Na tentativa de cumprir a meta de déficit primário de R$ 159 bilhões e o teto de gastos em 2018, o governo deverá aprofundar a redução de gastos com investimentos e custeio da máquina pública. Os cortes, além de prejudicarem a população - em especial a parcela mais vulnerável que depende de políticas públicas -, atrapalham o crescimento. “Um país que não investe, não tem como desenvolver sua economia”, alerta a assessora política do Inesc, Grazielle David.
Por Joana Rozowykwiat
Joana Rozowykwiat/Portal Vermelho
A secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, disse, nesta terça (28), que a redução nos gastos discricionários terá que ser de ao menos R$ 14 bilhões em relação a 2017. Isso significa uma queda de mais de 11% em relação ao valor previsto para este ano, que, vale ressaltar, já está no pior patamar desde 2009.
Integrante de um governo sempre adepto da chantagem e do terrorismo econômico, a secretária anunciou que, se já parece ruim, tudo pode piorar. A contenção de investimentos e gastos com custeio pode chegar a R$ 21,4 bilhões, caso o Congresso não aprove o adiamento do reajuste dos servidores e o ressarcimento pela desoneração da folha de pagamento.
O teto de gastos, que foi aprovado no ano passado sob críticas, estabelece que as despesas primárias (que não incluem as de natureza financeira) do governo só podem crescer o equivalente à variação da inflação, medida pelo IPCA. Isso por 20 anos.
De acordo com matéria da Folha de S.Paulo, o Tesouro projeta que esse indicador ficará em 3%, mas as despesas obrigatórias da União, que não podem ser afetadas pelo teto de gastos – como é o caso das aposentadorias – crescerão mais de 6% no ano que vem. A nova regra fiscal exigirá então uma queda ainda maior nos gastos discricionários.
“Isso não é surpresa para quem já vinha falando que teto dos gastos é insustentável pela sua premissa e é inviável matematicamente”, avalia Grazielle. “Temos um orçamento no pais para garantir proteção social, investimento em políticas públicas. O cenário em que estamos, que é transitório, exige deficit fiscal ou corte. Como não é possível abrir mão de garantir políticas públicas que estão na Constituição, apesar da tentativa que o governo tem feito, o que resta é cortar onde pode, que é nos gastos discricionários”, complementa.
Nesse sentido, os investimentos têm sido o alvo. Tais despesas totalizaram R$ 28,401 bilhões, de janeiro a outubro, uma queda de 33,5%, em valores corrigidos pela inflação. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), principal programa federal de investimentos, teve gastos R$ 17,768 bilhões no mesmo período, o que representou uma redução de 40,9%. O Programa Minha Casa, Minha Vida executou R$ 2,109 bilhões, o equivalente a um recuo de 61,4% na comparação com o mesmo período do ano passado.
De acordo com matéria do Diário do Nordeste, os investimentos do governo federal atingiram em 2017 os menores valores dos últimos dez anos em termos reais. De janeiro a setembro, os ministérios desembolsaram R$25,3 bilhões, menor montante desde 2008, segundo a organização Contas Abertas.
A assessora do Insec destaca o que o corte drástico nos investimentos significa para a economia do país. Ela cita como exemplo a compressão das despesas com infraestrutura e Ciência e Tecnologia.
“Se um país pretende aumentar sua produção, sua comercialização, mas não tem a infraestrutura necessária, isso dificulta muito. E como a gente vai sair do cenário de ser um país dependente da exportação de commodities para ser um país que consiga produzir e vender elementos mais complexos, se a gente não investe em Ciência e Tecnologia? Tudo isso vai tornando o país cada vez mais pobre, atrasado e dependente de exportação de matéria prima”, critica.
Grazielle destaca que o corte de investimentos tem impacto direto sobre os empregos, em momento no qual o país possui 13 milhões de desempregados. “Setores como infraestrutura, engenharia civil, construção de infraestrutura de transporte etc demandam muita mão de obra e, se o país vai retrocedendo nessas obras, não tem como contratar pessoas, isso vai complicando o quadro de desemprego”, aponta.
Ela rebate a expectativa do governo, que aposta na iniciativa privada para promover os investimentos retraídos pelo Estado. “O setor provado, para poder investir, precisa que existam alguns pré-requisitos, não basta reduzir o tamanho do Estado. E não temos esses pré-requisitos hoje no Brasil, onde, por exemplo, a mão de obra ainda não está totalmente qualificada. E o mais importante é que a iniciativa privada investe quando há demanda. Num país com déficit, com um governo reduzido, com desemprego, onde as famílias não consomem porque estão preocupadas, de onde vai vir a demanda? Sem demanda não tem setor privado investindo. Ninguém é doido de fazer isso”, diz.
Brasil exige mais gasto público, não o oposto
Na avaliação de Grazielle, a regra do teto de gastos é inviável em um país em que a Constituição ainda é recente e no qual as garantias mínimas para uma vida digna ainda estão sendo estruturadas. “Não tem como, nesse cenário, limitar toda a questão das garantias sociais a uma variação meramente da inflação, que é, na prática, um congelamento de gastos reais.
“O Brasil é signatário de tratados internacionais, como o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais, Ambientais e Culturais. E, sendo signatário, tem o compromisso de garantir algumas condições mínimas que ainda não alcançou. Para isso, ainda é necessário que se tenha muito mais investimento e políticas públicas, não o contrário”, afirma.
Grazielle reitera que é, portanto, impraticável a manutenção do teto de gastos. “Se precisa de mais investimento para chegar no nível em que precisamos e o país adota uma regra tão restritiva, vinculada só à questão inflacionária, é inviável. Primeiro porque o país não pode deixar de promover essas garantias, até pelos tratados aos quais está vinculado e porque felizmente o país conseguiu constitucionalizar alguns direitos, com algumas vinculações. E naturalmente, por questões da própria população, que vai crescer e envelhecer, demandando mais investimento. Não tem como um país permanecer com o mesmo nível de investimento por 20 anos”.
Segundo ela, apesar de o governo insistir em dizer que todos os países do mundo limitam o crescimento dos gastos públicos, em nenhum outro lugar essa restrição é tão rigorosa e “perversa” como no Brasil.
“Primeiro porque aqui colocaram isso na Constituição, quando na maior parte dos países não foi assim. A segunda questão é o tempo, na maioria dos países a regra vale por quatro anos: o governo que assume se compromete a assumir essa medida de austeridade durante sua gestão, mas não obriga o país a ficar 20 anos preso a esse modo de fazer política fiscal. Por fim, sabendo que a população muda, que as atividades mudam, e que, se a economia melhora, a população tem direito a ter acesso a essa melhoria, nos demais países, o reajuste é feito por variação nominal do PIB de médio prazo, o que quer dizer que não ocorre o congelamento real das despesas”, compara.
Austeridade contra o povo
As novas regras fiscais ainda nem se fizeram sentir em sua totalidade, mas os cortes que até agora foram promovidos já têm grande impacto sobre a vida das pessoas. De acordo com Grazielle, esse cenário de austeridade no Brasil começa de forma pontual em 2015 e se aprofunda intensamente em 2016 e 2017.
“Algumas políticas vêm sofrendo cortes desde 2015, mas isso passa ser de forma muito aprofundada em 2016 e 2017, com previsão de piorar em 2018. É um desmonte completo das políticas públicas e da garantia de direitos”, lamenta.
A assessora do Inesc avalia que os efeitos do teto de gastos se farão sentir com mais força entre 2018 e 2020, em especial se governo não aprovar a impopular reforma da Previdência, que retira direitos dos trabalhadores sob o argumento meramente fiscal. “Cada vez mais esse teto de gastos vai estar mais achatado. Mas, já neste ano, quando olhamos para grupos mais vulneráveis, já vemos os efeitos dos cortes. Só que os primeiros a sofrer são exatamente os que não têm voz”, diz.
Envolvida em um estudo sobre os efeitos das políticas de austeridade no Brasil, que deve ser lançado no próximo dia 14 – véspera do aniversário da aprovação do teto de gastos -, Grazielle cita programas que foram atingidos pela redução dos gastos públicos.
O programa de Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, teve corte significativo, ela menciona. “Em 2017 já teve um corte significativo. O MTST tem feito uma série de protestos, para explicitar isso. E o pior é que a forma é muito desigual. Mantiveram linhas de crédito para grupos populacionais com um pouco mais de condições financeiras, e os principais cortes foram nas linhas voltadas a famílias mais carentes”, condena.
“E quando a gente pega o projeto de lei orçamentária para 2018 e avalia a função habitação, a gente vê que ela praticamente desaparece do orçamento, perde a prioridade”, coloca.
O mesmo aconteceu com o programa Farmácia Popular. “Existem duas modalidades: de rede pública e privada. O governo escolheu cortar exatamente a modalidade da rede pública. As redes privadas de farmácia, normalmente, estão localizadas em grandes centros em regiões mais ricas. A rede pública é o oposto. Cortar o recurso e extinguir a rede pública da farmácia popular significa cortar diretamente o acesso a medicamente das regiões mais pobres, dos municípios menores e da população mais carente”, explica.
Num momento em que crescem as denúncias de violência contra as mulheres, outro programa que sofreu grandes cortes foram os voltados às políticas para elas. “São essas as contradições que a gente vive”, resume Grazielle.
Do Portal Vermelho
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