Enquanto milionários e multinacionais não pagam impostos, o país quebra. Dados mostram que os que ganham até dois salários mínimos mensais pagam 53,9% em impostos, enquanto a população que recebe acima de 30 salários mínimos paga até 29%
Denise Motta Dau e Gabriel
Casnati, RBA
A população brasileira não tem o hábito
de analisar detalhadamente os impostos que paga. Por isso, é normal a
reprodução da afirmação – divulgada incansavelmente na grande mídia – de que no
país as empresas e os empresários são sobretaxados.
Porém, quando nos detemos para analisar
o desenho da carga tributária no Brasil e no mundo constatamos que aqui existe
uma distribuição da tributação totalmente desigual. As políticas tributárias
não são neutras, assim como a construção do orçamento e dos respectivos
investimentos em políticas públicas, pois a depender da dinâmica podem
potencializar ou não maior inclusão social e equidade.
Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) mostra que os que ganham até dois salários mínimos
mensais pagam 53,9% deste valor em impostos, enquanto a população que ganha
acima de 30 salários mínimos paga até 29%. Concluímos, portanto, que há uma
forte injustiça fiscal no formato atual de arrecadação, que privilegia as
camadas mais ricas.
Até aqui estamos falando das
desigualdades fiscais dentro do que está previsto na legislação. Devido à
facilidade de as multinacionais e os milionários escaparem da tributação no
Brasil por mecanismos lícitos (elisão) ou ilícitos (evasão/sonegação), um
relatório recente da ONU considera o país um “paraíso tributário” para os
“super-ricos”, que pagam uma taxa efetiva média de apenas 7% de impostos.
Como isso tudo é possível?
Vez ou outra o termo “paraíso fiscal”
aparece nos rasos noticiários brasileiros, quase sempre relacionados com alguma
atividade criminosa, de corrupção pública ou tráfico de drogas.
O que a mídia tradicional omite é que
esses estereótipos de crime organizado e corrupção corresponderam a somente 12%
dos recursos que saíram da América Latina em direção aos paraísos fiscais entre
2004 e 2013. Os outros 88% são fruto de manobras ilícitas de evasão de imposto
em seus respectivos países de origem.
E qual é o tamanho do prejuízo para os
cofres públicos? Segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda
(Sinprofaz), somente em 2014 o Brasil teria perdido cerca de R$ 500 bilhões
para a sonegação fiscal. A título de comparação, no mesmo ano as perdas do
Brasil por causa da corrupção corresponderam a um valor sete vezes menor.
Soma-se a isso o fato de que as leis
que regulam a tributação em nível internacional foram elaboradas há quase 100
anos, tornando-as incompatíveis com a economia informatizada internacional dos
dias de hoje. Essas lacunas jurídicas permitem a elisão fiscal – manobras
legais que permitem às empresas multinacionais burlarem o fisco nos países em
que produzem lucros.
Outro mecanismo que faz com que o país
renuncie a bilhões por ano de arrecadação são as anistias e isenções fiscais
concedidas a grandes empresas. Para atraí-las, os governantes decidem abrir mão
de seus ingressos tributários, sob a justificativa de estimular a economia e
criar empregos. O problema é que as isenções fiscais não passam por controle
social e são concedidas sem contrapartidas, em processos sem transparência. No
estado do Rio de Janeiro, por exemplo, em 2013 as isenções fiscais para as
grandes empresas foram seis vezes maiores do que o orçamento estadual para a
saúde (R$ 32,3 bilhões versus R$ 5,2 bilhões).
Esses altos níveis de abuso fiscal por
meio de diversos mecanismos violam o princípio constitucional da capacidade
contributiva, uma vez que aqueles que possuem grandes quantias financeiras são
os que menos pagam no final das contas. Quem paga, para valer, imposto no
Brasil são os mais pobres.
Há nesse contexto uma questão de
respeito aos direitos humanos e de gênero. A população pobre e que precisa ter
acesso a serviços públicos de boa qualidade é a mais afetada, pois o orçamento
público fica prejudicado, em quantidade e qualidade, enquanto os investimentos
em concursos públicos, carreira e valorização de servidores ficam relegados ao
segundo plano, assim como a manutenção e abertura de novos serviços, a criação
de políticas públicas transversais e a promoção da inclusão e da equidade.
A superação da desigualdade de gênero e
raça também é inviabilizada, já que as mulheres negras – que pelos indicadores
sociais possuem renda mais baixa – usam a maior parte de seus rendimentos em
itens básicos, por cuidarem da família, e sofrem mais com a carga de impostos
cobrada diretamente sobre o consumo.
E o que podemos fazer?
O tema da tributação, tanto nacional
quanto internacional , é ainda distante do cotidiano das lutas dos movimentos
sociais. Além de investir em transparência e na popularização do tema, alguns
países já apontaram caminhos pelos quais podemos seguir. É o caso dos
islandeses, que a partir da denúncia de que o primeiro-ministro tinha contas em
paraísos fiscais, tomaram as ruas até que ele renunciasse, e conseguiram. E
também do Equador, que em fevereiro deste ano realizou um plebiscito nacional
por meio do qual a população rechaçou a possibilidade de políticos e
funcionários públicos de alto escalão terem contas em paraísos fiscais enquanto
exercem seus cargos.
Nesse contexto é importante que os
movimentos sociais se apropriem desse debate, pois, no Brasil, por trás do
tecnicismo das discussões sobre o tema , existe um forte viés ideológico
liberal.
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