quinta-feira, 20 de abril de 2017

Falta uma disciplina na Base Nacional Comum Curricular: a Democracia



 
 

Pelo comportamento daqueles que as estão insultando, pela tática de pressão covarde e anônima adotada, pela covardia de quem divulgou seus números de telefones celulares, dá para adivinhar o partido, não oficial, nem declarado, que está por trás dos ataques: o do fascismo.

Enquanto isso, outro vereador paulistano resolveu dar uma de Doria – a quem apoiou nas eleições – ou seria de Jânio Quadros? – e decidiu invadir e fiscalizar pessoalmente escolas públicas, para verificar o conteúdo das aulas e pressionar professores, no contexto do mesmo “movimento”, descaradamente partidário e ideológico – o de impedir – fazendo exatamente o que condena – uma suposta “politização” do ensino.

Tudo isso ocorre no mesmo momento em que o MEC encaminha, ao Conselho Nacional de Educação, a proposta da nova Base Nacional Comum Curricular, que contempla 10 diferentes “competências” que devem ser buscadas na formação dos alunos, nenhuma delas explicitamente voltada a sanar o maior deficit do sistema educacional brasileiro: o da formação política e cidadã da nossa gente.

Não tendo a menor ideia do que está escrito na Constituição, do equilíbrio institucional e democrático que deveria reger o convívio em sociedade, tanto de cidadãos como de segmentos sociais; do funcionamento de nosso sistema político; do papel de cada um dos Três Poderes; dos limites e atribuições dos agentes do Estado; do que é o Estado de Direito; dos direitos e deveres individuais; as crianças brasileiras não podem se situar no contexto da nação, da sociedade e da República, nem aprender a votar com consciência, porque não sabem sequer para que serve o Congresso, qual o papel dos vereadores, prefeitos, deputados, senadores, e como funciona – como se pode ver pelos mitos que cercam a utilização das urnas eletrônicas – o sistema eleitoral vigente.

Caso já houvesse esse tipo de ensino, há alguns anos, as bestas quadradas que estão por trás da campanha do Escola sem Partido teriam aprendido na escola que a educação é um direito democrático, que deveria possibilitar às escolas e professores – ao contrário do que existe hoje, principalmente nas escolas particulares, com a disseminação apenas do discurso único direitista – estabelecer livremente a abordagem que pretendem dar à formação de seus alunos e estimular o debate como método de desenvolvimento político do cidadão.

Entre os equívocos dos setores populares e nacionalistas, nos últimos 15 anos, está o fato de não terem estabelecido, para a população, uma opção ao padrão político-educacional imperante, aprovando a obrigatoriedade do ensino da Constituição Federal no ensino público, ou, no mínimo, estimulando a criação de dezenas, centenas de cooperativas de ensino, em todo o país, que pudessem dar a seus filhos a possibilidade de ter acesso a uma narrativa alternativa à estabelecida pela midiotização imposta majoritariamente no Brasil pelos grandes veículos de comunicação.

A Democracia estabelece-se pela diversidade, e não apenas pela diversidade de gênero, de origem étnica e cultural, de comportamento, mas, sobretudo, pela diversidade de pensamento POLÍTICO. 

Pelo direito que as pessoas devem ter de ter acesso a diferentes informações e visões de mundo e de aprender, por meio delas, a pensar, a analisar as diferentes abordagens que estão à sua frente, e estabelecer com total liberdade, incluída a do debate, o seu caminho na vida e a uma prática de cidadania plena.

Hoje, os filhos e netos daqueles que não se alinham com o pensamento único dominante sabem o que estão passando na maioria das escolas, e, principalmente nas particulares, em que o “partido” e a “filosofia”, determinante e majoritária, são o consumismo e o preconceito, a busca superficial do dinheiro e do “sucesso” como principal objetivo na vida – que deve incluir numerosas idas à Disney e a Miami como ritual de passagem para a adolescência e a idade adulta – a manipulação midiática, a viralatice com relação aos estrangeiros, a ignorância política, e a sua filha dileta, a “antipolítica”, a desinformação e o fascismo.

Em uma situação como essa, agora piorada com a possibilidade de um professor ou de uma escola serem acusados de comunismo, caso se afastem do que é imposto pelo “estado de direita” em que vivemos cotidianamente, as escolas privadas – e as públicas, patrulhadas por malucos, como está ocorrendo na cidade de São Paulo – não ousam se arriscar a sair, nem por um milímetro, do figurino.

Nesse quadro, para além – salvo poucas e honrosas exceções – do universo muitas vezes engessado e reprimido do ensino público, a saída para preservar o bolso dos pais, um salário mais alto para os professores, uma melhor formação para os alunos, bolsas para crianças carentes e liberdade para todos, pode, para resolver pelo menos em parte o problema, o associativismo e o cooperativismo de ensino.

Que tal pensar no assunto?




*Mauro Santayana é um jornalista

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