terça-feira, 18 de abril de 2017

Um ano após o golpe, mais recessão e neoliberalismo agressivo



 
 

Durante o processo de impedimento, repetia-se a exaustão uma falácia, a “mística” de que o problema da economia brasileira era a presidenta e, com sua saída, tudo se resolveria.

“Ninguém sabe como é possível que uma única criatura tenha tamanho poder, o poder de parar um gigante como é a economia brasileira. Mas essa história convinha a quem apoiava o golpe e divulgou-se que, com a saída de Dilma, os empresários iam recobrar a confiança, iam voltar a investir, todo esse conto da carochinha que a gente já sabe”, diz a professora de economia da USP, Leda Paulani. 

Como já era de se esperar, doze meses depois do impeachment, a realidade tratou de desfazer as ilusões da retomada pós-golpe. “Porque é evidentemente que não é assim. Os empresários agem politicamente também, mas, fundamentalmente, agem pensando no bolso. Se não há expectativas de retorno, não vão investir. E deu no que vimos: o PIB [Produto Interno Bruto] de 2016 teve queda de 3,6%, o comportamento foi praticamente o mesmo de 2015, quando caiu 3,8%”, afirma Leda.

Na sua avaliação, a situação da economia hoje é “péssima” e não há sinais de recuperação, apesar do otimismo do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Para ele, existem indícios de que haverá crescimento já no primeiro trimestre deste ano. Segundo Leda, contudo, depois de o PIB cair 7,2% em dois anos, em 2017, “na melhor das hipóteses, o país vai crescer zero”. 

O boletim Focus, que traz a mediana de expectativas do mercado financeiro, projeta crescimento de 0,41% da atividade econômica neste ano. Mas a estimativa tem sido constantemente revista para baixo.

Para a economista da USP, a retomada da atividade tem sido difícil porque, “apesar do ‘sucesso’ do golpe, há uma instabilidade política permanente, muitos fios desencapados, e os empresários percebem isso”. E com o aumento do desemprego, o efeito multiplicador que o consumo poderia trazer para a dinâmica da economia está impedido de atuar. “O sujeito tem uma fábrica de sapatos. Ele olha para o horizonte e vê a situação. Será que ele vai decidir aumentar a fábrica dele agora? Eu duvido”. 

A gestão Michel Temer tem insistido no ajuste fiscal como remédio para a crise. A experiência, contudo, prova que, ao invés de melhorar a situação do país, a austeridade tem aprofundado as dificuldades. “A gente tem um problema de escassez de demanda agregada e a política de austeridade reduz ainda mais essa demanda. E isso tem um efeito multiplicador que vai piorando o estado da economia”, diz Leda, lembrando que essa foi a receita aplicada pelo ex-ministro Joaquim Levy – e deu errado.

Vale destacar que, mesmo na questão fiscal, a parceria Temer-Meirelles não tem o que celebrar. O setor público fechou 2016 com um déficit primário de R$ 155,791 bilhões – 2,47% de seu PIB, frente a 1,88% em 2015. Trata-se do pior resultado desde que começou a atual medição há 15 anos. Para 2017, a meta do governo é de déficit primário de R$ 139 bilhões. 

Leda Paulani ressalta ainda os impactos da Operação Lava Jato sobre a economia, já que a força-tarefa afetou setores de grande importância na economia brasileira, como toda a cadeia de petróleo e gás e as empreiteiras. “E, a cada desempregado numa empreiteira dessas, você gera mais 10, 12 desempregados, pelo efeito multiplicador”, afirma.

Em dezembro de 2014, o país possuía 6,5 milhões de desempregados. Há um ano, já durante a crise política, o número havia subido para 11,4 milhões. Em fevereiro de 2017, já eram 13,5 milhões de pessoas fora do mercado de trabalho. 

Neoliberalismo agressivo

Leda Paulani crê, contudo, que apesar da gravidade da recessão, o pior nesse cenário pós-golpe é a implementação de um programa de retrocesso social. 

“Ter o PIB com uma queda dessa magnitude é um desastre para qualquer economia. O PIB é importante, principalmente por causa do emprego. Mas essa queda é uma coisa que, daqui a um pouco, é possível reverter. As economias capitalistas têm comportamento cíclico. Já a possibilidade de reverter algumas medidas que estão sendo tomadas é muito menor. O mais grave é esse desmonte que eles estão fazendo, porque tem consequências a longo prazo”, diz.

De acordo com ela, iniciativas como o teto de gastos – que limita o crescimento das despesas públicas por 20 anos – a terceirização irrestrita e as reformas trabalhista e da previdência (ainda em tramitação) lançarão o país em “um período de regressão social que vai ficar para a história”. 

“A duríssimas penas, tínhamos saído da lanterna dos países mais desiguais do mundo. Com a melhora dos índices de Gini nos governos do PT, ficamos entre os 15 mais desguiais, mas já não éramos os últimos. Agora vamos voltar rápido para o fim da fila. Tem a taxa de desemprego, vai aumentar a precarização do trabalho, os salários vão cair. E, se junta queda de salários com redução de direitos, o impacto que isso tem na vida das pessoas é brutal. Vai ter uma regressão social amedrontadora. Isso, para mim, hoje, é mais preocupante que a questão do comportamento do PIB”, opina.

Segundo a professora, apesar de não ter promovido mudanças profundas na política econômica, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou o bom momento econômico de então para avançar em políticas sociais que tiveram impacto positivo sobre a economia do país e para a sociedade de forma geral. 

“Naquele momento, o programa neoliberal agressivo foi temporariamente engavetado. E agora ele está de volta”, lamenta. De acordo com Leda, a agenda que Temer coloca em prática é a mesma defendida pelo PSDB e derrotada nas urnas ano após ano. 

“Com todas as mudanças drásticas que eles estão promovendo, ou você tem uma nova Constituinte para botar tudo em ordem ou vai ser isso: tempos sombrios. Mesmo que volte a ter eleição, não vai ter normalidade mesmo, porque o país foi vítima de um golpe com esse propósito. O propósito era fazer esse programa neoliberal agressivo que estão fazendo, que era o que estava na agenda do PSDB lá atrás, mas ali eles não conseguiram pôr em marcha”, analisa.

Para a economista, o desmonte em curso tem efeito perversos de longo prazo. “Esse programa é defendido por muita gente do mercado e com muitos interesses materiais concretos. Por exemplo, o pré-sal e todas as coisas que estão tentando passar a toque de caixa para o setor privado. Essas são coisas de difícil reversão”, cita.

“O país tinha controle sobre suas reservas estratégicas de petróleo. Isso está sendo revertido a passos largos. Mesmo que tenha uma reviravolta política, que tenha uma Constituinte que resolva tudo, como é que se reverte essa entrega dos recursos estratégicos? Você pode reverter a decisão de venda de terras a estrangeiros. Mas e aquilo que já vendeu? Vai tomar de volta? Tem coisas que são muito drásticas, é preocupante”, completa. 



Por Joana Rozowykwiat, do Portal Vermelho

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