitos Humanos da ONU sequer fora
aceita para um exame prévio num organismo conhecido por iniciativas corajosas,
que já beneficiaram cidadãos do mundo inteiro, inclusive Julian Assange,
criador do Wikileaks. Bobagem.
Como a própria ONU foi levada a esclarecer em comunicado
oficial, a denúncia, naturalmente em fase inicial, segue as formalidades de
praxe. Não houve, até agora, nenhum julgamento de mérito -- nem era o caso.
A acusação foi devidamente registrada na instituição, que
deu um prazo de dois meses para uma resposta das autoridades brasileiras.
Resumo: ninguém sabe o que vai acontecer
daqui para a frente, mas o caso começou a andar, cumprindo uma primeira etapa
burocrática nos rituais da entidade. Mais uma vez, grandes jornais brasileiros
mostram sua incorrigível capacidade de confundir a realidade com seus próprios
desejos.
A pressa em dar por encerrado um caso que sequer havia
começado envolve um comportamento fácil de entender pelo espírito vira-lata de
parte da elite brasileira. Ela cultiva um temor reverencial por qualquer
iniciativa que possa comprometer a chamada "imagem do país" em Miami
ou Paris, mas não dispensa a mesma atenção ao que se fala e se ouve na Rocinha
ou Osasco.
Para quem sobrevive num universo feito para poucos, embora
alimentado pelo suor de muitos, os fatos sempre serão menos importantes do que
sua capacidade de escondê-los.
Nos tempos da censura do regime militar, a imagem externa
era uma obsessão permanente dos generais. Compreende-se. Era a partir do
exterior que o país respirava uma liberdade oprimida por aqui. Em outra fase da
história, num país submetido a lógica opressiva do pensamento único uma
denúncia na ONU pode produzir um efeito semelhante.
Neste aspecto, a denúncia de Lula tem um impacto único. Sua
fonte não é um líder dissidente,
respeitável mas pouco influente, como acontece com a maioria das
personalidades que, sem respostas adequadas da Justiça de seu próprio país, vão
bater às portas de organismos internacionais.
O caso diz respeito ao mais popular presidente da história
do país que abriga a sétima economia do planeta, um chefe de governo cujo
partido venceu quatro eleições presidenciais consecutivas e por inúmeras vezes
discursou na cerimônia de abertura anual da Assembleia Geral das Nações Unidas.
Basta recordar o tom de aberta desconfiança dispensada ao golpe contra Dilma
para prever o tratamento que a parcela mais respeitada da mídia internacional
pode dispensar ao caso, quando os dados da caçada a Lula forem mais conhecidos.
No Brasil de 2016, os métodos de investigação da Lava Jato,
que estão na base da denúncia levada a ONU -- são apresentados em ambiente de
celebração cívica. Como é inevitável nessa situação, toda crítica é apresentada
de forma interesseira como falta de patriotismo e mesmo cumplicidade criminosa.
Qualquer esforço de
oxigenar um debate necessário é apresentado como risco e ameaça. Responsáveis
pela animação do espetáculo, os meios de comunicação tentam construir um
ambiente artificial de unanimidade, no qual uma discussão de base jurídica, que
envolve fatos, provas e direitos democráticos, é apresentada como um julgamento
de natureza moral, típico para medidas de ódio e violência.
Os brasileiros irão acompanhar com imenso interesse as
explicações do governo Temer sobre episódios mencionados na denuncia, como a
condução coercitiva de Lula e a divulgação de um diálogo com Dilma Rousseff
gravado de forma ilegal. Num ambiente onde os direitos democráticos estão
preservados, é complicado ganhar tudo no grito.
Mesmo considerando que a ONU é um organismo formado por 195
países, com interesses econômicos e diplomáticos que tem influência decisiva na
tomada de suas decisões, o que não permite apostar de saída num resultado
favorável, é fácil entender o receio vira-lata diante do caso, certo?
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